30.12.10





Uma das felicidades de 2010 foi saber que, numa tela nunca muito longe de mim, havia sempre, a qualquer hora do dia ou da noite, uma quantidade de amigos queridos. 


A vocês todos agradeço a alegria do convívio, e desejo um 2011 cheio de saúde, paz e prosperidade.


(Foto da série indiana, feita em Johdpur, em novembro de 2009)

Três Monstros Sagrados

Eu não tinha idéia de que o Concerto Duplo de Brahms havia sido gravado em video por David Oistrakh, Mstislav Rostropovitch e Kiril Kondrashin. Tive uma gravação com esses três mestres em long-play que, durante muitas e muitas luas, foi o meu disco mais precioso.


Achei maravilhoso observar a linguagem corporal de Oistrakh e de Rostropovitch: é como se estivessem tocando um dueto -- como, de fato, estão.


O primeiro movimento foi dividido nas duas partes que postei abaixo; para ouvir os outros dois, siga os links.






Segundo Movimento


Terceiro Movimento

Leblon

Retalhos de fim de ano


  
Nosso sítio de Friburgo, o “Pois é”, foi projetado por Mamãe, que é arquiteta, com o máximo de carinho e de atenção aos detalhes. Os anos 60 mal começavam e ecologia era só uma palavra no dicionário, mas junto com a casa foi construída uma composteira para a reciclagem do lixo, e Mamãe virou mundos e fundos atrás de uma novidade chamada aquecimento solar, que só se materializou uns tempos depois.

Esse cuidado se fez presente em tudo, da divisão do espaço às maçanetas das portas, do pé direito à posição e quantidade das tomadas. Só na sala, por exemplo, havia quatro, estrategicamente espaçadas para que nunca faltasse um ponto de energia para a enceradeira ou para uma eventual furadeira elétrica. Televisão não tínhamos nem nos fazia falta.   

O que Mamãe não poderia prever é que, no Natal de 2010, além de enceradeira e furadeira, a casa abrigaria notebooks, tablets e celulares, além do telefone sem fio e da televisão que, afinal, acabou achando um nicho na estante, acompanhada de um player de DVD e do decoder da parabólica. Resultado: hoje todas as tomadas têm benjamins, onde os vários aparelhos da família disputam lugar.

O mundo nunca deu tantas voltas tão rápido.

* * *

Certo tipo de ativismo político é um luxo a que só se pode dar quem tem um mínimo de organização. Não é o meu caso. No ano de 2008 decidi boicotar o IPTU. Estava indignada com o Cesar Maia e não queria ajudar a bancar sua campanha política. Até aí, tudo bem. Muita gente fez o mesmo – mas, sensatamente, não perdeu o carnê de vista e, quando o Cesar Maia foi enfim varrido da cena carioca, pôs a vida em dia.

Aqui em casa, porém, o carnê sumiu numa gaveta... e nunca mais pensei no assunto. A prefeitura, que podia ter tido a gentileza de me lembrar a dívida, não o fez – até a semana passada, quando me chegou às mãos um papel oficial com números horrendos, já em dívida ativa. Caía um temporal daqueles. Corri para a rua e peguei o primeiro taxi que passava. Dei o endereço recomendado no papel, no 58 da Rua Sete de Setembro. 
A repartição fechava às 16h; passava um pouco das 15h, mas com aquela chuva e aquele transito...

O motorista e eu engatamos um papo sobre as misérias do fim de ano.

Quando saímos do Rebouças eram 15h45.

-- Ai ai ai, não vai dar tempo...

-- A senhora me desculpe, mas o que é que a senhora vai fazer lá?

-- Tenho que pagar um caminhão de dinheiro na dívida ativa.

-- Ah, mas então a gente não precisa ir até lá. Vamos aqui na prefeitura mesmo! Eu tive que resolver uma parada dessas na semana passada, sei direitinho onde é.

Assim que descemos o viaduto o motorista cortou por uma rua que eu não conhecia, virou numa outra que eu sequer imaginava que existisse e, finalmente, parou atrás da prefeitura.

-- Está vendo aquela porta ali, onde tem um rapaz falando no telefone? Então, entra lá, é a terceira seção, à esquerda. Se a senhora correr dá tempo.

Eram 15h57. Nem abri o guarda-chuva, para não atrasar. Quando cheguei ao guichê, às 15h59, um funcionário estava em vias de fechar a área com uma correntinha.

-- Ô moço, quebra o meu galho... ainda falta um minuto!

-- Tá bom, mas é a última senha do dia.

O senhor que vinha atrás de mim, coitado, chegou às 16h01 e teve que voltar para casa.

* * *

Mamãe, que é a organização em pessoa, quase teve um piripaque quando soube dessa história.

-- Mas minha filha, você devia ter depositado em juízo!

-- Eu sei, eu sei. Não precisa dar bronca. Eu conheço a teoria toda, só me enrolo na prática.

-- Agora, pelo amor de Deus, não sai contando isso para as pessoas, porque nem pega bem. Como é que alguém me faz uma besteira dessas?!

Portanto, estamos combinados: essa história fica só entre nós.

* * *

Como nem o Eike Batista consegue pagar um IPTU atrasado com o tanto de juros, multas e moras que lhe cai em cima, parcelei a dívida em 19 prestações. Em qualquer lugar civilizado do mundo, o contribuinte pode deixar um pagamento desse tipo por conta do banco, em débito automático. Não, porém, no Rio de Janeiro, onde, além de ser punida pelo passado, a criatura em atraso sofre ao longo do futuro: todo santo mês, pelo próximo ano e meio, terei que entrar no site da prefeitura, buscar o link apropriado, imprimir uma guia e ir ao banco. Faz sentido isso, a dois dias do ano de 2011?!  

* * *

Pensei em fazer uma lista dos melhores filmes que vi no cinema em 2010, mas 2010 não foi, pelo menos do meu ponto de vista, um ano de filmes memoráveis. Destaco, então, “Toy Story 3”, um filmaço sob todos os aspectos. Aliás, considero a série “Toy Story” uma das melhores trilogias cinematográficas de todos os tempos, se não a melhor.

Em tempo: esclareço que não assisti ainda a “Tropa de elite 2”, grande campeão de público e crítica.

* * *

Uma das felicidades de 2010 foi o encontro marcado aos domingos, aqui mesmo no Globo, na Revista, com os cartuns sempre divertidos e certeiros do Bruno Drumond, o melhor observador da classe média carioca. O seu desenho é elegante e divertido, e ele não erra uma.

* * *

Que, apesar de todos os pesares, 2011 seja, para todos nós, um ano bom e generoso, carregado de felicidade.  

(O Globo, Segundo Caderno, 30.12.2010)

25.12.10

A nova flor da Mamãe

Galaxy Tab: aplicativos


A rivalidade entre os fãs do iPad da Apple e os do Samsung Galaxy Tab, como a que havia entre usuários de Macs e PCs, periga virar mais um clássico das torcidas tecnológicas, com os dois lados louvando os seus aparelhos e desfazendo dos demais. Agora mesmo um dos argumentos mais utilizados pela torcida do iPad contra o Galaxy Tab é uma suposta falta de aplicativos – isso porque a Appstore tem mais de 300 mil deles à disposição do freguês, contra “apenas” 100 mil oferecidos pelo Android Market...

Ora, esses são números perfeitamente ridículos. É óbvio que ninguém jamais terá tempo sequer para ler os nomes desses programas todos, quem dirá usá-los. A maioria é lixo; a maioria da minoria que não é lixo tem utilidade limitada, como, digamos, a tabela de horários do transporte coletivo em Seul.

Um usuário dos mais empolgados pode ter, quem sabe, entre 60 e 100 aplicativos no smartphone ou no tablet -- mas quantos usará de fato? Dez? Uma dúzia? O importante, para variar, não é a quantidade, mas a qualidade – e, entre os cem mil e tantos aplicativos Android que podem ser usados no Galaxy há aplicativo bom para dar e vender. Conforme prometi semana passada, aqui está a lista dos meus favoritos. Vários são os mesmos do iPad:

Mídias sociais: Tanto o Twitter quanto o Facebook têm aplicativos próprios para o Android, e ambos funcionam muito bem. Uma alternativa que tem muitos apreciadores é o Tweetdeck.

Leitura: Ler livros é atividade mais confortável no Galaxy Tab do que no iPad. A Samsung sabe disso e dotou o aparelho de um link direto para a Livraria Cultura, um leitor de ebooks e uma excelente seleção de links que apontam para coleções de livros em domínio público e para os projetos Brasiliana e Gutemberg. Apesar disso, vale a pena baixar o Kindle, da Amazon, que na versão Android vem incrementado com uma banca de jornais e revistas.

Notícias: Gosto muito do Pulse, agregador de notícias e de posts de amigos no Facebook; para saber o que está acontecendo e para ver a previsão do tempo, o Google News bate um bolão. O Reader’s Hub, que já vem instalado no parelho, reúne o agregador da PressDisplay, o leitor de ebooks Kobo e a banca Zinio, que fornece revistas do mundo todo.

Trabalho: Como o GalaxyTab é útil inda brincando, há diversas opções sérias no seu cardápio de programas. Não vivo sem o Documents to Go, que permite a criação, visualização e edição de documentos do Office, e merece os US$ 15 pedidos para a versão completa. Já o Evernote é, no Galaxy, o mesmo prodígio que é no iPad e no PC: uma aplicação de nuvem, na qual podemos juntar e indexar notas de texto, voz e imagem, e que deixa o material ao alcance da mão a partir de qualquer aparelho, de qualquer plataforma, ao qual tenhamos acesso.

Utilitários: Nessa categoria, meu favorito disparado é o Advanced Task Killer. Explico: o Android é um sistema multitarefa, e muitas vezes a gente esquece programas abertos. Eles consomem energia e tornam o desempenho da máquina mais lento. Entra em cena o nosso utilitário, apresenta uma lista do que está rodando, permite que se escolha o que se quer fechar, e voilá!, felicidade completa. Também gosto do Worldmate, que uso desde os tempos do Palm, e que é uma mão na roda em viagens. Por falar em Palm, a notícia para quem sente saudades de escrever à mão no seu tablet é que há uma versão do Grafitti para Android. Ela funciona às mil maravilhas. Fiquei espantada ao descobrir que, assim como andar de bicicleta, usar Grafitti a gente não esquece nunca.

Browsers: O browser do Galaxy Tab é ótimo, mas há dois concorrentes fora de série à disposição do usuário: o Dolphin, em que se pode abrir múltiplos tabs, e o Skyfire, rápido e cheio de bossas interessantes. Experimentem!

Jogos: Sim, esta é uma indiscutível vantagem do Galaxy sobre o iPad, cuja Appstore sonega joguinhos aos usuários brasileiros. O Tab está cheio deles, muitos gratuitos – é só escolher. Estou num momento Angry Birds, mas às vezes jogo Jewels para distrair. Também sou vítima do viciante Ant Smasher, em que a graça é esmagar formigas, evitando as picadas letais das vespas. De todos os aplicativos que baixei para o Galaxy, por sinal, este foi o único que permaneceu com as proporções de um celular, deixando margens à sua volta – mas isso não atrapalha em nada a brincadeira.

Isso é só a ponta do iceberg. Há mundos nos nossos tablets – vamos a eles!

(O Globo, Economia, 25.12.2010) 

23.12.10

Livros para o Natal II




  
No dia 6 de junho de 1944, na primeira leva de assalto das tropas aliadas à praia de Omaha, na Normandia – o famoso “Dia D”, da Segunda Guerra Mundial – estava o fotógrafo Robert Capa, carregando o seu armamento habitual: duas câmeras Contax, vários rolos de filme, muita valentia e talento de sobra. Apesar das condições desfavoráveis (para dizer pouco), ele conseguiu fazer mais de cem fotos da histórica invasão.

O material foi enviado para Londres onde, no laboratório da revista Life, um assistente se descuidou, e destruiu a emulsão dos filmes. Salvaram-se apenas oito fotos borradas, publicadas pela revista com uma legenda que explicava que estavam “ligeiramente fora de foco” porque as mãos do fotógrafo tremiam diante da intensidade do combate.

Capa, veterano de outras batalhas, nunca engoliu a desfeita, e quando publicou suas memórias da Segunda Guerra, deu-lhes o título “Ligeiramente fora de foco”. É este livro precioso que acaba de chegar às livrarias, bem a tempo de ser um dos melhores presentes da temporada. A tradução é de José Rubens Siqueira, e a edição é da Cosacnaify (o sonho secreto de todo livro).

Robert Capa, que nasceu em Budapeste como Endré Friedmann, inventou o alter ego para poder se vender melhor em Paris: como agente do “famoso Capa”, sentia-se mais à vontade para elogiar o próprio trabalho. Sua primeira ambição, contudo, não era ser fotógrafo, e sim escritor. “Ligeiramente fora de foco” prova que não lhe faltava base para tanto: o livro é ao mesmo tempo terno e espirituoso, alternando os horrores do campo de batalha com as aventuras galantes do moço que não via motivo para acordar de manhã se não houvesse uma boa guerra nas vizinhanças.

* * *

“Contos húngaros”, um pequeno volume da Hedra, dá uma pista de onde vem o estilo agridoce de Robert Capa: nele estão reunidos dez contos inéditos de quatro dos principais autores húngaros, nomes que Capa com toda a certeza conhecia: Gyula Krúdy, Deszö Kosztolányi, Géza Csáth e Frigyes Karinthy. O livrinho de bolso não faz vista, é miúdo e barato, mas o que lhe falta em imponência sobra em conteúdo: ele tem até uma introdução do expert Nelson Ascher, que apresenta os autores e o contexto em que viveram. 

A Hungria é um país pequeno, mas dado a produzir escritores de primeira grandeza; infelizmente, suas obras poucas vezes chegam a transpor as barreiras do idioma. Angustiado com isso, meu Pai passou parte da vida traduzindo para o português o trabalho dos seus conterrâneos. Essa nova antologia (dedicada, aliás, à sua memória), existe graças a um outro Paulo, o Paulo Schiller -- que, para nossa sorte, não só sabe traduzir do húngaro, como, ainda por cima, o faz muito bem.

* * *

Outra sugestão de livro de contos: o esplêndido “Em outros quartos, outras surpresas”, do paquistanês Daniyal Mueenuddin (Companhia das Letras, tradução de Sonia Moreira). As oito histórias do volume são entrelaçadas em torno do patriarca K.K. Harouni, um senhor feudal do século XX. Elas são protagonizadas ora por sua família, ora por seus empregados, amigos ou agregados, mas, com tudo o que têm de distante e exótico, formam um mosaico estranhamente familiar a um país onde o coronelismo continua dando as cartas.

Não há personagens “bonzinhos” no mundo de Mueenuddin. Bem ou mal, todos lutam para tirar de uma existência dura ou tediosa o melhor que podem, o que abre para o leitor o vasto leque das fraquezas humanas. Como é natural, todos querem subir na vida, e mesmo o poderoso K.K. Harouni tem sonhos de grandeza; o fracasso e a desilusão, porém, rondam com igual tenacidade ricos e pobres, homens e mulheres. A felicidade faz algumas pontas, mas seu papel é sempre breve e passageiro. Mueenuddin tem uma escrita elegante e sutil. “Em outros quartos, outras surpresas” está longe de ser um livro alegre, mas a sensação predominante deixada pela sua leitura é a de uma imensa, ainda que amarga, delicadeza.

* * *

E por falar em contos, especialmente em contos entrelaçados – não dá para deixar “Entre assassinatos”, de Aravind Adiga (Nova Fronteira, tradução de Diego Alfaro), de fora da lista de bons livros para o Natal. Por algum motivo, um artigo caiu do original em inglês, “Between the assassinations” – mas o detalhe é importante, porque os assassinatos aos quais o título se refere são específicos: os de Indira Gandhi, em 1984, e o de seu filho Rajiv, em 1991. Trata-se, pois, de uma passagem de tempo bem marcada, que termina exatamente antes da abertura econômica do país e da sua conseqüente “globalização”.

Aravind Adiga é o autor de “O tigre branco”, que foi, para mim e para muita gente, o melhor livro do ano passado. A pergunta do fã-clube é óbvia: o novo livro é melhor do que o anterior? A resposta é complicada. Para começo de conversa, é impossível compará-los, de diferentes que são. E o anterior é, na verdade, posterior. Os contos foram escritos antes do romance, e imagino até que faria mais sentido ler os dois nessa ordem.

“Entre assassinatos” é uma série de histórias sobre os habitantes de uma cidade fictícia chamada Kittur. Eles são pessoas de todas as religiões, castas e faixas sociais. O estilo contundente de “O tigre branco” e o seu senso de humor inesperado estão presentes também neste livro, tecido com o esmero de uma grande e bela tapeçaria. Aravind Adiga não tem qualquer condescendência para com as enormes desigualdades sociais de seu país, e frequentemente escreve com indignação -- mas não perde a ternura jamais.


(O Globo, Segundo Caderno, 23.12.2010) 

18.12.10

Samsung Galaxy Tab (o outro)



Depois de algumas semanas de paixão e convivência contínua com o iPad, mergulhei fundo nos braços metafóricos do Samsung Galaxy Tab. Estaria neste momento me sentindo a mais volúvel das mulheres se, durante este tempo, não tivesse chegado à conclusão de que ambos são animais distintos, mais complementares do que concorrentes. Fosse o mundo um lugar justo e generoso, todo bípede amante de gadgets teria direito a um iPad para usar em casa e a um Galaxy para sair na rua; mas vamos começar pelo começo, que é sempre um bom ponto de partida.

Talvez a principal diferença “ideológica” entre os dois seja, exatamente, a portabilidade. Ainda que pequeno e bastante leve na comparação com os notebooks, o iPad não cabe em qualquer bolsa e, definitivamente, não entra em bolso algum; ele pesa o suficiente, e toma suficiente espaço, para que o usuário pense duas vezes antes de levá-lo consigo a todos os cantos.

Com 350 gramas a menos e praticamente metade do tamanho, o Galaxy é, ao contrário, a mobilidade em pessoa. O preço que paga por isso é ter uma tela menor e visualmente mais poluída, onde os ícones disputam lugar, ao contrário da do iPad, onde nadam folgados. Em termos de definição, as duas se equivalem, sendo que a do Galaxy, por ser menor, chega a parecer mais nítida. 

Atrapalha, a questão do tamanho? A mim, sinceramente, não, mas esta é uma das perguntas mais sérias que o usuário deve se fazer antes de decidir por um ou por outro. O iPad é genial para ler revistas e jornais (livros, curiosamente, se lêem melhor no Galaxy, cujo formato está próximo a um volume de bolso), assistir vídeos, desenhar, brincar com fotos e, eventualmente, trabalhar, porque ninguém é de ferro. Comparar suas habilidades às do Galaxy, porém, chega a ser covardia.

Primeira vantagem: como todo Android, o Galaxy se conecta ao computador como um drive externo. Você pode ver os arquivos, apagar o que quiser, acrescentar o que bem entender. Nada de iTunes! Esta é uma liberdade que não tem preço. Segunda vantagem: o Galaxy não precisa de um simcard de dados só para ele. Trabalha com simcards comuns, porque é também telefone, o que dá ao seu feliz proprietário a possibilidade de mudar o cartão de aparelho caso seja necessário. Terceira vantagem: o Galaxy é um bom aparelho de TV, que pega redes digitais e (surpresa!) analógicas – e que, ainda por cima, permite gravar os programas. Quarta vantagem: o Galaxy tem duas câmeras, uma traseira de 3 megapixels e uma frontal para  videochamadas (algumas fotos feitas com ele AQUI). Quinta vantagem: o Galaxy tem, como o seu irmão menor, o smartphone Galaxy S, um sistema de escrita chamado swype, em que basta deslizar os dedos entre as teclas que formam uma palavra para completá-la – e o pior é que o troço funciona. 

Não bastasse tudo isso, o Galaxy Tab sai da caixa – descaradamente parecida com a do iPad – cheio de companhia. Vem com uma capinha muito caprichada que imita couro, com um set de headphones estéreo com fio e um mono Bluetooth para fazer ligações. O iPad, como é sabido, não vem nem com headphones.

* * *

Parenteses para pôr alguns pingos nos ii: o Galaxy tem câmera, é fato, e funciona também como telefone. Mas – grande mas – faltam-lhe as características ergonômicas para ser bem aproveitado como uma e como outro. A câmera é razoável, embora infiel às cores, e seu uso é dificultado pela capa (falo disso daqui a pouco); mas o xis da questão é que, de todas as coisas que hoje tiram fotos por aí, o tablet é a menos prática de usar. O mesmo não digo em relação à câmera frontal, sempre útil. O headphone funciona bem, mas celular por celular, qualquer xingling é mais confortável. Ainda assim, acho ótimo que ele tenha essas serventias.

* * *

Enfim: o Samsung Galaxy Tab é um campeão. Tem muitos prós e, ao menos que eu tenha descoberto até agora, pouquíssimos contras. A capa bonitinha é, paradoxalmente, um deles. A leitura ocidental se faz da esquerda para a direita, e ela se abre à oriental, da direita para a esquerda. Muito chato – sobretudo porque, na hora de usar a câmera, em vez de ficar pendurada sozinha para baixo, ela tem que ser segurada pelo usuário para cima. Mais séria, porém, é a questão do cabo. Indo nas águas da Apple e contrariando o bom senso, a Samsung dotou o Galaxy de um cabo de conexão proprietário, muito parecido, aliás, com os do iPhone, iPad e família. O que é que isso significa? Significa que se o usuário se descuidar e perder este bendito cabo, estará frito. A bateria segura bem quase um dia de uso, mas depois... Não sei qual é a disponibilidade de cabos Samsung nas autorizadas, mas hoje este tipo de “reserva de mercado” não tem nada a ver.

* * *

A pergunta que não quer calar – iPad ou Galaxy? – é difícil de responder. O iPad oferece tamanho, fundamental para muita gente, e o inimitável sex-appeal da Apple; o Galaxy, no entanto, é muito mais completo e portátil. Os dois são igualmente bem acabados, chiques, apaixonantes. Ao contrário do que dizem as más línguas, não faltam aplicativos para o Galaxy; mas eu falo disso no próximo sábado. Até lá!


(O Globo, Economia, 18.12.2010) 
   

16.12.10

Livros para o Natal


  
“Jeff em Veneza, morte em Varanasi”, de Geoff Dyer (Intrínseca, tradução de José Rubens Siqueira), me atraiu pela brincadeira literária do título, e por mostrar duas das minhas cidades favoritas espelhadas. Hoje, passados alguns meses da leitura, continua a me assombrar: num ano de ótimos livros, acabou sendo o meu favorito, e é o que primeiro me vem à cabeça para recomendar  como presente para gregos, troianos, venezianos, benarasis e seres humanos letrados de modo geral.

O livro é um, mas suas metades compõem na verdade um díptico. O personagem da primeira chama-se Jeff Atman. Ātman, como nos explica a Wikipedia, é uma palavra em sânscrito usada para identificar a alma, seja no sentido global, seja no individual. É, em suma, a essência do ser.

(Indo um pouco além, descobrimos que o termo ātman está ligado à raiz indo-europeia ēt-men, que significa respirar, e ao grego asthma, resfolegar, que dá origem à nossa familiar asma: etimologia é mesmo uma felicidade.)

O Jeff que Dyer nos apresenta é, pois, tão íntimo e essencial que não há como deixar de pensar nele como alter ego de Geoff.  Na primeira parte, é um freelancer de meia-idade que não suporta mais escrever, mas acaba indo à Bienal de Veneza para uma revista estilosa. Lá, cai na roda-viva de sexo, drogas e narcisismo promovida pelo circo da arte contemporânea; nas notas e agradecimentos, o autor, prudentemente, observa que as opiniões sobre arte de Jeff não são necessariamente as de Geoff. Nessa Veneza de bocas-livres, a vida brilha em refrações artificiais, numa realidade emprestada e transitória, iates, festas e taças memoráveis.

O personagem da segunda parte, que fala em primeira pessoa, vai a Varanasi para uma reportagem de turismo. Passa os cinco dias combinados num hotel de luxo, ao fim dos quais resolve esticar a viagem. Muda-se então para uma pensão às margens do Ganges e, aos poucos, é engolido pela cidade onde, de certa forma, e ao contrário de Veneza, menos é mais. Há ressonâncias e coincidências entre as duas partes do livro, sonhos aqui que se tornam realidade ali, ou vice-versa, mas sequer temos certeza de estarmos diante do mesmo protagonista. É quase inevitável voltar à primeira metade depois da leitura da segunda.

“Jeff em Veneza, morte em Varanasi” é leve e irônico na forma, denso e às vezes angustiante no conteúdo. O estilo de Dyer, elegantemente despretensioso, nos leva a regiões obscuras sem aviso prévio, nos diverte quando menos esperamos e nos pega até o fim.

* * *

De acordo com tudo o que a ciência sabe a respeito dos oceanos e do seu comportamento, ondas gigantes em mar aberto, em tese, não existem. São aberrações sem explicação física – e, o que é pior, sem testemunhas, dado que a maioria das pessoas para quem apareceram não sobreviveu para contar a história, e às sobreviventes nunca se deu muito crédito. Ou, melhor dizendo -- não se dava. Há meros dez anos, no entanto, em 8 de fevereiro de 2000, um navio científico apropriadamente chamado Discovery topou com uma dessas aberrações, e não só escapou  como, ainda por cima, registrou a altura média das ondas em seus instrumentos: 18,6 metros. De acordo com a meteorologia e demais oráculos contemporâneos, ondas daquele tamanho não podiam acontecer naquele mar, naquele dia. E, no entanto, aconteceram.

A pergunta básica, portanto, mudou. Antigamente os cientistas queriam saber se essas ondas existiam; hoje querem saber por que existem. Faz sentido, e pode fazer diferença. A cada semana, em média, dois navios grandes afundam nos mares do mundo, e até agora a única explicação tem sido “mau tempo”.

É atrás dessas ondas aberrantes que Susan Casey mergulha em “A onda” (Zahar, tradução de Ivo Korytowski). Ela conversa com as pessoas que mais entendem do assunto: cientistas de diferentes áreas ligadas ao oceano, marinheiros e surfistas de tow-in, a começar por Laird Hamilton, lenda viva do esporte.

Este é o livro perfeito para quem gosta do mar, com a vantagem de poder ser lido confortavelmente no alto de uma montanha, bem longe da água. Em qualquer circunstância, porém, causa arrepios genuínos e nos faz pensar em muitas coisas interessantes.

* * *

Certos clichês são inevitáveis; no caso da cidade erguida por Henry Ford na Amazônia, a realidade de fato supera a ficção. Se Greg Grandin tivesse tirado “Fordlândia” (Rocco, tradução de Nivaldo Montingelli Jr.) do nada, seria acusado de tal série de incongruências e exageros que seu livro viraria objeto de ridículo. Como, ao contrário, ele foi buscar os fatos, acabou por criar uma obra assombrosa, que se lê com avidez e espanto.

Imaginem o cenário: uma perfeita cidade americana, dividida em quarteirões regulares, com campo de golfe, pavimento, calçadas e hidrantes vermelhos, plantada às margens do rio Tapajós. O mais inusitado é que, por trás do empreendimento capitalista (a plantação de seringueiras), havia uma corrente moralizante, ditada pelo próprio Ford -- que, entre outras esquisitices, obrigava as crianças da cidade a beber leite de soja, porque não gostava de vacas.

“Fordlândia” é um épico amazônico clássico, com todos os ingredientes que conhecemos: homens arrogantes e despreparados, apanhando da natureza das plantas, dos bichos e das gentes.

* * *

Tenho outros livros ótimos a recomendar, mas acabei me deixando levar pelo entusiasmo por esses três, e o espaço acabou. A crônica da semana que vem sai dia 23. Sei que fica um pouco em cima, mas vou trazer outras sugestões. Afinal, todo mundo sempre deixa tudo para a última hora, é ou não é?

(O Globo, 16.12.2010) 

15.12.10

Natal Digital



Acho que esta ótima mensagem é filhote do anúncio do Google no Superbowl.
Se vocês não conhecem, vale a pena ver de novo:

13.12.10

iPad: filosofia e acentos



Quando um amante de gadgets encontra um über-gadget como o iPad, é natural que gaste boa parte do tempo pensando e falando sobre o seu brinquedo. Dura um tempo, mas depois passa; sei disso, porque já me aconteceu algumas vezes. Se você não tem iPad nem está interessado no assunto, peço perdão antecipadamente e sugiro que pule esta coluna. Prometo que semana que vem falo de outra coisa.

Tenho pensado muito, por exemplo, no que torna o iPad tão irresistível. Qualquer teoria sobre um gosto, ainda que coletivo, é só isso mesmo: uma teoria. Mas acho que parte do encanto do iPad é a sua portabilidade e a “cumplicidade” que ela gera entre usuário e gadget. Um computador de mesa, por exemplo, mesmo quando usado individualmente, não transmite qualquer sensação de intimidade. A tela é grande, fica sempre a uma certa distância e pode ser vista por quem estiver de passagem. O notebook chega mais perto do usuário. A tela é menor e mais próxima, e a máquina pode ser carregada, o que a torna mais pessoal; mas mesmo os notebooks mais leves não estão sempre a postos como o iPad, primo-irmão de celular e, consequentemente, permanentemente “aberto”. 

Também não se pode subestimar a sua simplicidade. Em tese, ele pode fazer tudo que um computador faz nas horas vagas, usando a ótima interface que o iPhone tornou conhecida, e dispondo do mesmo rico manancial de aplicativos. Como acontece com os smartphones, ele se adapta ao gosto e às necessidades do freguês e, como todo computador, define-se muito mais pelo software que escolhemos do que pelo hardware. Embora, como bom produto Apple, seja bonito mesmo desligado.

Além de filosofar a seu respeito, de procurar aplicativos e de brincar com fotos, o que é que mais tenho feito com o iPad? O mesmo que faço com o iPhone: checar a mailbox. O sistema de email dos dois é ótimo para ler o que chega. Responder são outros 500. No iPhone, o máximo a que chego é dizer que respondo depois. A tela maior do iPad permite escrever melhor, mas não bem; por isso, meu acessório favorito é um pequeno teclado Bluetooth, à venda em qualquer loja Apple (inclusive online) por pouco mais de R$ 200. Esse tecladinho é, como o próprio iPad, uma inutilidade muito útil, que acaba revelando o seu valor quando a gente não quer usar o computador “de verdade”.

O que me impediu de ser completamente feliz com ele, no começo, é que, segundo as intruções que me foram passadas pela autorizada da Apple onde o comprei, escrever em português corretamente acentuado era um exercício de memória e de ginástica digital, que incluia uma exótica tecla Option, seguida de combinações estranhíssimas. Para produzir um mísero A com acento agudo, eu precisava teclar Option e a letra E, para obter o acento; e, na sequência, a letra A. O resultado é que ou trabalhava com uma cola ao lado do teclado ou abolia totalmente os acentos, duas opções igualmente insatisfatórias. Tinha que haver método mais simples para acentuar -- e, claro, há mesmo.

Como imagino que outros proprietários do ótimo tecladinho possam estar passando pelo mesmo perrengue, aí vão as instruções para transformá-lo numa ferramenta acentuadora. Como a maioria dos iPads O primeiro passo é ir para Ajustes > Geral > Teclado > Teclados Internacionais > Português. A partir daí, finalmente, há duas opções importantes. A primeira: “Escolha um leiaute de teclado virtual”. Resposta: QWERTY. A segunda: “Escolha um leiaute de teclado físico”. Aqui é que a porca virtual torce o rabo, porque o padrão, que vem automaticamente marcado com a opção de língua portuguesa do Brasil, é “Brasileiro”. Mas isso corresponde ao padrão ABNT, coisa que o teclado Bluetooth da Apple não é. A resposta certa é “EUA Internacional –PC”. E pronto. Com isso ele passa a acentuar perfeitamente bem. Para fazer as cedilhas, porém, é preciso teclar acento agudo + c.  Essas mesmas instruções valem para o iPhone, que também pode ser conectado ao teclado.

Usar o EUA Internacional é, contudo, uma gambiarra. O Brasil tem um padrão de teclado perfeitamente bom e apropriado, e o mínimo que o usuário podia esperar da empresa é que ela lhe oferecesse a opção de comprar o teclado com o qual está acostumado. O descaso com que a Apple trata o consumidor não combina com o seu esforço em seduzi-lo.


(O Globo, Economia, 11.12.2010) 

10.12.10

Rifa da SOS Gatinhos



A SOS Gatinhos está com uma linda rifa de fim-de-ano: um Diploma Oficial de Gateir@, obra da artista Mariana Martins. A rifa está sendo realizada para ajudar a comprar ração, fazer castrações e pagar demais despesas com veterinário, e, também, para quitar as dívidas de empréstimos no Itaú, contraidas para pagar comida e tratamento não só dos felinos clientes da casa, mas de seis cãezinhos resgatados.


As regras da rifa são as seguintes:


· Rifa de cartela; os números vão de 00 a 99;

· Cada dupla de números custa R$ 20,00. Os números serão vendidos em dupla para o sorteio sair mais rápidoAs reservas duram 3 dias;
· O resultado da rifa será baseado no resultado da Loteria Federal em dia previamente agendado;

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9.12.10

Uma carta e um filme


  
Luis Ernesto Meireles, que leu a crônica da semana passada, deixou um depoimento comovente no blog. Não deixem de ler. O que ele diz é simples, bonito e verdadeiro:

“Sou um quase cinqüentão, nasci e cresci no subúrbio (no lado pobre do Méier) e conheci um monte de gente que foi para o tráfico por falta de qualquer outra perspectiva que fosse viável ou digna. Nós éramos um grupo de garotos muito alegres, que brincava na rua de bola, rolimã, pipa (o videogame da nossa geração), mas a nossa "janela de futuro" era, na maioria das vezes, ou curta demais ou degradada. Quando jovem, fui algumas vezes no Morro do Cruzeiro, na casa de um amigo que trabalhava com meu pai, buscar ou pegar alguns documentos ou dar algum recado. Eu chegava e saía sem nenhum problema e, mesmo o tráfico já estando presente (sempre esteve), o que eu via eram senhoras, crianças, homens, velhos, novos, circulando à noite pelas vielas que tinham as portas das casas abertas e onde todos conheciam a todos e davam suporte uns aos outros nas muitas enormes dificuldades. Mas, como você disse de forma certeira: os nossos "contratados" (pelo voto), a quem pagamos salários (com os quais não concordamos), nos abandonaram.

Hoje, depois de alguns golpes da sorte, que me trouxe oportunidades que eu não suspeitava, consigo pagar minhas contas e morar “do lado de cá” da cidade. Mas faço questão de continuar a conhecer a cidade inteira e de não me deixar amedrontar em demasia. Recentemente, tentando me aproximar de uma iniciativa da qual gosto muito, fui conhecer por dentro a favela de Vigário Geral. Almocei na casa da Chupetinha ao lado de jovens homens (armados com pistolas e fuzis) que eram todos, todos mesmo, a "cara" dos meus amigos de adolescência e juventude. Eu poderia, sem muita dificuldade, ser um deles. Eu tive muitos colegas de rua que viraram um deles. Aquele era o trabalho deles e as conversas, sobre futebol (com as "zoações" que não podem faltar nas divergências entre torcidas), sobre mulheres, sobre discordâncias em relação às preferências musicais de cada um, sobre bobagens e trivialidades, todas elas eram conversas que poderiam ser travadas no Braseiro, na Gávea. Poderiam, por serem eles, naquele momento, não os facínoras que matam e seqüestram, mas os caras com quem eu dividia o litrão de refrigerante. 

Sei que o que fez a enorme diferença para que eu não fosse um deles foi o fato de que a minha mãe, mesmo sendo pobre e tendo que ralar muito (vendendo bijuterias em banheiros de repartições públicas), nunca abriu mão de que estudássemos em boas escolas. Podíamos não ter nada, e às vezes não tínhamos sequer o que almoçar direito, mas não nos faltavam o uniforme, os livros, os cadernos e alguns lápis. Eram todas escolas municipais ou estaduais (escola particular, nem pensar, mesmo que muito de longe). Eram as últimas que ainda "prestavam", o que fazia com que nos deslocássemos todos os dias de ônibus para poder estudar, mesmo longe de casa. 

Tobias Monteiro e Thomas Mann, no Cachambi, José Veríssimo, no Rocha, deixaram marcas indeléveis no cidadão que me tornei.”

* * *

Um dia, Alfie (Anthony Hopkins), na flor dos seus setenta anos, chega à conclusão de que a mulher Helena se deixou envelhecer, e sai de casa em busca da eterna juventude. Ganha uma ação ao portador do Banco Panamericano quem adivinhar que Alfie estará perdido, sentimental e financeiramente, ao encontrar uma garota de programa jeitosa. Woody Allen já criou ótimas garotas de programa, mas Charmaine (Lucy Punch) não está entre elas. É um clichê ambulante, o que talvez explique o desempenho medíocre de Hopkins: como contracenar com uma caricatura?

Helena (Gemma Jones, na melhor atuação do filme) vai buscar consolo com uma vidente que lhe diz as coisas que quer ouvir – e que ela corre a repetir para a filha e o genro, para desespero de ambos. Esse é outro casal que não vai bem. Roy (Josh Brolin) está em crise: escreveu um bom livro mas nunca mais conseguiu acertar a mão. Sally (Naomi Watts) se interessa pelo chefe (Antonio Banderas) e se angustia com a inércia do marido que, enquanto isso, observa pela janela a vizinha maravilhosa (Freida Pinto).

Encontros e desencontros de casais neuróticos e seres humanos fazendo besteiras variadas são temas recorrentes de Woody Allen; surpresa nenhuma aí. Surpreendente é que os personagens deste filme sejam tão unidimensionais e mal-ajambrados; não há como desenvolver um mínimo de empatia por qualquer deles. O caso mais sério é o de Josh Brolin, tão deslocado no seu papel quanto Kenneth Branagh em “Celebridades”.

Como em “Dirigindo no escuro”, em que construiu um filme inteiro a partir de uma piada, Woody Allen constrói tudo, aqui, a partir de um conto moral, de uma falha ética monstruosa; mas “Dirigindo no escuro” tinha Woody Allen no elenco e meia dúzia de situações engraçadas. “Você vai encontrar o homem dos seus sonhos” tem muito pouco, além da conclusão de que só os idiotas completos são felizes.

Este é, talvez, o pior Woody Allen que já vi (não foi por acaso que citei “Dirigindo no escuro” e “Celebridades”). Ainda assim, há diálogos inteligentes e assiste-se a tudo com um vago interesse, imaginando aonde aquilo vai dar. É triste perceber, depois de 98 longos minutos, que não dá em nada; mas mais triste é constatar que mesmo o pior Woody Allen ainda é melhor do que 90% dos filmes que têm chegado às telas.   


(O Globo, Segundo Caderno, 9.12.2010) 

6.12.10

A inauguração da árvore, filmada com o iPhone

Recado da Laura: IMPORTANTE!



"Na segunda feira dia 06 de dezembro a Orquestra Barroca da UNIRIO vai fazer um concerto especial: será para instituir finalmente a Associação de Amigos da OBU!

Horário? 20hs, no CCJP (Centro de Ciências Jurídicas da UNIRIO) na rua Voluntários da Pátria 107, no auditório do quarto andar.

Entrada? Franca e risonha.

Queremos a presença de todos, muito especialmente daqueles que contribuiram para o conserto do nosso cello. Mas todos, todos mesmo são bemvindos. Ficaríamos muito felizes se vocês nos dessem a alegria de participar deste momento da história da Orquestra. 

Estamos fechando o ano com chave de ouro, em todos os sentidos. Depois de usarmos a Igreja de São João Batista da Lagoa como sede, a minha casa e até a casa de Mamãe como local de ensaios, encontramos no CCJP um local de ensaio simpático e prático, uma verdadeira casa dentro da nossa Universidade.

A tranqüilidade proporcionada por uma sede fixa para a Orquestra já rende frutos: estamos crescendo e melhorando a cada semana. Tivemos um número recorde de concertos este ano e ainda temos tres apresentações até o fim de 2010. A Orquestra viajou para outras cidades, e fez um bonito, representando a UNIRIO.

O apoio do nosso público, e particularmente  o carinho dos amigos aqui do internetc., têm sido fundamentais para a gente. Venham comemorar as conquistas do ano que se encerra e participar dos planos para 2011.

Prometemos boa música e a melhor das companhias."

4.12.10

iPad, a máquina fotográfica







Quando comecei a pesquisar os aplicativos de fotografia para o iPad, na quinta, começo da tarde, eles eram 925. Quando terminei, noite adentro, já eram 926. Sou de um tempo em que a gente conhecia, pelo menos de ouvir falar, todos os softwares comerciais existentes, e não sei se consigo me acostumar a ver um novo aplicativo por dia, numa única categoria. Digo “um aplicativo” mas possivelmente serão dois ou três, porque categoria de aplicativo na Appstore não é ciência exata. Será que alguém precisa disso tudo?

Tendo passado um pente fino nos 926 acima mencionados, posso responder, com toda a convicção, que não. A maioria são portfólios de fotógrafos correndo atrás dos seus 99 centavos de dólar com conjuntos de trabalhos muito irregulares, ou coleções de paisagens e temas variados para uso como wallpaper. Qualquer passeio pelo Flickr revela, de graça, mais talentos do que os que estão lá. Não por acaso, há incontáveis aplicativos para passear e/ou fazer buscas pelo Flickr, mas a sua razão de ser me escapa: acho mais simples usar o Flickr... no Flickr, oras.

Ainda assim, é claro que, entre quase mil aplicativos, há jóias especiais. Um dos meus favoritos, que eu já tinha comprado para o iPhone (e recomendado na saudosa Revista Digital) é o Color Splash. O que era bom ficou ótimo, pois a telinha do iPhone tem limitações para o acerto de detalhes delicados com a ponta dos dedos. O Color Splash é um brinquedo maravilhoso, ótimo para passar o tempo: ele permite que a gente separe, na mesma imagem, áreas em cores e em P&B. Dependendo do tema, o resultado pode ficar muito bom. Custa dois dólares.

Dos aplicativos multi-tarefa, gosto especialmente do Photogene, que faz quase tudo o que a gente pode precisar fazer com uma foto: corta, endireita, corrige olho vermelho, aplica filtros, tem molduras bonitinhas e faz reflexos elegantes, permite adicionar texto com diferentes fontes e ainda sobe o trabalho pronto direto para as redes sociais. É o próprio Bombril, com suas mil e uma utilidades. Custa quatro dólares, uma das melhores relações custo x benefício da praça. Para usuários mais sérios, que gostam de controlar cada pixel e tiram o Photoshop de letra, a alternativa é o Filterstorm. O preço é o mesmo.

No universo dos aplicativos gratuitos também há coisa boa. O PhotoPad é um multitarefa esperto, que corrige cor, permite corte e muitas outras bossas. Facílimo de usar.  Na mesma linha, o Photoshop Express também oferece boas oportunidades de brincadeira; embora seja também da Adobe, que faz o Photoshop “de verdade”, não deve, nem por um momento, ser confundido com o parente rico e velho.

O mais comum, porém, é encontrar pequenos programas que se dedicam, bem, a uma única tarefa. O Photo Mess, por exemplo, tem uma única finalidade, criar colagens, mas a executa com competência e rapidez. É ótimo para fazer painéis com múltiplas fotos. Já o Seurat transforma fotos em obras pontilhistas.

O Foto Frame é uma espécie de slide show com um uma moldura branca discreta e bonita, feito para ser usado quando o iPad estiver desempenhando funções de porta-retrato. Demora séculos para carregar as fotos, mas o efeito final é bonito, ainda que seja maldade relegar um iPad a tarefa tão comezinha.

O Impression, por sua vez, acrescenta uma marca d’água às fotos. Permite escolher tamanho das fontes e grau de transparência. Pode ser útil para quem tem medo de ver seu trabalho capturado na rede sem mais nem menos.

Infiltrados na categoria de Fotografia, o Doodlelicious e o Light Box estão, ambos, mais para desenho. O Doodlelicious é, essencialmente, uma caixinha de ferramentas para desenhar que permite usar fotos como fundo; o Light Box carrega fotos numa camada inferior, para que o candidato a artista possa desenhar usando-as como base. Os dois são divertidos, pelo menos por uns tempos.

Como todo mundo já disse, e eu repito, o caminho mais fácil para tirar boas fotos é ver boas fotos. Pesquem, portanto, a Reuters Galleries, que traz sempre um apanhado do que se fez de bom em fotojornalismo ao longo do dia.

Finalmente, uma última dica: o Photo Transfer App, jeito mais fácil de transferir fotos entre iPhone, iPod, iPad e computador. Este, infelizmente, é pago (três dólares) mas é uma mão na roda: usa a rede wifi da casa, dando um perdido no insuportável iTunes.


(O Globo, Economia, 4.12.2010) 

2.12.10

Grandes esperanças




 A imagem dos traficantes fugindo, apavorados, pela estrada de terra, é a imagem mais forte da guerra: lá iam os canalhas que não hesitam em assaltar, fazer arrastões, ferir e matar gratuitamente. Vermes, todos eles, covardes quando despidos das armas e dos números que fazem a sua força. Bandidos pé-de-chinelo, no sentido mais literal da expressão. E, no entanto...

* * *

 Meus netos gêmeos passaram aqui no domingo. Estão com um ano e três meses, andam para todos os lados e fazem as gracinhas típicas da idade. São lindos e engraçados, inocentes das maldades do mundo. Querem carinho e atenção, como todas as crianças, e processam o que vêem à velocidade da luz. São pequenas páginas em branco em que a vida vai, gradativamente, escrevendo as suas histórias.

Os dois têm a sorte extraordinária de terem nascido no seio de uma família bem estruturada, que pode lhes dar amor, comida adequada e educação. Nada fizeram para isso, exceto acertar na grande loteria da existência.

Poderiam igualmente ter nascido no Complexo do Alemão, numa família sem amor e sem recursos ou, eventualmente, em família nenhuma. Poderiam ser filhos dos miseráveis que fugiam desesperados de um morro a outro. Poderiam, em alguns anos, ser aqueles miseráveis. 

* * *

 Não tenho pena de assaltantes e de assassinos, mas não consigo deixar de ter pena das crianças que um dia eles foram. Ninguém pede para nascer numa comunidade abandonada, de onde o poder público se retirou há décadas. Vejo o olhar confiante dos meus netos e imagino o mesmo olhar em crianças cuja confiança será traída a cada passo, cuja esperança será destruída antes mesmo que saiam da primeira infância.

Caso sobrevivam, que opções encontrarão pela frente? Quem lhes ensinará um ofício, quem lhes explicará que o crime não é um meio de vida correto e aceito, quando, à sua volta, todos se curvam ao poder dos criminosos? 

* * *

 Não acho que “a culpa é da sociedade”. A “sociedade” trabalha como um camelo e paga cada vez mais impostos, exatamente para que os gerentes que elege para cuidar do coletivo possam construir e manter escolas e hospitais, organizar e vigiar a polícia, prestar atenção à urbanização e assim por diante. A culpa tem nome, endereço e CPF: todo governante, todo político que desviou dinheiro, que fez acordo com o crime, que preferiu as pompas do poder ao trabalho que foi contratado para fazer.

Também não acho que a culpa pela violência seja dos usuários de drogas, teoria tão em moda nos últimos tempos. Parte da humanidade precisa de entorpecentes desde que o mundo é mundo, e há viciados em todos os cantos do planeta sem que, na esteira do vício, se crie essa violência toda. Já escrevi isso aqui uma vez: sou absolutamente careta, não consumo droga de espécie alguma, sequer batata frita do Mac Donalds, mas sou a favor da liberação de (quase) tudo – sem embalagem atraente e, sobretudo, sem propaganda e sem endosso de celebridades. O álcool é tão ou mais prejudicial à saúde do que a maconha ou a cocaína e, no entanto, é vendido livremente – como deve ser. O que está errado é o estímulo constante ao seu consumo. Mas essa é uma longa história, e uma outra crônica. 

* * *

 Como todo mundo que mora no Rio, fiquei primeiro angustiada, e logo aliviada com o desenrolar da guerra. Senti emoção ao ver a bandeira brasileira tremulando no alto de um morro de onde nunca deveria ter metaforicamente saído, e orgulho pelos policiais e pelos militares que conseguiram o que se dizia impossível: a retomada do Alemão sem um banho de sangue. Foi um belo momento, que vai viver na memória de todos nós que, ao longo dos anos, acompanhamos a escalada da violência.

Depois li que o prefeito quer instituir o dia 28 de novembro de 2010 como data de refundação da cidade. Com todo o respeito, menos, senhor prefeito, menos. Não diminuindo a importância do que foi feito, penso que ainda há muito a ser realizado até que o carioca possa, de fato, dizer que a sua cidade nasceu de novo. Aí está a Rocinha que não me deixa mentir; mas aí está o próprio Alemão e, sobretudo, aí estão as centenas, se não milhares, de crianças e jovens do tráfico.

Retomar o território dos traficantes é só o primeiro passo – enorme, com certeza, mas, ainda assim, só o começo do que deve ser uma longa caminhada. Os serviços públicos precisam ser regularizados, a população precisa ser atendida nos seus anseios de cidadania. Mas, acima de tudo, as crianças e os jovens têm que receber atenção prioritária das autoridades. Não basta construir escolas; é preciso pô-las para funcionar, e bem, e garantir que nenhuma criança deixe de ir às aulas. A única saída para a barbárie é a educação. 

* * *

 No grande saldo positivo da guerra, há uma história feliz acontecendo no Twitter: o usuário @vozdacomunidade , que tinha cento e poucos usuários no começo da semana passada, passa de trinta mil no momento em que escrevo. Este é o endereço do jornal Voz da Comunidade, que completou cinco anos de bons serviços prestados. Seu fundador, Rene Silva Santos, está hoje com 17 anos. 

Ao longo de todo o cerco, ele foi uma linha direta entre o Complexo do Alemão, onde nasceu e cresceu, e a turma conectada. Fez sucesso: deu entrevistas à televisão, aos jornais e revistas, conversou com repórteres estrangeiros. E, com isso, trouxe o Alemão um pouco mais para perto de todos nós. Valeu, Rene!

* * *

Eu amo o Rio.


(O Globo, Segundo Caderno, 2.12.2010)