19.5.03



Luta inglória

A caixa postal marca 2002 itens, 325 não lidos. Este é o meu recorde até agora, mas não se impressionem: tenho certeza de que entre os 325 itens não lidos não deve haver mais do que 25 aproveitáveis, se tanto. O resto é spam. Dos 1677 restantes, boa parte deve ser spam também; apenas, um tipo de spam que se disfarça melhor na minha correspondência, habitualmente recheada de releases sobre lançamentos de produtos, ofertas especiais de hardware ou software e outras coisas do gênero.

É por isso que fico tão feliz quando leio que os spammers estão, finalmente, começando a ser tratados como os criminosos que são. Na semana passada, nos Estados Unidos, Howard Carmack, de Nova York, foi condenado a pagar mais de U$ 16 milhões ao provedor EarthLink — e foi, ainda por cima, preso por falsidade ideológica. Ele não só roubou as identidades de 343 pessoas, que usou para abrir contas, como pôs nomes falsos como identificação de remetente nos — pasmem! — 825 milhões de spams que enviou apenas no ano passado .

A EarthLink admite que não tem esperança de ver a cor do dinheiro, mas o fato de que este verme esteja sendo tratado como um verme é, por si só, alvissareiro; se há uma coisa que anda descontrolada no mundo é o envio de mensagens não solicitadas que, segundo a britânica MessageLabs, já toma, hoje, quase 50% do espaço das mailboxes.



É muito difícil calcular o prejuízo causado por esta praga, mas há quem tente. Um artigo publicado pela ISMnet (o provedor que eu uso) aponta para a Cartilha de Segurança para Internet, do Nic BR, que dá cinco exemplos de como o spam prejudica os usuários: não-recebimento de email, gasto desnecessário de tempo, aumento de custos, perda de produtividade e conteúdo impróprio.

Eu reduziria a lista. Acho que o gasto desnecessário de tempo implica, automaticamente, em aumento de custos e perda de produtividade; quanto ao conteúdo impróprio, bem, tudo é conteúdo impróprio numa mensagem que você não pediu, não quer e não precisa — embora haja, obviamente, uma diferença de “grau de ofensa”, digamos assim, entre a propaganda enganosa de mapas astrais e a propaganda inútil de produtos para aumentar o tamanho do meu pênis (?).

Para os provedores de acesso e empresas em geral, os prejuízos do spam podem ser medidos em impacto na banda, má utilização dos servidores, perda de clientes e aumento dos custos com pessoal e equipamento.



Antônio Carlos Pina, do InfoLink, acha os dados da MessageLab conservadores; para ele, 55% do que circula hoje pelos correios eletrônicos são spam.

— Para um provedor que recebe mais de 700 mil mensagens por dia, como é nosso caso, isso representa 400 mil mensagens.

Se o Infolink recebesse e armazenasse toda essa porcariada, teria que dobrar o link e o espaço de armazenagem, sem que os usuários percebessem qualquer melhora na rede. Mas os custos sairiam do seu bolso, naturalmente — e não do bolso dos spammers.

Na America Online — que em dezembro passado ganhou na Justiça U$ 7 milhões de uma empresa de “marketing direto” — os cálculos estão mais próximos da minha realidade: seus executivos estimam que 70% dos emails em circulação sejam spam.

Mas a gente percebe que a coisa está feia mesmo sem abrir a mailbox. Basta dizer que, há 20 dias, o “New York Times” publicou um editorial pedindo aos leitores que escrevam para os seus congressistas pedindo providências urgentes (“uma carta por pessoa, por favor”). Enquanto isso, o “Wall Street Journal”, que não pode ser considerado imprensa especializada em tecnologia, mantém uma página na web apenas para dar as últimas notícias da batalha contra mensagens não solicitadas.

No Congresso americano, circulam duas propostas para projetos de lei regulamentando o envio de spam — e circulam também, é lógico, lobistas poderosos combatendo esses projetos. No entanto, ainda que venham a ser aprovados e transformem-se em lei, ninguém acredita que possam erradicar, de vez, a praga das nossas mailboxes. Afinal, enquanto houver quem compre coisas de spammers, haverá spammers vendendo coisas.

É mais provável que o esforço antispam conjunto da AOL, Microsoft e Yahoo (os principais provedores de contas de email) renda mais e melhores frutos, mais cedo. Em fins de abril, as três anunciaram que estão estudando a forma como os emails trafegam no ciberespaço para ver o que podem fazer para resolver, ou reduzir, o problema. Não gosto de nenhuma delas, e me confesso preocupada quando dizem que estão de olho nas nossas mensagens, mas chegamos a um ponto em que tudo é possível — até que este trio esteja agindo com boa intenção.



Aqui a luta oficial mal está começando, mas já tem um inacreditável gol contra no histórico: em dezembro de 2001, a juíza Rosangela Lieko Kato, de Campo Grande, MS, perdeu a oportunidade de passar para a posteridade como pessoa esclarecida e bem informada. Na primeira sentença brasileira sobre o assunto, ela chegou à conclusão de que mandar spam é apenas “a utilização de meios modernos e eficazes nos dias atuais” (!), e que é “um contra-senso se admitir que alguém precisa de uma autorização para nos enviar uma correspondência” (!!).

Depois eles ainda se queixam quando o Lula reclama do Judiciário.

(O GLOBO, Info etc., 19.5.2003)

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