A voz da razão
No corre-corre do fechamento da edição de segunda do Info etc., em que daremos destaque, naturalmente, à maracutaia dos micros escolares movidos a Windows, bateu na minha mailbox uma troca de e-mails entre a Cris De Luca, jornalista de larga experiência na área da TI, e o Carlos Afonso, um dos "pais" da internet comercial no Brasil, hoje responsável pela parte de desenvolvimento tecnológico da Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS), e figura respeitadíssima na área. Leiam, vale a pena:
From:
Carlos A. Afonso
Sent: sexta-feira, 31 de agosto de 2001 17:52
To:
Cristina de Luca
Subject: RE: Duas perguntas
Há muito o que falar do FUST - uma pena que isso só seja discutido na imprensa quando um partido de oposição resolve tentar virar a mesa etc. É um processo todo de cima para baixo, e há um monte de questões muito sérias a respeito, que vão desde a participação ou controle social no processo decisório e de controle sobre a alocação desses recursos até o fato de esses recursos estarem planejados para voltarem em grande parte às próprias operadoras. Não há um conselho gestor com representação da sociedade, e os partidos de oposição dormiram um bocado no ponto nisso -- só agora, depois da lei aprovada e dos regulamentos e prioridades enfiados por nossas goelas é que começo a ouvir alguns gritinhos.
Apesar de tudo isso, é uma oportunidade espetacular, inusitada para um país em desenvolvimento.
Enfim, vamos às respostas objetivas a suas perguntas :) Curtas, só se for em inglês! Em idioma latino, sempre nos expressamos mais abundantemente ;;))
A tarifa unica para acesso Internet, em estudo na Anatel, e o micro popular, proposto pelo CG, são suficientes para democratizar o acesso à Internet no país ou é preciso atacar o problema baixa capilaridade da infraestrtura de acesso?
Primeiro: no caso desse micro "popular", nada de novo foi inventado, nada de novo foi feito -- apenas o conceito foi agitado com exemplos feitos na UFMG no meio de um bocado de confusão, e o conceito certamente é muito importante. Segundo: qualquer menino conhecedor de Linux pode pegar componentes disponíveis em qualquer fornecedor e configurar um micro "popular". Claro, em grande escala é preciso definir alguns padrões, até porque pode-se montar tudo isso com uma rede de suporte e atualização automática dos servidores e das máquinas clientes (será que o MEC pensou nisso?) -- mas é questão de configurar e padronizar o que já existe. Terceiro: não se resolve a inclusão digital apenas com o micro barato ou "popular" e tarifa fixa -- mas obviamente
estes são componentes importantes da solução do problema.
Antes da privatizacao, uma das metas da Telebras era levar a telefonia pública (os famosos orelhões) a todas as comunidades,
inclusive aos lugarejos mais remotos, interioranos. Vale a pena fazer o mesmo com a Internet, sem transformar o computador em um instrumento de poder, diante de tãos poucos brasileiros letrados?
Em primeiro lugar, antes da privatização, tínhamos uma estatal que, infelizmente, tinha como missão na prática reprimir a demanda por telecomunicações e não efetivamente desenvolver as telecomunicações. Não porque era estatal, mas porque era assim que essa estatal em particular pensava e agia. E, esquizofrenia à parte, ela não poderia bater nela mesma se não cumprisse as metas, já que na prática ela regulava a si mesma (e sob as prioridades de determinados interesses que não vou comentar aqui). Em segundo lugar, a expansão da infra-estrutura hoje é movida pela "cenoura-e-porrete" dos contratos de concessão (se não cumprir as metas, a concessionária é multada e tem seu território invadido pelas que cumpriram as metas), e é uma infra-estrutura necessariamente digital por razões óbvias (ninguém vai comprar centrais telefônicas velhas para essa expansão). Ou seja, o que já está chegando aos municípios (e deverá chegar a todos eles em no máximo dois anos) é uma
infra-estrutura de comunicação de dados, em que a própria telefonia será digital.
Então, a base dos serviços Internet já estará nos municípios. O que vai faltar vai ser, em cada localidade, criar condições de acesso e aprendizado comunitário (telecentros, cibercafés etc). Para quem não pode pagar tarifa (mesmo fixa) e a prestação de compra de um micro, estarão os telecentros, cibercafés, quiosques etc. O FUST vai ajudar efetivamente a garantir isso? Tenho dúvidas no "efetivamente", do modo como os recursos estão sendo alocados e priorizados.
Quanto à Internet ser instrumento de poder, em um país dividido socialmente como o nosso, já é - e temos que mudar isso buscando alternativas de acesso e de aprendizado. Lembro, por exemplo, que há telecentros operando no Brasil (sem ajuda estatal nenhuma) em que os membros da comunidade produzem jornais online em que os repórteres não sabem ler nem escrever. Isso é dar um poder inusitado a essas pessoas que de outro modo não conseguem ser ouvidas nem dentro de casa!
bs
--c.a.