28.9.01

Ih, esqueci...


...de trazer pra cá a capa que escrevi para a edição passada do Info etc.! Bom, com quase uma semana de atraso, aí está...

No dia 11 de setembro, quando a BBC ainda estava se dando ao trabalho de informar aos telespectadores, a intervalos regulares, que as cenas terríveis do World Trade Center não eram cenas de um filme, um e-mail de John Perry Barlow bateu, aflitíssimo, nas caixas de correio dos seus 897 amigos mais chegados. Um dos mais conhecidos ativistas do ciberespaço, Barlow, já naquele momento, previa o que, em poucas horas, começaria a se tornar realidade: o ataque dos terroristas daria à linha dura americana a desculpa que estava querendo, há tempos, para controlar a internet.

“Como muitos de vocês sabem, eu acredito que, ao longo dos últimos 30 anos, os Estados Unidos vêm se tornando, de forma gradual, sutil e invisível à maioria de nós, um estado policial”, escreveu ele. “Os acontecimentos desta manhã são, de modo geral, equivalentes ao incêndio do Reichstag, que deu, aos nazistas, a desculpa social para se apossarem da Alemanha. Não estou dizendo que, como os nazistas, as forças autoritárias da América tenham participado diretamente desta tragédia inconcebível (...). No entanto, nada poderia servir melhor àqueles que acham que a “segurança” americana é mais importante do que a liberdade americana.”

Barlow não foi o único a dar o grito de alerta. Richard Stallman e Eric Raymond, gigantes do software livre, que sempre acreditaram que os computadores são importantes demais para a humanidade para serem controlados por meia dúzia (meia dúzia? que exagero!) de empresas, também entraram em ação; e, como eles, dezenas, centenas, milhares de usuários que acreditam que a rede é o maior instrumento de liberdade jamais construído. Blogs foram abertos, websites criados, novas páginas adicionadas a sítios já existentes; abaixo-assinados pela preservação da liberdade online começaram a circular, enviados até por gente que, a vida inteira, sempre se manifestou contra circulares na internet.

O movimento foi tão impetuoso e espontâneo quanto o que pôs links para a Cruz Vermelha e outras instituições beneficentes em quase todas as páginas da rede; mas as suas chances de sucesso não chegam a ser animadoras. Na própria tarde de terça-feira, o FBI já estava às portas dos principais provedores americanos, instalando cópias do Carnivore que, uma semana antes, teriam sido alvo de estrepitosa (e justa) indignação. Agora, porém, diante de uma população em pânico, nenhum dos provedores ousou dizer nada.

Na verdade, nem foi bem assim. Naqueles primeiros momentos da temporada de caça à internet, alguns provedores de acesso se manifestaram, sim: eles declararam que cooperariam com o FBI em tudo o que fosse necessário. E mais não disseram, nem lhes foi perguntado.

Barlow, um dos fundadores da EFF (Electronic Frontier Foundation), instituição que luta, consistentemente, a favor dos direitos digitais de internautas e não-internautas, está apavorado. Em Nova York, onde está agora, diz que as coisas estão calmas — tristes, mas calmas. Mas, no interior do país, a situação é preocupante. O que ele mais teme é uma espécie de “efeito-machão”: mesmo pessoas de índole liberal, que normalmente se posicionariam contra a vigilância e a censura à internet, não têm coragem de se manifestar, porque isso pareceria, aos olhos dos seus vizinhos, como um ato de condescendência para com os terroristas — em suma, um ato antiamericano e pouco patriótico.

O grande problema enfrentando por quem defende a liberdade na internet é uma abissal e generalizada falta de conhecimento sobre o assunto — e não só nos EUA. John Keegan, respeitado jornalista do “Daily Telegraph”, na Inglaterra, defendeu a proibição de material criptografado na rede, e chegou ao cúmulo de sugerir o bombardeio de provedores de acesso estrangeiros que permitam a circulação de mensagens criptografadas.

Se até ele, que é um ser supostamente esclarecido, está pensando assim, o que é que se pode esperar do americano médio, que há tempos acha que a internet não passa de um antro de pedofilia? Não muito: numa pesquisa realizada nos dias 13 e 14 pela Princeton Survey Research Associates, 72% dos americanos disseram que leis contra criptografia seriam bastante ou muito úteis no combate ao terrorismo.

Ao mesmo tempo, uma outra pesquisa, realizada online pelo “Washington Post”, revelou que 66% deles estavam dispostos a abrir mão de suas liberdades individuais em favor de melhores condições de segurança — ignorando a sábia observação feita por seu patriarca Benjamin Franklin de que aqueles que trocam liberdade por segurança perdem as duas.

Para os grupos que defendem a privacidade e os direitos civis, tudo isso não passa de manipulação do Congresso, que estaria usando o pânico causado pelos ataques para passar, no grito, uma legislação que jamais seria aprovada em condições normais.

— Ninguém deve confiar em pesquisas realizadas logo depois de um desastre, — disse à CNet Simon Davies, diretor da Privacy International. — Este é um momento em que as pessoas ainda estão confusas e abaladas emocionalmente, e se deixam influenciar com muita facilidade.

Para quem conhece a internet, é bastante óbvio que a criação de mecanismos de controle sobre a rede só vai prejudicar mesmo aos cidadãos comuns, aqueles que pouco ameaçam a sociedade. Como bem lembrou o Register, vale citar Phil Zimmermann, criador do PGP (esperto pacote que, pela primeira vez, pôs ao alcance dos internautas um mecanismo de criptografia): quando uma tecnologia é criminalizada, apenas criminosos passam a ter acesso a ela.

O Globo, 24.09.01


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