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Meus netos gêmeos passaram aqui no domingo. Estão com um ano e três meses, andam para todos os lados e fazem as gracinhas típicas da idade. São lindos e engraçados, inocentes das maldades do mundo. Querem carinho e atenção, como todas as crianças, e processam o que vêem à velocidade da luz. São pequenas páginas em branco em que a vida vai, gradativamente, escrevendo as suas histórias.Os dois têm a sorte extraordinária de terem nascido no seio de uma família bem estruturada, que pode lhes dar amor, comida adequada e educação. Nada fizeram para isso, exceto acertar na grande loteria da existência.
Poderiam igualmente ter nascido no Complexo do Alemão, numa família sem amor e sem recursos ou, eventualmente, em família nenhuma. Poderiam ser filhos dos miseráveis que fugiam desesperados de um morro a outro. Poderiam, em alguns anos, ser aqueles miseráveis.
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Não tenho pena de assaltantes e de assassinos, mas não consigo deixar de ter pena das crianças que um dia eles foram. Ninguém pede para nascer numa comunidade abandonada, de onde o poder público se retirou há décadas. Vejo o olhar confiante dos meus netos e imagino o mesmo olhar em crianças cuja confiança será traída a cada passo, cuja esperança será destruída antes mesmo que saiam da primeira infância.Caso sobrevivam, que opções encontrarão pela frente? Quem lhes ensinará um ofício, quem lhes explicará que o crime não é um meio de vida correto e aceito, quando, à sua volta, todos se curvam ao poder dos criminosos?
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Não acho que “a culpa é da sociedade”. A “sociedade” trabalha como um camelo e paga cada vez mais impostos, exatamente para que os gerentes que elege para cuidar do coletivo possam construir e manter escolas e hospitais, organizar e vigiar a polícia, prestar atenção à urbanização e assim por diante. A culpa tem nome, endereço e CPF: todo governante, todo político que desviou dinheiro, que fez acordo com o crime, que preferiu as pompas do poder ao trabalho que foi contratado para fazer.Também não acho que a culpa pela violência seja dos usuários de drogas, teoria tão em moda nos últimos tempos. Parte da humanidade precisa de entorpecentes desde que o mundo é mundo, e há viciados em todos os cantos do planeta sem que, na esteira do vício, se crie essa violência toda. Já escrevi isso aqui uma vez: sou absolutamente careta, não consumo droga de espécie alguma, sequer batata frita do Mac Donalds, mas sou a favor da liberação de (quase) tudo – sem embalagem atraente e, sobretudo, sem propaganda e sem endosso de celebridades. O álcool é tão ou mais prejudicial à saúde do que a maconha ou a cocaína e, no entanto, é vendido livremente – como deve ser. O que está errado é o estímulo constante ao seu consumo. Mas essa é uma longa história, e uma outra crônica.
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Como todo mundo que mora no Rio, fiquei primeiro angustiada, e logo aliviada com o desenrolar da guerra. Senti emoção ao ver a bandeira brasileira tremulando no alto de um morro de onde nunca deveria ter metaforicamente saído, e orgulho pelos policiais e pelos militares que conseguiram o que se dizia impossível: a retomada do Alemão sem um banho de sangue. Foi um belo momento, que vai viver na memória de todos nós que, ao longo dos anos, acompanhamos a escalada da violência.Depois li que o prefeito quer instituir o dia 28 de novembro de 2010 como data de refundação da cidade. Com todo o respeito, menos, senhor prefeito, menos. Não diminuindo a importância do que foi feito, penso que ainda há muito a ser realizado até que o carioca possa, de fato, dizer que a sua cidade nasceu de novo. Aí está a Rocinha que não me deixa mentir; mas aí está o próprio Alemão e, sobretudo, aí estão as centenas, se não milhares, de crianças e jovens do tráfico.
Retomar o território dos traficantes é só o primeiro passo – enorme, com certeza, mas, ainda assim, só o começo do que deve ser uma longa caminhada. Os serviços públicos precisam ser regularizados, a população precisa ser atendida nos seus anseios de cidadania. Mas, acima de tudo, as crianças e os jovens têm que receber atenção prioritária das autoridades. Não basta construir escolas; é preciso pô-las para funcionar, e bem, e garantir que nenhuma criança deixe de ir às aulas. A única saída para a barbárie é a educação.
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No grande saldo positivo da guerra, há uma história feliz acontecendo no Twitter: o usuário @vozdacomunidade , que tinha cento e poucos usuários no começo da semana passada, passa de trinta mil no momento em que escrevo. Este é o endereço do jornal Voz da Comunidade, que completou cinco anos de bons serviços prestados. Seu fundador, Rene Silva Santos, está hoje com 17 anos.Ao longo de todo o cerco, ele foi uma linha direta entre o Complexo do Alemão, onde nasceu e cresceu, e a turma conectada. Fez sucesso: deu entrevistas à televisão, aos jornais e revistas, conversou com repórteres estrangeiros. E, com isso, trouxe o Alemão um pouco mais para perto de todos nós. Valeu, Rene!
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Eu amo o Rio.(O Globo, Segundo Caderno, 2.12.2010)
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