8.4.02



A internet em Timbuktu

Uma vez, John Perry Barlow, caubói, letrista do Grateful Dead, cyber-guru e, de modo geral, uma das pessoas mais interessantes que conheço, resolveu ir a Timbuktu. Tinha um firme propósito em vista: ajudar a instalar, na cidade, um provedor internet. Isso foi há séculos, naquele tempo em que as pessoas ainda achavam que coisas como Compuserve, Genie ou AOL eram internet. Perguntei a ele por que diabos fazia tanta questão de ver a rede funcionando por lá, e ele me explicou: queria ter o gostinho de, chegando a países ditos “civilizados” — mas ainda fechados à rede — poder dizer que a internet cobria de tal forma o mundo que já existia até em Timbuktu.

Lembrei disso há alguns instantes, quando recebi um press-release da ITU (União Internacional de Telecomunicações), informando que o presidente do Mali, Alpha Oumar Konaré, está em Genebra, participando de uma reunião preparatória para a conferência de cúpula sobre a sociedade da informação, a ser realizada em Bamako, entre os próximos dias 28 e 30 de maio. Trocando em miúdos, um papo sobre exclusão digital (aliás: tenho enorme implicância com esta expressão! Pior, só inclusão digital... vamos arranjar umas expressões menos dúbias, gente, pelamordedeus!).

O presidente Konaré e o secretário-geral da ITU, Yoshio Utsumi, assinaram também um acordo para a criação de telecentros comunitários que vão conectar 703 comunidades do Mali a uma rede de serviços e aplicativos diversos.

Depois — uma coisa puxa a outra — me lembrei também da notícia divulgada pela “Wired” na semana passada de que, em Cuba, a venda de computadores a pessoas físicas está proibida por decreto.

O que essas coisas todas têm a ver uma com a outra e, sobretudo, o que é que nós temos a ver com isso? Nada, realmente. E tudo. Elas se juntaram de forma mais ou menos aleatória na minha cabeça, e não fazem parte de qualquer conjunto lógico. Mas todas têm a ver com o fato de que, hoje, é impossível falar em progresso pessoal e, sobretudo, em liberdade, no mais amplo sentido da palavra, sem falar em tecnologia da informação.

Uma sociedade não se torna automaticamente livre no momento em que todos os seus membros têm acesso à informação; mas este é um passo sem o qual ela jamais poderá sequer aspirar a qualquer sonho de liberdade. Simples assim.

O que é que nós temos a ver com isso? Bem, ao que eu saiba, estamos todos no mesmo planeta, e pertencemos todos, por mais que isso possa incomodar a corações sensíveis, à mesma espécie. É nossa responsabilidade coletiva, como seres humanos, garantir que nossos irmãos possam ouvir e ser ouvidos, onde quer que se encontrem.

Só isso.

(O Globo, 08.04.02)

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