Jornalistas & viagens
Nos comentários do post em que eu elogiava o desempenho do Razr V3, o Rogério escreveu o seguinte:
"Pego carona no post ressentido da Vilma para, sem ressentimento, levantar uma discussão saudável sobre viagens a convite de Motorola, Samsung e quejandas: na sua opinião, onde está o limite entre jornalismo e propaganda?"
Jornalismo de tecnologia não é
hard news, Rogério. Não é jornalismo investigativo ou de denúncia (embora, eventualmente possa ser isso também); é um jornalismo de comportamento e de serviço, em que a gente basicamente observa tendências, fala de lançamentos, dá dicas de uso.
Um telefone como o Razr V3, por exemplo, que motivou a tua pergunta, é uma obra de arte. O que há de design, trabalho e conhecimento por trás da sua criação é um prodígio; o fato de ser fabricado com fins comerciais não o torna menos digno de admiração.
Ora, por que só os produtos que se apresentam como arte podem ser elogiados sem que leitores de má índole achem que a gente está levando jabá?! Por que o elogio de um filme é jornalismo do mais alto nível, e o elogio de uma câmera digital é propaganda?!
Essa visão antiga e tacanha me aborrece, porque acho um player como o iPod ou uma câmera como a P200 muito mais dignos de louvor do que a maioria dos filmes em cartaz.
Afinal, qual é a alternativa que os "puros" propõem diante de um produto revolucionário? Dizer que "uma grande empresa lançou um telefone fenomenal", sem mencionar a empresa ou o celular? Fazer de conta que os gadgets que nos cercam não existem? Abordar a sua criação e existência de um ponto de vista estritamente econômico, sem manifestar qualquer sentimento?
Ah, me poupem! Que tal deixar a hipocrisia de lado e nos portarmos feito adultos do Século 21?
Como "consumidora de notícias", aliás, poucas coisas me irritam mais do que a obsessão das emissoras de televisão, Globo sobretudo, em esconder nomes e marcas; nada me soa mais falso -- e, conseqüentemente, mais enervante -- do que ouvir nos telejornais que algo aconteceu "num hotel da Zona Sul" ou num "shopping em São Paulo". Num mundo de marcas cada vez mais fortes e onipresentes, manter essa postura supostamente olímpica é sonegar informação.
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Tenho por regra só falar dos produtos de que gosto -- vale dizer, só falar bem. Isso, por dois motivos. O primeiro é prático e objetivo. Há mais computadores, celulares, câmeras e players do que espaço para se escrever a seu respeito; e, obviamente, são mais merecedores deste espaço os bons produtos.
O segundo motivo é puramente sentimental. Uma vez descasquei uma câmera que testei. Na seqüência, recebi meia dúzia de emails sentidíssimos de gente que tinha comprado justamente a tal câmera. Me lembro particularmente de dois leitores, um que levou tempos a convencer a mulher a fazer a compra, outro que gastou nela os poucos trocadinhos que tinha, contra os conselhos dos pais.
Minha coluna os ridicularizou perante suas famílias, e isso me deu uma sensação péssima. Quase fui às casas dos sujeitos pedir desculpas, e explicar pros seus familiares que eles não tinham feito uma besteira tão grande, que ninguém podia adivinhar que marca tão conhecida faria algo tão ruim, etc. etc.
Quanto às viagens a convite de empresas, são tema controvertido na imprensa mas, em certas áreas, a meu ver, fazem parte do
métier. Em tecnologia, a melhor forma de saber como as empresas estão pensando o futuro, e de ter noção do que vem por aí, é indo aos seus eventos -- e isso, não sendo o Wall Street Journal ou o New York Times, só se faz a convite.
É assim também que se conhecem os novos lançamentos da indústria automobilística ou da aviação, assim que se conseguem entrevistas com atores de filmes em lançamento, bandas em turnê ou "n" outras coisas -- e nem por isso as matérias ficam menos interessantes.
A meu ver, não é viajar a convite de empresas, gravadoras ou estúdios que afeta a credibilidade de um jornalista, mas sim a falta de sinceridade e/ou conhecimento no que escreve.
O famoso Jayson Blair, por exemplo, como todos os jornalistas do New York Times, só viajava com as despesas pagas pelo jornal.
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Um dos problemas mais complicados das viagens de trabalho, sejam elas pagas por A, B ou C, é a inveja e o rancor que despertam. Tenho provas concretas disso aqui no blog; você mesmo viu uma delas.
Para quem está de fora, tudo parece muito bacana -- e é mesmo, mas até certo ponto.
É muito bom rodar o mundo e conhecer novos lugares; é consideravelmente menos bom acordar às sete da manhã depois de quatro horas de sono e passar o dia numa sala de conferências.
Algumas viagens dão excepcionalmente certo e são muito agradáveis, como a que fiz ao Panamá; outras são desastres completos, em que a gente só se salva com muita esportiva e bom humor.
Os mesmos atributos, em suma, de que a gente precisa para manter a área de comentários de um blog...
;-)