2.4.02



Tradução hi-tech

Algumas pessoas têm súbitas iluminações e descobrem uma forma de enriquecer; outras têm súbitas iluminações e descobrem por que não enriqueceram. Na semana passada, conversando com Barry Gilbert, um dos vice-presidentes da Bowne Global Solutions, eu tive exatamente uma dessas iluminações. Do segundo tipo, digo.

Quando chegaram ao Brasil os primeiros softwares traduzidos — o Wordstar (alguém ainda lembra?), alguma coisa da Lotus, muita coisa da M$ — eu fiquei chocada com a péssima qualidade das traduções. Escrevi incontáveis colunas reclamando, e descobri que a maioria era traduzida por grupos de brasileiros que viviam no Canadá e em Salt Lake City há mais de 20 anos, aparentemente sem qualquer contato com o Brasil — o que explicava boa parte das barbaridades.

Eu não fui, obviamente, a única pessoa a perceber a monstruosidade. Mas enquanto eu clamava aos céus, a turma da Bowne, quietinha lá em Massachusets, criava uma empresa para oferecer às desenvolvedoras de software uma solução (na verdade, várias soluções) para o calamitoso problema. Resultado: eles estão milionários, e eu continuo aqui escrevendo. Hoje eles têm 1.600 funcionários, em 22 países, trabalhando com 37 diferentes línguas e variantes (por exemplo, português do Brasil e de Portugal). A minha sorte é que o mundo gira, a Lusitana roda e os assuntos mudam. Por exemplo, a tradução de software, que depois passou a se chamar “localização” (argh!) e hoje se chama “globalização” (um pouco menos argh!), melhorou consideravelmente — e virou uma indústria que movimenta, hoje, dois bilhões de dólares.

— Não se trata mais de uma simples tradução — explicou Gilbert. — Temos hoje uma visão holística do serviço. O idioma é, claro, um pré-requisito fundamental para a globalização, e deve ser levado em consideração ao longo de todo o processo, mas tão importante quanto isso é uma compreensão abrangente do mercado local, da sua cultura e das suas características específicas.

Para ele, a língua é só o começo do processo. Entender as peculiaridades de cada país e de cada mercado são fatores decisivos para o sucesso de uma boa globalização. Concordo inteiramente. Mas para mim, que sempre compreendi tradução como bem mais do que a simples transposição de um termo de uma língua para outra, a boa compreensão da cultura local sempre esteve implícita no jogo. Tudo o que faz com que uma pessoa na Cingapura entenda e use bem um software desenvolvido no Brasil continua, na minha cabeça, sendo tradução.

Eu entendo, porém, as tentativas que vêm sendo feitas para se encontrar palavras mais impressionantes para a função. Afinal, como pode constatar qualquer pessoa que trabalha no ramo, a tradução é uma das profissões mais mal pagas do planeta. Amarrado a este modesto ofício, o negócio nunca teria chegado às cifras monumentais que o envolvem.

(“Não é só software que sofre com problemas de má tradução ou globalização”, observou José Carlos Sampaio, o homem da Bowne no Brasil. “Quando você pega o manual de uma Mercedes...” Tive que explicar que, infelizmente, nunca vi o manual de uma Mercedes.)

Tá certo. Verdadeira ponte entre vários mundos, a tradução (ou globalização, se vocês preferirem) tem mesmo que ser valorizada e reconhecida.

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