Matrix Reloaded: um game na montanha-russa
Para quem está esperando um Novo Testamento, o filme é uma decepção. Ainda bem.Lá para o fim da primeira parte de "Matrix reloaded", depois de algumas cenas incompreensíveis e de outras pura e simplesmente tediosas, o espectador chega a Zion, última cidade humana, onde vivem em condições precárias os bípedes que se rebelaram contra as máquinas.
Vocês se lembram, não? No primeiro "Matrix", descobrimos que o que nos parecia vida é apenas um gigantesco programa rodando nas mentes das pessoas, adormecidas em seus casulos; enquanto as coitadas sonham que existem, fazem e acontecem, suas energias são sugadas para alimentar as máquinas, verdadeiras donas do mundo.
Mais ou menos como na vida real.
No filme, porém, algumas dessas pessoas conseguem se safar e, como os cristãos da Capadócia, passam a viver em cavernas subterrâneas, escondidas dos inimigos, esperando o momento em que a antiga profecia se cumprirá e o hacker Neo, seu redentor, as libertará da escuridão.
Pois a chegada a Zion, que ainda não tínhamos visto, é uma das primeiras novidades em "Matrix reloaded". A outra é que as máquinas estão tramando um ataque sem precedentes à cidade, e a menos que Neo chegue à Fonte (Fonte? Que Fonte? Ssshhh! Não perturba...!), não sobrará ninguém para contar a história.
Dito assim parece fácil, mas no filme -- não estivéssemos num Matrix! -- há muito papo cabeça até se chegar a essa conclusão. Se é que concluí certo.
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Devo dizer, aliás, que eu estava me saindo até bem no teste, aceitando resignada todos os ruídos na comunicação; mas eis que Morpheus (um dos heróis da trama) se dirigiu aos cidadãos de Zion conclamando-os à resistência, e aquela massa suarenta e compacta, vestida em trajes exíguos, explodiu num gigantesco... baile funk! Ora, tenho certeza que MC Serginho e Lacraia vão vibrar com a cena, mas eu, sinceramente, fiquei muito contrariada.
Minhas piores suspeitas a respeito de "Matrix reloaded" se confirmavam: pelo visto, estava mesmo assistindo a uma fita fraudulenta, a uma seqüência feita para faturar em cima de um dos melhores filmes da década passada! Na minha boa fé, eu ignorara todos os sinais, todos os vícios característicos das imposturas cinematográficas, do marketing monstruoso à overdose de clips, entrevistas, imagens, websites, capas de revista... Argh!!!
Depois, pensando bem, que espécie de seqüência poderia ter Matrix, tão redondo, tão bem contado? Seu grande trunfo -- a revelação de que a vida não passa de realidade virtual -- já havia sido mostrado. A parábola fora fechada. O que restava além disso?
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Quando o carrinho finalmente parou e as luzes se acenderam na Sala Julio Prestes (sim, crianças, peguei a Ponte Aérea da foto para ir ao cinema), eu era uma espectadora feliz. Este Matrix não é um filme extraordinário, como o primeiro; não vai criar novos padrões estéticos, nem deixar multidões de adolescentes em crise existencial, indecisos entre a pílula vermelha ou a azul. Mas é, ainda assim, sensacional, com alguns dos melhores efeitos especiais jamais vistos, cenas de luta lindíssimas, uma perseguição das mais empolgantes e uma fuga em motocicleta de se aplaudir em cena aberta.
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Este não é um filme para ser visto pela "mensagem" -- que, na mais generosa das avaliações, é bobinha -- mas pela ação, pela cinematografia, pelo desfile de maravilhas. Por sinal, recomendo enfaticamente a quem quiser assistí-lo que o faça na melhor sala possível: há jóias escondidas pelos cantos, e até o som é capaz de delicadezas inesperadas, como o barulho de um pequeno jarro de bambu que é derrubado durante uma cena de retumbante pancadaria.
Pancadaria, contudo, à la Matrix: tão real quanto a vida dos humanos inconscientes, tão plausível quanto um sonho ou um game.
(O Globo, Segundo Caderno, 21.5.2003)
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