30.5.11

O segredo é o hábito




E, mais uma vez, me perguntam como obter boas fotos com o celular, de quebra pedindo indicação de aparelho. Para dizer a verdade, tirando os smartphones topo de linha, em que as câmeras são tratadas com especial deferência, hoje a qualidade das fotos dos celulares mais ou menos se equiparam – e essa qualidade pouco tem a ver com a quantidade de Megapixels, sendo decorrente da qualidade do software que trata as imagens. Ter 3Mp ou 5Mp dá mais ou menos na mesma, exceto para quem pretende fazer cópias em papel: nesse caso, claro, quanto mais Megapixels melhor. Para quem não pretende fazer cópias, o ideal é, ao contrário, regular as câmeras mais poderosas para que trabalhem com tamanhos menores de imagem, para economizar espaço no cartão.

A forma mais segura de conseguir boas fotos, não só com um celular mas com qualquer tipo de câmera, é conhecer bem o equipamento. Não adianta nada ter um smartphone com lentes Zeiss se você só usa a câmera do aparelho no dia do aniversário dos filhos; esse tipo de uso é garantia de fotos ruins.

O segredo da boa foto é usar o aparelho para fotografar tudo, sempre, o tempo todo – pessoas, bichos, paisagens, cenas noturnas, closes, qualquer coisa. No consultório do dentista ou naquela fila que não anda, aproveite o tempo inútil para pesquisar imagens. Faça fotos de detalhes próximos e de cenas à distância; mude as configurações da câmera, descubra o que o modo de cenas pode fazer, ligue e desligue o flash, brinque à vontade.

Não importa o que você esteja fotografando, nem o resultado das imagens; você está apenas treinando as suas habilidades e se familiarizando com as possibilidades oferecidas pelo equipamento. Assim saberá quais são os pontos fortes do seu celular, e aprenderá, com o tempo, a fazer bom uso mesmo dos seus pontos fracos, aquilo que chamamos de “defeitos especiais” – e que, às vezes, são mais interessantes do que muitos efeitos especiais.

Não tenha medo de fazer experiências. Os manuais são unânimes em afirmar que as melhores fotos são feitas com boa luz, em ambientes externos, em dias claros; pessoas têm que estar em locais claros, mas sem receber luz direta no rosto, para evitar olhos fechados e excesso de sombras. Mas nem sempre teoria e prática andam de mãos dadas. Fotos em contraluz ficam lindas, dias nublados podem ser densos e dramáticos, e interiores mal iluminados podem render o maior clima.

Experimente também usar aplicativos para melhorar ou modificar as suas fotos. Os mais simples apenas trabalham as cores, usando os clássicos sépia, preto e branco, solarizado, negativo. Hoje, porém, há dezenas de aplicativos para fotografia, muitos deles gratuitos, e incontáveis efeitos que podem transformar mesmo a foto mais banal numa imagem curiosa. Ter paciência para testá-los ajuda muito, bem como fazer parte de uma comunidade online de fotografia, como o Flickr ou o Instagram. É que ter contato com outros fotógrafos e ver os resultados do seu trabalho é um grande incentivo e uma ótima escola.

No Instagram tenho acompanhado o trabalho de diversas pessoas que começam a fotografar timidamente, mostrando o gato ou uma refeição, e que, em pouco tempo, transformam-se em excelentes caçadores de imagens. É o que se pode chamar, literalmente, de melhora a olhos vistos...

* * *

O app do dia é o AppBrain, para Android. É gratuito e desempenha a função de gerente de aplicativos com rara eficiência: informa quais deles estão desatualizados, faz as atualizações, recomenda aplicativos a partir do volume de downloads e da classificação dada pelos usuários, e tem até uma espécie de comunidade para compartilhar aplicativos e trocar idéias sobre seu uso e utilidade. É fácil de usar e muito prático.


(O Globo, Economia, 28.5.2011)

26.5.11

Dicas para fotos de celulares

Escrevi um textinho dando algumas dicas para quem fotografa com celular. Saiu no site Men's Life, que fica AQUI.

Fora dos trilhos



Eram quase sete quando saí da Casa de Saúde São José, ali no Humaitá. Fiz sinal para dois ou três taxis vazios que não pararam sabe-se lá por que, e para outros tantos cheios. O sistema de luz acesa na capota funciona razoavelmente bem, mas está longe de ser à prova de falha humana, seja do motorista, seja do passageiro. E fui descendo em direção à Voluntários, para ver se por lá estava mais fácil. Ingenuidade minha: naquele horário?!

Millôr me ensinou uma coisa muito importante: nunca esperar por um taxi parada. Ninguém garante que um taxi passará com certeza, que estará vazio, que poderá me levar. Taxi se espera andando porque, mais hora menos hora, mesmo que não venha taxi algum, a gente acaba chegando onde precisa.

Foi o que me aconteceu. Ainda não estava de todo escuro, o tempo estava bom, o sapato não apertava o pé; além disso, a cabeça estava desarrumada e andar dá um sacode, separa o que dói de verdade do que só atrapalha. No caminho parei numa petshop para fazer carinho num gatinho lindo que estava exposto para adoção, e numa padaria, para levar o litro de leite que Mamãe pedira. Em pouco tempo cheguei à casa dela, na altura da Barão de Lucena. Liguei para a Bia.

-- Ai, mãe, sair andando pela rua a essa hora é um perigo! Você podia ter sido assaltada.

-- Assalto não tem hora -- ponderei.

-- Eu fui assaltada na Dezenove de Fevereiro ao meio-dia, em plena luz do sol! – exclamou Mamãe, entrando na conversa cujo conteúdo não era difícil de adivinhar. Depois, quando desliguei, ela continuou:

-- Este pessoal tem mania de achar que assalto só acontece de noite. A Laura e as meninas são a mesma coisa. Mas se a gente deixa de sair na rua por causa de assalto, a gente não sai nunca mais. Quem vive com medo morre um pouco todos os dias. Eu prefiro exercer a minha liberdade, indo aonde eu bem entender na hora em que me der na telha e, se for o caso, morrer de uma vez só. Não vou me acovardar por causa de assalto, não vou mesmo.

Quando Mamãe fala em exercer sua liberdade de ir e vir, não está falando da boca para fora. Aos 87 anos, é a maior andarilha da família e todos os dias faz, pelo menos, o percurso de ida e volta até o Guanabara, na praia de Botafogo, para treinar natação. Eu apenas tenho piques de atividade física e teimosia para chegar uma vez que decidi partir; mas se não ando mais não é por medo, e sim por preguiça.

-- No sábado fui ao Olaria para o campeonato, -- continuou Mamãe. – A turma do clube ia sair de van de Icaraí, de modo que tive de ir sozinha. Quando cheguei, todos vieram me perguntar como eu tinha vindo. Ora, de ônibus, naturalmente. E então me saudaram como se eu fosse uma espécie de heroína saída de algum romance policial de terror, ou coisa que o valha, só porque eu tinha ido de ônibus. Levei duas horas e meia, é verdade, mas desse tempo meia hora foi pesquisa, porque eu não sabia onde pegar o ônibus para Olaria. Depois, em vez de pegar o que passava em frente ao clube, peguei um outro, que me indicaram, mas que estava errado. O motorista foi simpático e me explicou que, ficando num determinado ponto, era só esperar pelo número tal que não tinha erro. Fiquei no ponto, quer dizer, fiquei num bolinho de gente num lugar onde um dia deve ter existido um marco de alguma espécie, mas que hoje não tem mais indicação de nada.

Fiz, imediatamente, uma Anotação Mental para Crônica: “Falta de sinalização e de orientação para quem anda de ônibus”.

-- O número tal de que o motorista falou não chegava nunca e, no fim, acabei tendo que pegar um taxi, porque estava começando a me atrasar para o campeonato. A corrida até o clube deu oito reais, quer dizer, teria dado para andar perfeitamente até lá, mas eu não tinha idéia disso.

* * *

 Voltando àquela Anotação Mental: como quando a gente pega ônibus tende a usar sempre as mesmas linhas, é normal que nem se dê conta de como é difícil conseguir informação para pegar, pela primeira vez, um ônibus para onde nunca esteve. E isso nós, cariocas, acostumados com a cidade, sabendo pedir informações e entendendo perfeitamente a resposta. Imaginem o sufoco dos turistas que queiram se arriscar nos transportes públicos!

Está se fazendo muito alarde com o prodigioso atraso das obras para a Copa e do estado calamitoso dos nossos aeroportos, mas pouco se fala de como, uma vez em terra, as pessoas vão chegar do ponto A ao ponto B. Fala-se pouco, também, do que vai ser a nossa vida com a Copa rolando solta, mas aí até se entende o silêncio: simplesmente não dá para imaginar.

* * *

Sabem aquela pessoa que não foi ao show do Paul? Pois é. Sou eu. De modo que não vivi a Grande Experiência Carioca da temporada, que foi ir de trem até o Engenhão. É muito bom e alvissareiro saber que todos viajaram bem e com grande conforto, mas é preocupante, na mesma medida, que se tenha dado tanta atenção ao fato. Não conheço cidade onde uma viagem de trem sem qualquer acontecimento catastrófico no meio seja manchete de primeira página. É verdade que não conheço a imensa maioria das cidades, mas, cá entre nós, quero que elas se lixem; eu moro aqui, e gostaria que, na minha cidade, o funcionamento normal dos transportes públicos não fosse notícia.


(O Globo, Segundo Caderno, 26.5.2011)

23.5.11

Gatos automáticos!


Quer um retrato dos seus gatos mas não gosta de fotografar? No problema: esta utilíssima ferramenta resolve o caso com meia dúzia de cliques. Matilda e Tiziu posaram para mim hoje à tarde: não ficaram bem?

22.5.11

A vida com os tablets


Uma das perguntas mais freqüentes que me fazem é se um tablet como o Xoom ou o iPad pode substituir um notebook. A resposta no atacado é Não, mas dependendo do uso que o cidadão paz do seu notebook pode ser Sim.

Para quem faz uso intensivo do notebook, escreve, vive às voltas com planilhas, programa bancos de dados ou usa editores de música ou vídeo – isso para ficar só na ponta elementar do iceberg – mesmo os próprios notebooks deixam a desejar. É por isso que os desktops ainda existem, e continuarão a existir, pelo menos nas suas extremidades essenciais de input e output para o usuário, ou seja, teclado e monitor, respectivamente.

Para quem usa o notebook de vez em quando, em geral em viagens rápidas ou de férias, para acessar a internet e responder a um que outro email, um tablet dá conta do recado, ainda mais se for acompanhado de um tecladinho Bluetooth. Há também certos tipos de trabalho em que tablets funcionam melhor do que os notebooks pela extrema portabilidade.

A questão fundamental com todas essas máquinas é que, no fundo, nenhuma vem para substituir a outra. Cada uma tem um uso específico, embora muitas partes do uso geral se sobreponham.

* * *

Outra pergunta freqüente, depois que explico isso: Entre o notebook e o tablet, com qual eu ficaria? Resposta impossível. Quando viajo, o notebook é indispensável, porque preciso escrever de verdade e, eventualmente, tratar fotografias. Já tentei viajar a trabalho levando só o iPad e seu teclado Bluetooth, e não me dei bem. Por outro lado, enquanto estou no Rio e tenho acesso constante ao desktop, o notebook fica guardado, sem uso, e o tablet me acompanha o dia inteiro. Não há nada que eu faça no tablet que não pudesse fazer no notebook; se não soubesse que tablets existem, seria perfeitamente feliz com ele. Mas já viciada nos tablets, não consigo mais voltar atrás.

* * *

Um tablet vale o que pesam seus aplicativos. Quais são essenciais à felicidade do usuário? Essa é, novamente, uma questão muito pessoal. Os meus favoritos para um Android bem equipado:

-- Dropbox, a perfeição em forma de app. O que é que ele faz? Funciona como uma caixa na qual se guardam arquivos de todos os tipos, textos, músicas, fotos, o que for. E funciona em todas as plataformas. Tenho um Dropbox no desktop para onde arrasto arquivos que quero ter sempre ao meu alcance. Pois esses arquivos, que ficam armazenados na nuvem, podem ser acessados de qualquer aparelho, dos meus tablets Android ou iOS, ou de qualquer dos meus celulares. Uma pasta pública, separada, permite que outras pessoas tenham acesso ao que estiver lá.

-- Evernote, um sistema parecido com o Dropbox, mas mais estruturado, praticamente uma área de trabalho, com pastas separadas para notas, fotos, marcadores, blocos de notas. Funciona da mesma forma que o Dropbox, sincronizando automaticamente tudo em todos os lugares.

-- IMDB, um filhote da versão completa para browser da grande base de filmes. Com um senão: teima em se instalar nos sistemas brasileiros na versão portuguesa, em que há variações nos títulos traduzidos dos filmes.

-- VPlayer, que aceita a maioria dos formatos de vídeo, e que ainda não falhou comigo uma única vez.

-- Worldmate, o aplicativo ideal para viajantes, com conversor de moedas, previsão metereológica, ferramentas para reservar vôos e hotéis.

-- QuickPic, compartilhador de fotos que permite distribuição ampla, geral e irrestrita do material arquivado para sistemas como o Bannka, Dropbox, Evernote, Facebook, Gmail, Picasa, PicPlz, Seesmic, Twitpic e o que mais se tenha no tablet.

-- Kindle, o leitor da Amazon.

-- Pulse, um ótimo agregador de notícias.

-- Beautiful Widgets, sem qualquer utilidade prática a não ser tornar a interface mais bonita.

-- Fruit Ninja, joguinho viciante, para alternar com...

-- Angry Birds, claro!, o jogo mais divertido para tablets.

-- Opera Mini, o melhor browser para tablets, que chega com muitos anos de experiência em celulares.

Isso, claro, para começar os serviços. Tem muito mais coisa: semana que vem


(O Globo, Economia, 21.5.2011) 

19.5.11

O homem do FMI: uma história mal contada


  
Você é um dos homens mais poderosos do mundo. Da sua palavra dependem negócios de bilhões de dólares e o destino das nações. Você está hospedado num hotel de luxo em Nova York, num quartinho de três mil dólares de diária, como convém à sua exaltada posição social; vai pegar um vôo para casa logo mais, acabou de tomar banho e ainda está nu como veio ao mundo, quando eis que adentra o seu quarto uma jovem camareira. Você:

a) Diz “Pardon, Mademoiselle!”, e volta para o banheiro para pegar uma toalha, enquanto a moça se retira rapidamente;

b) Dá um berro de susto ao descobrir alguém num quarto que deveria estar vazio;

c) Dá uma bronca na camareira por entrar sem avisar;

d) Confunde a camareira com a garota de programa que convidou para uma visitinha;

e) Atira-se sobre a camareira, sem mais nem menos, e tenta estuprá-la.

Para mim, de todas as hipóteses, a última é a que parece menos provável. Estou de acordo com a maioria dos franceses. Também acho que o diretor do FMI está sendo vítima de uma conspiração. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento dos costumes norte-americanos sabe que mesmo a cantada mais inocente pode, nos Estados Unidos, ser tomada por assédio sexual; como é que um homem experiente vai arriscar a carreira por uma tentativa de estupro tão gauche? Um homem desarmado -- qualquer homem desarmado -- tentaria começar um estupro exigindo sexo oral? Numa boca cheia de dentes?! Sei que o mundo tem de tudo, mas curtir essa forma específica de prazer me parece perigosa além da conta.

Pela Teoria Conspiratória, há vários outros pontos por explicar. Os hotéis acima de uma estrela têm trancas e, do lado interno das portas, pequenos lembretes para que ninguém deixe de utilizá-las. Trancar a porta é, pois, segunda natureza de quem freqüenta hotel. Em muitos deles, também, a forma de acender as luzes e de “ligar” o quarto é enfiando a chave num aparelhinho junto ao interruptor. Com isso, ninguém precisa mais pendurar plaquinha de “Silêncio!” do lado de fora. Supondo, porém, que nesta suíte de três mil verdinhas não existam dispositivos que informem aos funcionários que os hóspedes estão no quarto, e que o nosso antiherói tenha esquecido de pendurar a tal plaquinha -- como é que uma moça de 32 anos, em plena forma, se deixaria pegar por um sujeito de 62?  E mais: um francês tomaria banho antes de embarcar de volta para casa?!

* * *

O caso Strauss-Kahn é sem dúvida uma tragédia para os envolvidos, especialmente para o indigitado senhor Strauss-Khan, mas tem tal quantidade de elementos de farsa que parece encomendado para distrair a atenção dos leitores das notícias terríveis do cotidiano: um protagonista não muito simpático, uma pobre moça imigrante, uma situação sexual abominável que termina numa reviravolta inesperada. Ou muito me engano, ou ainda vira livro e filme, se é que já não está virando em algum lugar; a moça, se quiser e se tiver um mínimo de predicados (que há de ter, considerando-se a tresloucada ação que suscitou), vira capa da Playboy, com carimbo para o mundo rarefeito das celebridades.

* * *

Pelo lado sério, porém, há que se reconhecer um ponto inquestionável: se tudo ocorreu como alega a acusação, é um progresso sensacional ver um poderoso atrás das grades por atacar uma moça humilde. Há alguns anos – e mesmo hoje, em muitos cantos do planeta – ela seria demitida por criar caso para o doutor, que ainda iria embora do hotel com um pedido de desculpas da direção.


O mundo progride, apesar de tudo.

* * *

Por falar em hotel e em situações escabrosas: há alguns anos, fiquei hospedada num hotel que o jornal habitualmente usava, em São Paulo. Não tive tempo de fazer check-in quando cheguei do Rio, e fui direto para o evento que me esperava. Só voltei no fim da noite. Fiz registro, recebi uma chave e subi pro quarto.

Quando acendi a luz, um homem levantou-se de um pulo da cama, onde dormia. Ficamos parados feito dois idiotas, aos gritos, cada um mais assustado do que o outro. Fuji correndo para a recepção, onde dei uma bronca no moço do front-desk e exigi que ele me fosse comigo até o novo quarto – que, felizmente, estava vazio.

Corta.

Passam-se uns meses, vou de novo a São Paulo e o jornal me hospeda no mesmo hotel -- ao qual, novamente, só chego depois do jantar, que foi até tarde. No check-in, expliquei o que tinha me acontecido da última vez, e pedi para que, por favor, fossem mais cautelosos com as chaves. O rapaz do front-desk me olhou de banda e disse, peremptoriamente, que tal coisa nunca poderia acontecer no seu estabelecimento. Depois, fez questão de me mostrar o sistema de chaves e de fazer mil protestos de inocência hoteleira: baixaria daquelas, só na concorrência.

Dessa vez, escaldada, me aproximei do quarto com cuidado. Em vez de ir entrando sem mais nem menos, parei na porta para ouvir se vinha barulho lá de dentro. Tudo silencioso. Abri  devagarinho – e quase tive um ataque ao ver um moço japonês, pelado, usando um notebook. Ele me olhou perplexo. Em vez de ficar aos gritos, fechei a porta correndo, e voltei para a recepção, onde cheguei cuspindo marimbondo. O faxineiro, que limpava o hall e que já tinha ouvido o meu discurso na chegada, não se conteve, e caiu na gargalhada.

Mais tarde, contando a história para a Isa, secretária da redação, ainda tive que ouvir gracinhas dos colegas:

-- Puxa, você está dispensando quarto com homem? Tá podendo!

-- Olha, Isa, quando eu for a São Paulo, quero ficar nesse hotel da Cora...!

* suspiro *  


(O Globo, Segundo Caderno, 19.5.2011)

15.5.11

Carpe Diem


(Boa noite, vou dormir)

Considerações sobre o Xoom


Comparativos de hardware são muito úteis na escolha de um produto mas, em última instância, o que ganha (ou não) o coração do usuário é a adequação do produto ao uso que se pretende fazer dele. Relembrando uma parte importante da crônica passada, o iPad foi feito para ser usado na vertical, ao passo que o Xoom foi claramente pensado na horizontal. Essa não é uma diferença insuperável (os dois têm acelerômetros que permitem aos apps giraraem de acordo com a posição do tablet) mas é fundamental para entender e, em última instância, escolher um ou outro. O Xoom tem uma tela ligeiramente mais comprida, ideal para ver filmes; a tela do iPad é a perfeição em pessoa para ler revistas.

Quem acha que o Xoom é uma versão ampliada de um celular Android, como é o Samsung Tab, pode ir tirando o cavalinho da chuva. O Honeycomb, primeiro sistema Android desenvolvido exclusivamente para tablets, foi inteiramente redesenhado, e é praticamente um outro animal. Nem mesmo as três teclas regulamentares do sistema se encontram no tablet, mas sim na própria tela, no canto esquerdo.

Isso significa que o usuário de Android que compra o Xoom sai, num primeiro momento, da zona de conforto à qual está acostumado, e vai ter que aprender dois ou três truques novos. Para quem gosta de acompanhar a evolução dos tempos e dos produtos, é uma diversão a mais; para quem está contente com o que tem e não quer saber de curvas de aprendizado, pode ser uma decepção.

Sob este aspecto, o iPad é um grande acerto com o grande público: sua interface é praticamente a mesma do iPhone, e não há diferenças de software perceptíveis para o usuário, exceto o aumento de velocidade do sistema.

O Xoom sofre com os inevitáveis perrengues de trazer a versão 1.0 de um sistema operacional. Ainda tem detalhes a acertar e a operação não é 100% macia. Vale investir na experiência?

A meu ver, com certeza, sobretudo se você, como eu, tem ódio mortal do iTunes e do cerceamento à liberdade do usuário que ele significa. O Xoom, como qualquer bom Android, acaba sendo o que se quer que ele seja: os arquivos estão todos ao alcance do usuário e ninguém precisa hackeá-lo para poder usá-lo decentemente.

Duas coisas se destacam particularmente nesse ótimo tablet: a velocidade e o tempo de duração da bateria. Ele abre qualquer app ou website num piscar de olhos, e agüenta um dia inteiro de uso pesado, com diversos apps e janelas abertos. Não há nada igual para acessar a internet, inclusive porque, ao contrário do iPad, ele usa Flash, e o uso do Flash na rede é praticamente universal.

Há algumas coisas interessantes no Honeycomb. Gostei muito da administração das várias janelas, da integração nativa com os produtos Google, da possibilidade de desinstalação dos aplicativos via Market e, sobretudo, dos widgets altamente funcionais. Exemplo: o do Gmail mostra as primeiras mensagens da lista. Até aí, normal – é o que fazem todos os widgets de email. Mas o do Honeycomb permite que a gente role a lista de emails recebidos sem precisar abrir o programa. Não é o máximo?

Em relação aos aplicativos, sim, é verdade – o iPad tem infinitamente mais opções do que o Android. Mas a verdade é que das centenas de milhares de aplicativos disponíveis no mercado, a gente usa mesmo meia dúzia – e essa meia dúzia essencial – Gmail, Google, Dropbox, Mapas, Twitter, Facebook e alguma suíte de aplicativos no padrão MS, como Documents to Go – existe no Android. Na verdade, alguns são até melhores em Android, como o Kindle e, como escrevi antes, toda a família Google. Tenho centenas de aplicativos instalados tanto no Samsung Tab quanto no Xoom e, do outro lado, no iPad, e, de tudo que uso, a única coisa que realmente me faz falta no Xoom é o meu novo vício no iOS, o Instagram, uma comunidade de fotografia. Além disso sabe-se que é só questão de tempo para que, eventualmente, os apps sejam universais. Prometo para a semana que vem uma lista dos apps que acho fundamentais para a vida de qualquer tableteiro.

* * *

Notícia Parem as Máquinas: acaba de sair o novo nível de Angry Birds Rio!!! Não tive tempo de jogar ainda (chegou na madrugada de sexta) mas dá para adiantar que é na praia, e que as duas ararinhas aparecem logo de primeira.

Agora, com licença, que eu tenho assunto urgente e cheio de penas me esperando...  


(O Globo, Economia, 14.5.2011)

12.5.11

Lolinha


Matilda


Dando um tempo na janela.

Toda resistência é inútil




Patricia MM, que lê e comenta a crônica com regularidade, ficou aborrecida comigo porque, na semana do casamento real, resolvi falar do Instagram e, na semana seguinte, contar umas historinhas de usinas e intérpretes. Logo eu, queixou-se ela, que tinha escrito sobre o casamento do Charles e da Camila! No Twitter também sofri discreta pressão dos amigos: como é que eu não dizia nada sobre o assunto do ano, da década, quiçá do século?

O problema é que a emoção que o casamento despertava em mim era, justamente, a única que não leva a nada: tédio. Empolgação, nostalgia, admiração, tristeza, ternura, angústia, questionamento – tudo isso dá tuite, post, crônica. Irritação e indignação, então, dão mais ainda. Mas o que pode fazer uma cronista carioca com o mix de tédio e objetos horríveis gerados por um casamento real?

O caso de Charles e Camila, diga-se, foi completamente diferente. Todos estavam contra a união que, ao contrário, me parecia – e continua parecendo – perfeita. Camila foi feita para Charles e vice-versa. Quem sobrava na equação era a pobre Diana, que se casou com o príncipe e acordou com o sapo. Ora, há muito a se dizer a favor dos sapos e não menos a se dizer contra as princesas. Por exemplo, nunca se soube de sapo que aparecesse em público usando um chapéu como o da princesa Beatrice.

(Graças à internet, aliás, o chapéu ganhou vida própria. Quando se procura por ele no Google -- "princess beatrice's hat" – conseguem-se 933.000 resultados, e isso só em língua inglesa. Como qualquer celebridade contemporânea, o chapéu tem página no Facebook, onde, até terça-feira à noite, contava com 136.406 fãs, e chegou numa velocidade vertiginosa aos Trending Topics do Twitter. Numa espécie de resumo macabro das notícias da semana, o que mais se viu por todo o lado foram montagens de Osama Bin Laden usando o famigerado acessório.)

* * *

O Lucas e a Heliana estavam em Londres durante o casamento, e convidaram-se para a festa. Conseguiram sem maiores dificuldades um lugar com boa visibilidade, viram a carruagem com os noivos e o beijo no balcão, fizeram fotos com os seus celulares, ficaram bobos com a organização mais que perfeita do evento e terão um bocado de assunto para contar aos netos:

-- Eu vi o casamento desse rei ainda com a primeira mulher...

-- E como é que foi?

-- Muito bonito. A noiva estava de branco.

* * *

Por acaso, acabei vendo o casamento num replay do GNT, no fim-de-semana. A locação evidentemente não podia ser melhor, o trabalho de filmagem e de edição foi de aplaudir de pé, a noiva é linda e estava esplendorosamente trajada, o noivo tem cara de pateta mas portava um uniforme garboso -- tudo, enfim, nos conformes. Muitas roupas diferentes todas iguais e, sobretudo, muitos chapéus perfeitamente ridículos.

Soube que os noivos pediram doações para instituições de caridade em vez de presentes. A medida podia ser estendida aos chapéus, que, pesquisei no Google, custam uma pequena fortuna: um Philip Treacy da coleção oferecida nas lojas pode chegar a R$ 4 mil, mas está claro que ninguém que é convidada para um casamento real usa chapéu prêt-à-porter. Os telespectadores perderiam um espetáculo bizarro, mas as instituições de caridade sairiam num lucro fenomenal. Fica aí a minha sugestão para a família real. Não há de que.

* * *

Verdade é que, passada a festa, me causou muito mais impressão a foto fora de foco que a Heliana tirou da Samantha Cameron fazendo compras numa loja de roupas de classe média, sozinha, sem assessores ou seguranças. Samantha Cameron é a mulher do primeiro ministro, ou seja, a cena seria o equivalente a termos visto, no reinado passado, dona Marisa Letícia fazendo suas comprinhas na Totem ou na Cantão, discreta, desacompanhada e pagando do próprio bolso o que levou.

A diferença é que, em algumas partes do mundo, Inglaterra entre elas, a política é uma profissão como outra qualquer. No Brasil, os políticos sentem-se imediatamente ungidos pelos deuses, e logo postam-se acima de nosotros, mortais comuns. A eles tudo é permitido, tudo é dado, tudo é pago – de diárias em dia de folga a passaportes vermelhos, passando por carros de luxo, viagens de lazer e um séquito automático de puxa-sacos e seguranças, para que se sintam devidamente importantes.

* * *

Uma vez cheguei a uma capital européia que o presidente Lula havia acabado de visitar. Amigos que trabalharam na sua recepção me contaram que ele passou dois dias no país, mas que a embaixada teve que desembolsar duas diárias a mais pela suíte presidencial do melhor hotel. Isso porque sua excelência se recusou a tomar conhecimento da proibição de fumar nos aposentos, e deixou o lugar tão empesteado que, à sua saída, tudo o que lá havia teve de ser lavado e desinfetado para poder receber o próximo hóspede. Cada diária custava alguns milhares de reais, mas e daí? A vontade era dele e o dinheiro era nosso, perfeita combinação num país de tolos.

Senti tanta vergonha alheia quando ouvi isso que tive vontade de me esconder debaixo do sofá. Não consigo imaginar uma pessoa com um mínimo de educação agindo assim, quem dirá um chefe de estado que, em tese, devia dar exemplo. Vexame à parte, que já é o suficiente, não deixaria de ser curioso saber quanto o país andou pagando, pelo mundo afora, por esse comportamento desqualificado do seu então supremo mandatário.

* * *

Perguntinha básica: a Dilma fuma?


 (O Globo, Segundo Caderno, 12.5.2011)

9.5.11

Fotos variadas

Mamãe, fazendo canoagem no Pantanal

Toró, encantado com as flores que o Paulinho mandou

Toró e Lolinha, inseparáveis

8.5.11

Segundo domingo de maio


Muitas felicidades a todas as mães e vós que frequentam o blogtequim. Que vocês, amigas, consigam escapar vivas dos restaurantes superlotados de hoje; o resto é fácil... ;-)

7.5.11

Cena carioca

Depoimento do meu amigo Eugenio Vilar:


"Terça passada, sete e meia da noite: cheiro de queimado, vou à janela, povo dos edifícios em frente gritando 'fogo, fogo'!

Era aqui. Vou pro corredor, são oito apartamentos por andar, mulheres em pânico. Estou no décimo, o fogo no segundo. Carreguei velhas gordas escada de caracol acima do nono pro décimo, tratei de garantir às pessoas que os bombeiros iriam chegar, levei duas cadeiras e um banquinho pra mulherada histérica e imune a qualquer razão. Disse palavras de conforto e paciência, mas só um garoto de uns 11 anos parecia me dar atenção e entender perfeitamente.

Os bombeiros chegaram, o fogo dominado, minha pobre mobília abandonada no corredor. Trouxe de volta as duas cadeiras, mas uma jovem me pediu para reter o banquinho, 'alguém ainda pode precisar'.

Depois de zero agradecimentos, o banquinho não foi devolvido até hoje, furtado por gente esperta.

Parodiando o finado jornalista americano, H L Mencken:

Ninguém jamais teve prejuízo moral ou material por subestimar a civilidade de seus vizinhos.

Adeus, banquinho!

evp.

ps. Gatos permaneceram impassíveis no colo de seus donos apavorados."

Xoom, um campeão mal vestido


Tudo no Xoom parece bradar aos céus que ele não é um iPad – a começar pela embalagem. Desde que o primeiro iPhone surgiu no mercado com a já clássica caixinha preta e pequena, numa época em que as caixas de celulares eram grandes e coloridas para chamar a atenção nas prateleiras, todo mundo mudou para o mesmo formato de embalagem.

Quando abri o Samsung Tab, poderia jurar que a mesma empresa que fez o design de embalagem para a Apple havia sido contratada. Fiquei mal impressionada. O recado que aquela embalagem transmite é o da mais pura imitação (o que, de resto, é muito injusto com o Samsung Tab, que é um tablet original e completamente diferente do iPad).

O Xoom, ao contrário, rema contra a corrente com sua caixa azul e vermelha, muito pouco estilosa. Merecia um tratamento visual mais caprichado. Isso, em tese, não tem muita importância, porque a caixa se joga fora e o que importa é o que está lá dentro – mas embalagem, hoje em dia, é coisa quase tão séria quanto o produto que acomoda. É parte fundamental do marketing, uma das armas mais pesadas da Apple, a empresa contra a qual todos os tablets competem.

Sob este aspecto, parece que a Motorola não tem feito um bom trabalho, pelo menos nos Estados Unidos. Meu filho tem uma empresa de desenvolvimento de software em Austin e perguntei a ele o que estava achando do tablet. Tipicamente, ele desmanchou-se em elogios à máquina, mas concluiu com uma observação relevante:

“O Xoom é, na minha opinião, o pior exemplo de marketing nos últimos anos. A maneira como foi lançado, a data na qual foi lançado (em cima do iPad 2), e a maneira como está sendo vendido -- sem qualquer destaque, em prateleiras comuns do BestBuy, ao lado de netbooks da Acer -- é de doer. Fui procurar um lá no BestBuy, justamente, achando que ia ter uma fanfarra danada. Que nada. A propaganda na televisão mostrando que "não é o iPad" é ainda pior. Que tal explicar o que é, ao invés do que não é? Sinceramente não entendi. Achei que era só implicância minha, mas o resto da galera está dizendo a mesma coisa.”

* * *

Comecei por aí por uma razão: gostei muito do Xoom (pronuncia-se Zoom), e gostaria que ele tivesse um marketing à sua altura. Sob muitos aspectos – a bem dizer quase todos – ele é superior ao iPad (falo da primeira geração, que mal chegou ao Brasil). Tem duas câmeras, uma frontal e uma traseira (coisa que o iPad 2 já tem); é superior em desempenho de máquina e em resolução de tela; em software, já que roda Android, sistema  mais flexível do que o iOS; em personalização e, digamos, “obediência ao dono”, já que não depende do abominável iTunes para nada.

* * *

O iPad é superior em dois pontos: semelhança com o iPhone e o iPod Touch, o que se traduz em simplicidade de uso; e o charme indiscutível da Apple, fruto de um marketing campeão associado a produtos nem sempre bons, mas sempre inovadores e muito bonitos.

* * *

O Xoom é mais comprido do que o iPad (10,1” versus 9,7”). A resolução da tela, como disse antes, é melhor, mas isso, honestamente, nem se percebe – tanto Xoom quanto iPad são colírios hi-tech. O peso dos dois é praticamente igual. A capacidade de armazenagem do Xoom é expansível via cartões SD, e ele tem porta HDMI, mais duas claras vantagens sobre o iPad.


Ainda assim, acho que a principal diferença entre os dois é o estilo de uso. O iPad, que poderia ser definido como um iPhone grandão, foi claramente desenvolvido para ser usado na vertical; o Xoom, na horizontal. Simplificando: o iPad é perfeito para ler revistas, o Xoom para ver filmes. O iPad parte do princípio de que o usuário o segurará apenas com uma mão; o Xoom é um aparelho para ser segurado com as duas mãos.

Este formato é mais confortável no uso diário porque, embora os dois sejam mais leves do que um notebook ou um netbook, nenhum é leve o suficiente para ser sustentado numa única mão durante horas. Este trunfo, por enquanto, é exclusivo do Kindle, que é um animal completamente diferente; e, com uma certa boa vontade, do Samsung Galaxy Tab.

Na semana que vem, eu volto ao assunto. Tema: o software do Xoom, e a palpitante questão dos aplicativos. Até lá!  


(O Globo, Economia, 7.5.2011)

6.5.11

Bonitinho!



Roubei do Facebook da Manoela. Tirando o fato de que Coca-Cola faz um mal danado à saúde (e que as coisas não são tão simples), o comercial é muito engraçadinho.

5.5.11

Valeu, gente!




Muito obrigada a todos pelas manifestações de afeto ao blog. Na verdade, só me ocorreu escrever o post 14 mil porque vi o número da postagem anterior e isso fez cair uma ficha qualquer na minha cabeça: afinal, 14 mil é um número grandão, por qualquer lado que se olhe.


Eu mesma não tinha idéia de que já tinha feito tantos posts!


O aniversário do blog não é agora, claro, mas daqui a uns meses, em agosto. Ele foi criado antes disso, mas como eu não sabia o que fazer com um blog, fui deixando. Logo depois, no ataque às Torres Gêmeas, o mundo inteiro acordou para os blogs e a idéia se consolidou de vez.


A "ilustração" do post é uma versão completa de "Nostalgias", o tango que postei como tendo sido gravado por Gardel. Há controvérsias, conforme se vê nos comentários do You Tube. A gravação aqui de cima é uma das primeiras existentes, e tem intérprete devidamente reconhecido: Charlo. Além de bonita, tem a vantagem de trazer a abertura e o final do tango. 


A letra, de Andrés Calamaro, para quem quiser cantar junto (a música é de Juan Carlos Cobian):




Quiero emborrachar mi corazón
para apagar un loco amor,
que más que amor es un sufrir:
y aquí vengo para eso,
a borrar antigos besos
en los besos de otras bocas....
Si su amor fue flor de un día,
¿Por qué causa es siempre mía
essa cruel preocupación?
Quiero por los dos mi copa alzar
para olvidar mi obstinación...
¡Y más la vuelvo a recordar!

Nostalgias
de escuchar su risa loca
y sentir junto a mi boca,
como un fuego, su respiración.
Angustia
de sentir-me abandonado,
de pensar que otro a su lado
pronto, pronto le hablará de amor.
Hermano,
yo no quiero rebajarme,
ni pedirle, ni llorarle,
ni decirle que no puedo más vivir...
Desde mi triste soledad veré caer
las rosas muertas de mi juventud.


Gime, bandoneón, tu tango gris;
quizás a ti te hiera igual
algún amor sentimental...
Llora mi alma de fantoche,
sola y triste en esta noche,
noche negra y sin estrellas...
Si las copas traen consuelo,
aquí estoy con mi desvelo
para ahogarlo de una vez.
Quiero emborrachar al corazón
para después poder brindar
por los fracasos del amor.

Assim, à toa



Um dia, conversando com o Xexeo na redação, notei o olhar de espanto que duas repórteres novinhas nos lançavam. Estavamos tentando nos lembrar se algo que discutíamos ocorrera há 20 ou 21 anos, e reconheci, naquele olhar, o mesmo espanto com que, recém-chegada à profissão, eu havia testemunhado os inesquecíveis Pompeu de Souza e Castelinho comentando, como fato recente, um acontecimento que, àquela altura, já fazia parte dos livros de História.

-- Não podemos falar sobre uma quantidade obscena de tempo dessas em público -- observei. – Essas meninas mal devem ter isso de idade! Estão nos olhando como se fossemos dinossauros.

De modo que estabelecemos, entre nós dois, que toda vez que fizessemos referência a algo ocorrido conosco no tempo em que os bichos falavam, o acontecimento não teria mais de oito anos. Oito anos é um período relativamente remoto, mas ainda assimilável pelas gerações X, Y e Z. Ser baby boomer, como nós somos, está ficando cada vez mais antigo, e só deve piorar.

Essa introdução toda para dizer, enfim, que, há muitos anos, assim tipo uns 
oito, eu estive na Usina de Itaipu, uma das obras mais grandiosas que já vi. Fui conversar com os engenheiros, ganhei um tour completo de presente e tive, suponho, uma idéia bem próxima das dimensões reais da coisa.

Numa das salas de controle paramos diante de um grande mapa topográfico da região, que estudei durante uns minutos.

-- Vem cá, se acontecer alguma coisa com a usina, a água inunda a Argentina? – perguntei.

-- Não há perigo de acontecer nada com a usina, ela foi muito bem construída e tem mecanismos de segurança infalíveis.

-- Mas só por hipótese. Digamos que ela seja bombardeada, por exemplo, ou atingida por um meteorito?

-- Num caso extremo desses, inunda sim.

-- E a água chega a Buenos Aires?

-- Como não chega? – respondeu o engenheiro, com indisfarçável orgulho na voz. -- A água acaba com Buenos Aires! Mas leva bem uns dois dias até fazer o percurso, de modo que não tem problema, dá para evacuar todo mundo.

A tranqüilidade com que aquela hipótese do fim de Buenos Aires foi aceita nunca me saiu da cabeça, e olhem que já lá se vão bem uns oito anos. Voltei para casa feliz de residir usina acima – e nunca mais pisei em Buenos Aires sem me lembrar de Itaipu.

* * *

Também há muito tempo, não oito anos mas quase isso, um amigo, que trabalhava como intérprete para o exército, foi designado para acompanhar técnicos e militares estrangeiros que vieram conhecer uma instalação, digamos, sensível. No caminho, topou com um supervisor que engolia as palavras e tinha uma dicção péssima. Pediu-lhe, então, que falasse devagar, para que ele, intérprete, tivesse tempo de traduzir o que estava sendo explicado.

-- Nós te-mos um  pro-to-co-lo mui-to ri-gi-do pa-ra a e-mer-gên-cia di-á-ria – disse, obedientemente, o supervisor.

Meu amigo informou aos visitantes que as daily emergencies estavam bem cercadas.

-- Daily emergencies?! – exclamaram os de fora, assustados. – Vocês têm emergências diárias?!

Meu amigo voltou-se para o supervisor.

-- São emergências diárias?

-- Sim.

-- Mas isso não é possível! Nós não temos emergências nunca!

-- As emergências acontecem mesmo todos os dias?

-- Claro que não! Nunca tivemos nenhuma emergência!

Moral para intérpretes: não confundir emergência diária com emergência de área.

* * *

Tem também aquela historinha que é famosa entre os profissionais do ramo, e que envolve uma usina atômica soviética (sim, aconteceu há uns oito anos), um grupo de inspeção francês e uma professora de francês de Moscou, chamada às pressas para fazer o meio de campo.

Terminada a visita às instalações, todos se reuniram na sala de controle principal, e um francês perguntou o que os soviéticos fariam em caso de blackout – palavra que a boa senhora traduziu como lhe parecia evidente.

-- O camarada estrangeiro pergunta o que se faria em caso de falta de luz.

Os russos se entreolharam.

-- Ora essa. Usaríamos lanternas, como todo mundo.

Os franceses confabularam entre si diante da surpreendente resposta. Não sabiam muito bem o que os russos queriam dizer com lanternas: seriam geradores? Uma nova tecnologia soviética?

-- Qual é a capacidade dessas lanternas?

-- Umas 72 horas, mais ou menos – responderam os russos, começando a se irritar com o que lhes parecia crítica velada aos péssimos serviços de energia locais.

72 horas! Os franceses ficaram curiosos: geradores auxiliares com capacidade para segurar uma usina nuclear durante 72 horas, que coisa extraordinária! Ainda assim, o que fariam os soviéticos terminado este prazo?

-- Desculpe, camarada, mas o que é que vocês podem fazer depois desses três dias?

-- Acender uma vela e enfiar...

A professora não traduziu a frase completa. Percebeu que havia um ruído sério na comunicação, pôs panos quentes no diálogo e, depois disso, nunca mais confundiu falta de energia com falta de luz.

* * *

Minha amiga Jussara compilou algumas jóias do Twitter sobre a morte de Osama Bin Laden:

“Será que o jornal impresso de amanhã já vai ter a morte do Osama ou vai decretar somente a morte do jornal impresso? @silviolach” (Continuamos vivos, e bem vivos, Silvio!)

“Obama mata Bush. De inveja. @tati_bernardi”

“Matar o Bin Laden é a Copa do Mundo dos americanos. @prosopopeio”

“Caixa preta da Air France, Osama Bin Laden... só vou dormir depois que encontrarem o Ulysses Guimarães. @microcontoscos”

“Imagina daqui a 20 anos seus filhos escrevendo Obama e Osama na mão para não esquecer a ordem de quem matou quem pra prova. @anacardoso93”


(O Globo, Segundo Caderno, 5.5.2011)