20.9.01

Leitores & leitores


Estou acostumada a receber dezenas, às vezes centenas de mensagens diárias no Globo. Embora saiba que elas não estão destinadas a mim por um processo de escolha randômico, mas sim por causa de algo que represento ou que escrevi, não posso ignorar que os leitores da minha coluna são, antes de mais nada, leitores do jornal. A relação primordial que eles têm é com O Globo; a que têm comigo, por amável e simpática que seja, é, na maioria dos casos, apenas uma decorrência dela.

É curioso notar como mudam as coisas no blog. Aqui, as relações se tornam de fato pessoais; mas não só porque sei que, se alguém me leu, este encontro foi deliberado, mas também porque há uma igualdade de condições extremamente democrática na rede. As ferramentas de que disponho para escrever são as mesmas de que dispõe quem me lê e me escreve.

Em suma: no ciberespaço, somos todos iguais e temos, todos, a mesma tiragem.




Uma carta especial


Por falar em leitores: recebi hoje uma carta que me deixou muito comovida. Foi enviada por uma leitora da Califórnia, a Scarlett Freund.


"Antes de mais nada, gostaria de dizer o quanto sou grata pela abrangência e compaixão dos seus comentários e posts. Sou nova-iorquina de nascença, los-angelena de residência, mas brasileira de coração (passei meus anos de infância e adolescência em São Paulo), e para mim o seu blog tem sido uma das melhores fontes alternativas de informação e consolo no decorrer do terrivel atentado à cidade de NY.

Queria também passar uma dica de um ótimo website, um site que incentiva o debate e se empenha a analisar e a tentar fazer sentido deste horror inimaginável através da exploração de pontos de vista divergentes. O site é relativamente novo, baseado em Londres, e se dedica a fomentar o processo democratico em todos os cantos do mundo: OpenDemocracy.

Meu coração está despedaçado com a desgraça que está abalando NY e seus habitantes, mas uma coisa que também me causa muita dor é ver — em vários blogs brasileiros — que mesmo no auge do trauma tem gente difundindo noções extremamente estereotipadas do americano (infelizmente, o Bush como presidente pouco faz para desmentir as piores impressões) e adotando um antiamericanismo incompreensível.

Eu gostaria de pensar que estas caracterizações atualmente são mais resultado de falta de informaçao do que de preconceito enraizado. Embora o governo e a mídia americana estejam tomando uma linha dura, o povo americano não está acompanhando esta posição como muitos estão retratando. Está ciente de que medidas sérias devem ser tomadas, mesmo porque deixar este ato sem resposta alguma provocaria uma open season de terrorismo no mundo inteiro. Mas são poucos, mesmo nos mais altos níveis administrativos, que bradam por vingança a qualquer custo. As vozes críticas estão se deixando ouvir em tudo quanto é lugar. As reações perante o ataque terrorista, mesmo no ground zero, na área dos destroços, estão longe de serem unânimes.

Veja, por exemplo, a conclusão de um post de Todd Gitlin no site de OpenDemocracy, intitulado "There's more than one America":

If and when military power lashes out in the days to come, Washington will claim that all Americans agree on what the government is doing. But there are an awful lot of Americans like Dean who feel spasms of anger and vengefulness and have not succumbed to them. Those who plan indiscriminate war may well roll over such doubts and dissent. But they are here. They have not been stampeded. They are the heartland. These patriots are not going away.

There's more than one America. During the painful days ahead, let our allies and critics remember that we are not all mad bombers, racist or authoritarian bullies - far from it. The White House may claim that the American public demands all-out war, but there's little sign of that. Even in high places in Washington there are counsels of restraint and focus - starting, it seems, with Colin Powell. Don't understand America too quickly. Don't box us in.

Este tipo de opinião raramente aparece nas redes tradicionais da mídia. É por isso que estou tomando a iniciativa de indicar o OpenDemocracy. Porque o único jeito de combater o ódio e a irracionalidade do fanatismo é através do diálogo aberto, do livre intercâmbio de idéias. Quanto mais gente participar dos debates, melhor será a nossa chance de promover paz e tolerância.

Check it out, please! E, por favor, passe a dica aos seus leitores tambem. Muito obrigada. E obrigada novamente pelas palavras sábias, pela empatia e humor gentil do seu blog."


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