27.2.11

História pessoal de amor e tédio



Um dia, no distante ano de 1993, cheguei à conclusão de que não queria mais escrever mais sobre tecnologia. A única coisa que acontecia na área eram upgrades periódicos dos programas que se usavam então. A própria internet, apesar de divertida, era fechada e não estava ao alcance de todos. Eu trocava emails com meia dúzia de amigos, participava do fórum rec.pets.cats na Usenet e jogava MUDs, mas cada vez que escrevia sobre essas coisas obscuras recebia cartas de reclamações dos leitores, que em geral não tinham acesso àquilo.

Procurei o chefe da redação, e pedi para mudar de área: a sensação que eu tinha é que, se tivesse que escrever sobre mais um upgrade do Word Perfect ou do Lotus, cortaria os pulsos. Ele compreendeu a situação, mas me pediu para segurar as pontas por mais alguns meses.

E aí começou o ano de 1994, que trouxe consigo os primeiros servidores www brasileiros. A web -- que é, de fato, a internet como a conhecemos hoje – mudou tudo. A área voltou a ficar vibrante e interessantíssima. Havia tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que era impossível dar conta de tudo. Voltei à sala do chefe da redação e disse que tinha mudado de idéia, que amava tecnologia e que não queria escrever sobre outra coisa na vida.

* * *

Ao longo dos dois últimos anos, voltei a sentir a velha sensação dos idos de 93. Os desktops (e notebooks, em menor grau) chegaram mais ou menos aonde tinham que chegar. Viraram objetos do cotidiano, tão comuns quanto fogões ou geladeiras. Todos nós precisamos de fogões e de geladeiras, mas quanto tempo se pode passar escrevendo a seu respeito?

A área dos smartphones continuava relativamente interessante, cheia de lançamentos, mas, com o tempo, todos ficaram muito parecidos entre si – ou eram touch-screens como o iPhone, ou variantes de modelos com teclado, à la Nokia. O tempo dos aparelhos conceituais, que a gente até sabia que não iam dar certo, mas apontavam novas direções muito estimulantes, acabou.

O fortalecimento do Android voltou a dar um gás ao setor, mas, mesmo assim, desde o iPhone não apareceu nenhum aparelho que chacoalhasse a praça. Os HTC foram uma ótima novidade e o Samsung Galaxy S virou um merecido sonho de consumo, mas, de certa forma, o que se vê em termos de hardware é mais do mesmo. Basta dizer que meu celular favorito, a despeito do software ultrapassado, continua sendo o Nokia N95, um produto de 2007. Pessoalmente, acho que a indústria ainda não conseguiu ultrapassá-lo como conjunto de obra.

Pois estava eu novamente pronta a jogar a toalha, quando apareceram os tablets, e mudaram tudo mais uma vez.  O Kindle não vai matar os livros de papel, mas nos trouxe uma forma radicalmente nova de leitura. O iPad não vai matar os notebooks, mas também nos apresentou um jeito inédito de interação com a máquina.  O Samsung Galaxy Tab ainda dá um passo além, juntando televisão e telefone ao pacote, num tamanho que cabe na bolsa, e voilá – estamos diante de um mundo inesperado, que dá seus primeiros passos. A era do tablet mal está começando, e já é uma alegria.

* * *

As comunidades sociais, o grande fenômeno do momento, não são exatamente novidade para quem viveu a internet desde o começo. A rede sempre foi um grande ponto de encontro e, mesmo antes da web, as comunidades da Usenet (que funcionavam à base de letrinhas verdes sobre fundo preto) reuniam gente de toda a parte.

O que o Facebook e o Twitter têm de diferente, mais do que as interfaces fáceis de usar, é o fato de terem nascido num momento em que praticamente toda a humanidade letrada está conectada e, consequentemente, o número de usuários, que gera fatos inéditos como o efeito dominó das revoluções da rua árabe.

Este é, claro, um mundo fascinante, que vai gerar assunto ainda por muitos e muitos anos.

* * *

O resumo da história? Não há área mais interessante do que tecnologia. Quando a gente acha que ela perdeu a graça, que virou linha branca, puf!, surge uma novidade que muda tudo e, mais uma vez, nos prende às suas várias telas, leituras e emoções.
 

(O Globo, Economia, 26.2.2011)

24.2.11

O caçador descansa junto à presa

Visita ao Galeão




Foi só eu avisar que tinha aceitado o convite da Infraero para visitar o Galeão que choveram advertências na minha caixa postal. Havia a idéia geral de que eu não devia fazer a visita guiada pela Infraero, mas sim, sozinha: caso contrário, veria um aeroporto completamente diferente da realidade.

Entendi a preocupação, mas era exatamente essa a minha intenção. O Galeão que está aí eu conheço bem. O que eu queria ver, justamente, era o tal Galeão que a Infraero afirma existir, um grande aeroporto, em obras, preparando-se para o futuro e para oferecer bons serviços.

Fui recebida pelo Andre Luis Marques de Barros, superintendente do aeroporto; pelo Lucinio Baptista da Silva, superintendente regional; pela Silvia Vilanova e pela Debora Mello, da assessoria de imprensa; e mais a Lea Cavallero, que havia respondido à crônica em que eu descascava o aeroporto. Um comitê de recepção e tanto.

Começamos o tour pelo Terminal 2 – não na parte que conhecemos, mas no espaço da foto, que fica atrás da área de embarque e que vai realmente ampliar muito o Galeão. Às 48 atuais posições de check-in do T2 serão acrescentadas outras 64, e às dez cabines da Polícia Federal, outras 28. O piso já está colocado, e o lugar tem um aspecto quase habitável; se fosse um apartamento, eu diria que falta parte dos acabamentos e a mobília. Ficará pronto no ano que vem.

* * *

Não recebi apenas advertências na mailbox. Recebi também incontáveis queixas, reclamações e sugestões de perguntas a serem feitas às autoridades competentes. Levei várias dessas broncas comigo. A Luciana Misura, por exemplo, que tem uma filhinha pequena, fica particularmente indignada com o tamanho dos banheiros e com a ausência de fraldários:

“Por que a área de embarque não tem um fraldário? Passamos pela Polícia Federal, segurança e, enquanto esperávamos o embarque começar, Julia sujou a fralda. Fomos informados que não tem lugar para trocar uma fralda!”

Segundo André Luis, a questão dos banheiros está na ordem do dia. Há lojas fechadas ao lado dos atuais, cuja área será incorporada a eles. Com isso se ganhará espaço e um bom fraldário na área de embarque. A Infraero, me disse ele, tem o maior interesse em passar o máximo de serviços possível para as áreas restritas, porque o público que circula nas áreas gerais não respeita nada.

-- Nós instalamos 180 ganchos nos banheiros para as senhoras pendurarem as bolsas e, num único fim-de-semana, foram todos roubados, -- lamenta o superintendente. – O material de serviço desaparece, as torneiras são levadas, o que pode ser carregado geralmente é.

Mais tarde, passando por um dos banheiros (que, aliás, estava bem limpo) vi um daqueles cheirinhos de ambiente fechado numa gaiola de madeira trancada a cadeado. Tive que ser solidária com a turma da Infraero. Trabalhar assim é difícil.

* * *

“Terça, num vôo de Lisboa para o Rio, esperei 90 minutos pelas minhas malas, -- reclamou a Celina D’Araujo. -- A esteira rodava com malas esparsas, parava de vez em quando. Onde estão os funcionários? É de fato um abuso!”

Lucínio Baptista da Silva, o superintendente regional, me explicou que um dos grandes problemas da Infraero é levar a culpa por atrasos e transtornos causados aos passageiros por outras empresas e agentes – no caso específico da Celina, a inspeção da Vigilância Sanitária. Passageiros que chegam ao Brasil procedentes da Peninsula Ibérica correm mesmo o risco de esperar horas pela bagagem, porque, de cada dez malas, constatou-se que seis contém queijos ou presunto, cuja entrada é proibida no país. Já quem chega de Miami enfrenta a mesma demora, causada, porém, pela Polícia Federal, que passa mala por mala pelo Raio-X em busca de contrabando.

A Infraero também leva a culpa quando há poucos agentes na imigração, quando aviões param em posições remotas e quando os passageiros têm que esperar dentro dos aviões pelos ônibus para levá-los ao terminal.

-- Nós temos ônibus de sobra, -- disse André Luis. – Cabe às companhias aéreas prever a quantidade de ônibus de que vão necessitar, e solicitá-los em tempo hábil. Só pedimos um mínimo de organização. Quando ele não acontece, sobra para o aeroporto. Mesma coisa em relação às malas, cujo manuseio também é de responsabilidade delas.

As esteiras, campeãs de reclamações, são mesmo umas porcarias. Mas – isso eu vi – estão sendo trocadas. No dia em que fui ao aeroporto, a primeira nova esteira do Terminal 1 estava em fase final de instalação. Ainda esse ano, garante a Infraero, o problema estará resolvido: as novas esteiras ocupam uma área maior e as malas ficarão rodando à vista dos passageiros, sem sumir por trás da cortina.

Outros campeões de reclamações, os elevadores e aparelhos de ar refrigerado, também estão em vias de troca. Por causa disso, algumas áreas de elevadores têm estado isoladas e há dias em que o ar, em certos setores, não funciona. Vi as caixas desses trambolhos todos por lá, andei num dos elevadores novos e vi vários novos aparelhos de ar já instalados.

* * *

Fiquei bem impressionada com as obras. Acho que vamos continuar nos irritando ainda por uns tempos, mas, se tudo correr bem, teremos um aeroporto bastante direito no fim do ano que vem. Resta saber se o governo do estado está interessado nisso e se vai fazer a sua parte. Vale lembrar que, entre outras coisas, aeroporto sem bom transporte público para a cidade que serve é sempre péssimo para o usuário, independentemente de quantas camadas de mármore tenham as suas colunas.  


(O Globo, Segundo Caderno, 24.2.2011)

22.2.11

Ovos cozidos


A Vanessa sempre desenha carinhas nos ovos que deixa cozidos, para diferenciá-los dos crus. Eu adoro as carinhas que ela faz.

19.2.11

Fotolog em miniatura




Em outubro do ano passado, foi lançado um pequeno aplicativo fotográfico para o iPhone, o Instagram. Parecia ser apenas mais um entre uma espécie particularmente fértil nos jardins da Apple, a dos filtros que dão um trato às fotos precárias do aparelho. Como o Camera Bag, para ficar num só exemplo, ele também traz um conjunto de filtros capazes de dar um ar retrô e interessante ao produto chinfrim das câmeras que equipavam os iPhones até sua última versão, a 4, de cujos 5 Megapixels ninguém pode se queixar.

Mas o Instagram é muito mais do que um pacote de filtros. Na verdade, eles são só o detalhe por trás do qual se esconde uma ferramenta de compartilhamento e uma vibrante comunidade de fotógrafos: em dezembro o Instagram já havia sido baixado por um milhão de usuários e, agora, está perto de chegar aos dois milhões.

O segredo é a simplicidade da coisa. Tira-se uma foto com o Instagram, ou pega-se uma das que já estão armazenadas no iPhone; escolhe-se um filtro (uma das alternativas é “normal”, ou seja, a imagem segue como nasceu) e clica-se OK. No mesmo instante, ela pode ser visualizada no iPhone de quem quer que tenha o programa instalado e seja seguidor de quem a enviou. Com a mesma velocidade, o Instagram pode subir fotos para Twitter, Facebook, Flickr, Posterous, Tumblr e Foursquare. Quem quiser pode adicionar tags às imagens, o que facilitará a sua integração a grupos semelhantes; por exemplo, #gatos, #Rio de Janeiro, #carnaval.

Uma vez no ar, as fotos podem ser curtidas pelos usuários do sistema e receber comentários. No painel do Instagram podem-se ver as mais populares (um bom meio para descobrir outros fotógrafos e passar a segui-los) e checar a quantas anda a nossa própria produção no gosto dos colegas.

O sistema lembra o antigo Fotolog, primeira comunidade de compartilhamento de fotos a fazer sucesso na internet. Ainda tem o que crescer e o que melhorar, mas isso fatalmente acabará acontecendo, já que os desenvolvedores receberam um bom aporte financeiro para, entre outras coisas, desenvolver uma versão Android.

O Instagram é gratuito e assim pretende permanecer. É possível que, no futuro, passe a cobrar por novos pacotes de filtros, por exemplo, ou algum tipo de funcionalidade extra – uma forma simpática e democrática de, perdão pela palavra, “monetização”.

Se você tem um iPhone e ainda não usa o Instagram, não perca mais tempo. Vá à Appstore, baixe o bichinho e entre na onda mais divertida do seu aparelho.

* * *

Por falar em iPhone: com o carnaval aí na esquina, surgem as apps da temporada. O Pocket Samba, gratuito, traz três instrumentos fundamentais para um bom batuque: caixinha de fósforos, agogô e garrafa de cerveja. Os dois primeiros usam-se batendo dedo, sendo que a caixinha de fósforos também pode ser sacudida, e a garrafa de cerveja tem que ser soprada no microfone, como a nossa velha conhecida Ocarina. Muito legal! Um conjunto de três iPhones bem harmonizados certamente há de produzir um barulhinho bom.

Outra  app, também gratuita, é o Samba Matchbox, caixinha de fósforos com três batidas diferentes e, de quebra, a gravação do samba enredo da Mangueira. O patrocínio é da Unimed.

* * *

Pegou absurdamente mal entre os usuários da Nokia a parceria com a Microsoft. Segundo os analistas mais desapaixonados, a união pode servir para conquistar uma fatia do mercado americano, viciado em Windows; acontece que a base mais fiel da Nokia não está nos Estados Unidos, e sim na Europa, onde a Microsoft é detestada. O Symbian já estava defasado, é verdade, e não sei até que ponto o MeeGo -- sistema que vinha sendo desenvolvido em parceria com a Intel -- poderia salvar a situação, mas a lógica teria sido fechar com Android, um sistema bom, aberto, que cresce a olhos vistos. Para quem argumenta que os europeus são fracos em apps, a mina de ouro dos smartphones, tenho apenas duas palavras: Angry Birds. Os passarinhos furiosos, que foram a sensação de 2010, são tão finlandeses quanto é a Nokia. Ou, melhor dizendo, quanto era a Nokia.


(O Globo, Economia, 19.2.2011)

Prontos para a folia


17.2.11

40 anos



Tive a minha crise dos 30 anos aos 40: Freud há de ter explicação para isso. Foi feia a coisa. Achei que a vida tal qual a vivia terminava ali, que nada mais me aconteceria de emocionante, que as possibilidades de aventura estavam esgotadas e todas aquelas besteiras que a gente mete na cabeça quando tem imaginação demais e bom senso de menos.

Dado que a vida estava encerrada, decidi que, antes de me dedicar de vez ao tricô e ao crochê, estava na hora de 1) aprender a mergulhar e 2) gastar as minhas economias todas, que não eram muitas, mas dariam para comprar um carro. Mas quem queria carro?! Comprei, em vez disso, uma pilha de guias de viagem, e fui para a internet, que já existia na época mas não como a conhecemos hoje, e por telnet e outras ferramentas antediluvianas saí pesquisando o mundo. Descobri que os cursos de mergulho franceses eram os melhores, o que foi uma alegria, porque me parecia que as ilhas francesas também o eram; e que o ideal era ir para o Caribe, que fica logo ali. Saint Barth era o que havia de chique, mas, justamente por isso, não me servia: sempre acho que caí no lugar errado quando chego no que há de chique, e a verdade é que caio mesmo.

Saint Martin, em compensação, parecia perfeita. A parte holandesa era sucateada, mas a francesa tinha vida própria: uma pequena aldeia gaulesa cercada de água salgada. Em Grand Case havia inclusive vários restaurantes de chefs que, cansados da rotina parisiense, tinham optado por uma vida mais calma. Por coincidência, em St-Martin  funcionava também a escola de mergulho mais recomendada pelo pessoal da internet, a Scuba Fun Caraïbes (sim, eles também têm mania de dar nome em inglês aos seus estabelecimentos).

Procurei uma agência de viagens, onde, pela primeira e única vez na vida, comprei uma passagem de primeira classe – coisa que só alcanço, de vez em quando, a custa de milhagens. Pedi para ficar no melhor hotel, e nas seguintes circunstâncias: se eu caísse da cama, tinha que cair na areia. Resolvidas essas questões básicas, juntei dois períodos de férias acumulados, fiz as malas e fui embora.

O aeroporto de St-Martin, que talvez seja um dos mais fotografados do mundo, é uma sensação: o avião aterrissa praticamente na praia. Quando desembarcamos, fizeram-se duas filas na imigração, a do pessoal que ficaria em St-Martin, e a do  que seguiria para St. Barth. Na primeira, um povo parecido comigo, mais puxado pro hippie fino; na segunda, muito salto alto, muitas mulheres espetaculares, muitas bolsas e malas de griffe. Fiquei feliz por estar na fila certa.

Seguindo o conselho de um amigo de internet, aluguei o menor carro que encontrei; por incrível que pareça, já naquela época havia engarrafamentos em St-Martin  e achar estacionamento era um problema.

O hotel era realmente lindo e, dito e feito, meu quarto ficava exatamente em frente ao mar. A única coisa que me separava da praia era uma pequena varanda. Logo liguei para a Scuba Fun e, no dia seguinte, estava devidamente matriculada na escola. Aprendi a mergulhar em uma semana. O resto do tempo passei fazendo mais e mais divertidos mergulhos, tirando outros certificados, indo e vindo de ilhas vizinhas. Fiz bons amigos na ilha, dos instrutores e alunos da escola, ao padre da paróquia de Marigot.

Descobri o padre por acaso. Uma das estações de rádio locais que eu ouvia no carro era fantástica, só tocava música clássica e música clássica bem escolhida. O locutor tinha uma voz de anjo e fazia excelentes comentários. Um dia parei numa venda onde o rádio estava sintonizado nessa estação, e comentei com o dono a qualidade do que ouvíamos.

-- Essa é a rádio do padre, -- disse ele. – Vá à igreja conhecê-lo, é uma figura.

Fui. O reverendo Cornelius Charles, originário das Bahamas e azul de tão negro, era um homem imponente e gentil. Disse que conversaria sobre a rádio com todo o prazer, desde que eu assistisse à Missa no domingo. Expliquei que, não acreditando em nada, não faria sentido para mim ir à Missa, mas ele insistiu:

-- Você vai gostar.

Pois tinha razão: gostei mesmo. Acontece que mais da metade da missa era cantada pelo próprio padre, uma das melhores vozes que já ouvi, em qualquer lugar. Depois jantamos juntos na casa paroquial, servidos por duas freiras sorridentes, e ele me contou a história da rádio, que fica para outro dia. Dali em diante, sempre que estava nas vizinhanças, parava na igreja para um café e dois dedos de prosa.

Deixei St-Martin  com muitas saudades. Voltei à ilha várias vezes, para mergulhar, rever os amigos e comer em Grand Case. O reverendo Cornelius Charles, porém, foi transferido para Guadaloupe, e eu nunca mais soube dele.

* * *

Essas lembranças me voltaram porque, na segunda passada, o Paulinho, meu filho, fez 40 anos. Não posso dizer que tenha sido uma surpresa -- eu estava lá quando ele nasceu, e me lembro da data -- mas foi, sem dúvida, um choque e tanto. Paulinho com 40 anos?!

Está na hora de tomar uma atitude! O pior é que mergulhar eu já mergulhei, gastar o dinheiro já gastei... Talvez o melhor mesmo seja ficar quieta no meu canto, curtindo a felicidade e o orgulho de ter produzido um bípede tão generoso, íntegro e batalhador.     

Ou, enfim, aprender tricô.


(O Globo, Segundo Caderno, 17.2.2011) 


PS -- A foto dessa semana é do Paulinho, e a modelo é a Alicia.

14.2.11

Parabéns, Paulinho!


Como quem acompanha este blog já sabe, ando levando muitas tijoladas desde o começo do ano: a vida está sofrida e complicada. Mas, quando as coisas ficam feias de verdade, eu penso nos meus filhos, e o meu coração se enche de alegria: não é qualquer um que tira dois bilhetes premiados, um atrás do outro. 


Paulinho, que vocês conhecem menos do que a Bia por causa da distância -- ele mora em Austin, no Texas -- é uma felicidade só. É um rapaz à moda antiga -- batalhador, bom pai, bom marido, bom filho, bom neto. Tem sorte, casou com uma moça inteligente e linda, com quem se dá às mil maravilhas, e com quem teve três filhotes maravilhosos (diz a avó mais imparcial do mundo). Além de tudo, tem um senso de humor imbatível: todo mundo fica feliz quando ele chega, e nossos encontros acabam sempre em gargalhadas (depois, claro, vem a choradeira da despedida, mas aí é outra história).


Pois este meu filho tão querido faz hoje 40 anos. Não posso dizer que seja uma surpresa (eu estava lá quando ele nasceu, e me lembro da data) mas é, sem dúvida, um choque: Paulinho com 40 anos?! Caramba, como o tempo passa!


Pois que passe por muitos e muitos e muitos anos, e que a vida continue sendo generosa conosco como tem sido.


Parabéns, Paulinho! Que ao longo dos anos você possa ter tanto orgulho dos seus pequenos quanto eu tenho de você, e que eles te tragam tanta felicidade quanto você me traz.   

13.2.11

Onde está Wally?


Toró no alto da palmeirinha


Posted by Picasa

Subi um álbum com fotos da aventura para o Picasa, AQUI.


Em tempo: ele sobe se agarrando ao tronco, que descobri que é de uma espécie de isopor, e desce como dá, ou se pendurando numa folha e caindo de lá, ou escorregando tronco abaixo. Já tentei filmar, mas ele é mais rápido no pulo do que eu na camera.


Já dei uma bronca séria:


-- Se você continuar fazendo isso, se continuar subindo na palmeirinha, se você quebrar essa palmeirinha...








...vou ter que comprar uma palmeirinha nova.

Onde está Wally?

12.2.11

Fotos voadoras




O ser hi-tech é, essencialmente, um comodista. Para fotografar antes das digitais era preciso carregar o filme na máquina, revelá-lo e fazer cópias das fotos – e todos achavam isso perfeitamente normal. Hoje, já reclamamos do “trabalho” de conectar a câmera ao computador, ou de ter de tirar o cartão da máquina para que possa ser lido pelo notebook...

Se ficasse só por isso, já era um desaforo; mas se você é como eu, muitas vezes as fotos passam semanas no cartão da câmera, porque já tivemos a satisfação – a tal “gratificação instantânea” – de vê-las no display, e ainda há espaço de sobra no cartão para muitas e muitas mais.

Pois é aí que entra uma pequena maravilha da tecnologia chamada Eye-Fi (www.eye.fi), um cartão SD aparentemente comum, que grava as suas fotos como qualquer outro, mas que, além dessa função corriqueira, conecta-se à rede wi-fi da casa (ou qualquer outra para a qual tenha sido programado). 

Funciona assim: você sai, fotografa (ou filma) à vontade, volta para casa e liga a câmera. Em dois tempos, o Eye-Fi transfere o conteúdo do cartão para o PC. Comprei um de 4Gb pelo e-Bay e, sinceramente, não sei como vivia antes dele.
A marca ou modelo de câmera utilizados não fazem qualquer diferença; mas, pelo sim pelo não, a página da Eye-Fi tem informações completas sobre todos os tipos de câmera compatíveis e, pelo que percebi, oferece suporte em casos de incompatibilidade.

A programação do cartão é feita no computador, onde se pode especificar para qual diretório as fotos ou vídeos devem ser transferidos e, também, programar várias opções de nuvem, da distribuição automática via Flickr, Facebook ou uns vinte serviços semelhantes a espaços mais discretos, como Picasa ou a própria Eye-Fi, que tem um bom sistema de backup online. Também é possível escolher quais imagens serão transferidas, quais não.

Independentemente disso, fotos e vídeos permanecem no cartão, a menos que se opte pela possibilidade de se ter um “cartão infinito”. Nesse caso, o usuário determina quanto espaço livre quer ter sempre no SD, e o Eye-Fi elimina automaticamente o material mais antigo para manter a proporção. O default é 50%, mas eu, que fotografo a rodo, preferi ter 80% livres.  

Os SD Eye-Fi vêm em três modelos: Connect, Explore e Pro. As duas diferenças entre o Connect e o Explore podem ser resolvidas por meio de upgrades (pagos) posteriores: Geotagging e acesso ao hotspot, que só interessa a quem vive ou viaja muito aos Estados Unidos. O Pro é outra espécie de animal: sobe arquivos RAW e faz transferências ad hoc, ou seja, se comunica  com o notebook do freguês sem necessidade de um roteador wi-fi nas imediações. Os preços nos Estados Unidos vão de US$ 50 (Eye-Fi Connect 4Gb) a US$ 150 (Eye-Fi Pro 8 Gb).

Durante a CES, a Eye-Fi anunciou que, em breve, os cartões poderão se conectar diretamente aos smartphones dos usuários. Isso amplia a mobilidade e as possibilidades de transferência de fotos e vídeos praticamente ao infinito: de onde houver uma rede 3G, o usuário de um cartão Eye-Fi poderá transmitir o conteúdo da sua câmera, seja ela uma modesta compacta ou uma sofisticada DSLR. O melhor de tudo é que, como todos os upgrades da empresa, este também será backwards compatible, ou seja, será oferecido, gratuitamente, a quem já é usuário Eye-Fi. 

Quem tem iPhone pode ter um gostinho da experiência baixando a app Eye-Fi da Appstore. Recomendo, até porque não custa nada.

* * *

Nem só de WikiLeaks vive o mundo das inconfidências. A semana tecnológica foi marcada pelo vazamento de um memo interno em que o CEO da Nokia, Stephen Elop, chama as tropas às falas, reconhecendo que a empresa está perdendo terreno em todos os campos a uma velocidade meteórica. Já não era sem tempo: a Nokia (de que sou fã: continuo usando o N95) parecia viver numa bolha empacada no distante ano de 2007, quando o iPhone foi lançado, e virou o mundo dos smartphones de patas pro ar. A íntegra do memo, para quem lê inglês, está AQUI.  


(O Globo, Economia, 12.2.2011)

10.2.11

Keaton (1991-2011)





Keaton morreu esta tarde, ao meu lado, perto da almofada laranja em que gostava de tomar sol. 


Um dia eu conto umas histórias dela; fomos muito felizes juntas.

Com a palavra, a Infraero



  
Algo estranho acontece no Galeão. Todos nós, viajantes, odiamos o aeroporto – que, misteriosamente, parece ser amado pelos que lá trabalham. É compreensível que as pessoas defendam seu local de trabalho, mas a turma do Galeão o trata como se fosse membro da família. Da penúltima vez que escrevi sobre o aeroporto, há cerca de três anos, recebi um email comovente do Wilson Massa, então seu superintendente. Agora, acabo de receber outro, da Léa Cavallero. Considerando que ela é superintendente de Marketing e Comunicação Social da Infraero, pode-se alegar que não faz mais do que a sua obrigação; ainda assim, como o assunto diz respeito a todos nós, que já sofremos nesse aeroporto, passo a palavra para ela. O email está editado: havia uma lista de consertos e benfeitorias que não cabia aqui.  

“Sobre sua última coluna -- “Um caso antigo” -- em que cita nosso Galeão, gostaríamos de expor alguns pontos. Sei que talvez não tenhamos voz no jornal O GLOBO, ou mesmo que a prezada colunista não entenda nossa angústia ao tentar nos defender de maneira honesta e pontual, para que possamos dar melhor entendimento ao que realmente está se fazendo em prol de um dos nossos principais aeroportos.

A atual gestão da Infraero tem se esforçado ao máximo para recompor o Galeão e devolver aos passageiros um aeroporto plenamente eficiente. Nova gestão? Sim. Muito investimento? Sim. A empresa tem reforçado e priorizado esta meta? Sim. Creia que muito se fez em 2009, mais ainda em 2010 e os planos não terminam em 2011. E, mais uma vez, Cora, vamos garantir a Copa de 2014 e outros eventos. Apostamos e trabalhamos para isso.

Atualmente, a Infraero realiza as obras de finalização do Terminal 2, que compreende a instalação de equipamentos e a execução dos acabamentos em cerca de 50% do prédio, com previsão de término para agosto de 2012. Também está sendo feita a revitalização e modernização do Terminal 1, no qual vários serviços  já foram concluídos. É o caso dos três setores de embarque, entregues entre janeiro e julho de 2010. As reformas incluíram troca do forro e das luminárias, instalação do granito das colunas, nova sinalização vertical, entre outras melhorias.

Para 2011, está previsto o término da substituição de todos os 60 elevadores dos dois Terminais de Passageiros e demais instalações do aeroporto. Além disso, outros serviços programados são a adequação do sistema de pistas e pátios para operação de aeronaves como o Airbus A380, a reforma do sistema de luzes de aproximação e a reforma do Terminal de Exportação e do Terminal de Logística de Carga.

Após o término das obras nos dois Terminais, o Aeroporto do Galeão passará a ter capacidade para processar 26 milhões de passageiros ao ano. Como você mesma comparou com o Aeroporto de Las Vegas, vamos considerar o seguinte: o Aeroporto MacCarran processou, em 2010, 40 milhões de passageiros, dos quais 60% internacionais. O Galeão, no mesmo ano, teve cerca de 12 milhões de passageiros, dos quais menos de 25% internacionais. A cidade do Rio de Janeiro tem cerca de sete milhões de habitantes e Las Vegas, como você citou, cerca de 600 mil. A cidade de Las Vegas, com certeza, deve propor atrativos que justifiquem esses números. Certo?”

* * *

 Mais ou menos, Lea. O Rio é um destino turístico muito mais interessante do que Las Vegas. Que aquela cidade receba tantos milhões de turistas a mais do que nós depõe contra todos os órgãos responsáveis pela divulgação do Brasil no exterior e contra a própria administração do Rio.

Eu não fazia idéia de que passam tantas pessoas anualmente pelo MacCarran. Esses 40 milhões de passageiros satisfeitos apenas comprovam minha percepção a respeito da sua superioridade: ele dá a todos uma sensação de conforto, eficiência e espaço que o Galeão, com pouco menos de um quarto da sua freqüência, não proporciona.

* * *

“Cora -- continua a Lea -- o Aeroporto do Galeão não pode ser considerado o pior. Em nenhum momento. Operamos abaixo da capacidade. Gostaríamos que fosse mais usado pelas companhias aéreas, nacionais e estrangeiras.

Enfim, para finalizar, convido-a para conhecer de perto tudo que foi feito e que está sendo realizado. Nossos superintendentes a receberão para uma visita aos bastidores do Aeroporto e no que for mais preciso para que sua sensibilidade jornalística reflita para uma nova realidade.

Receba um abraço de todos aqueles que acreditam e fazem tudo para que o Galeão seja um orgulho para os cariocas.”

Convite aceito. Vou conhecer os bastidores do Galeão, e depois conto para vocês.

* * *

Millôr diz que viver é desenhar sem borracha. Diz também que é como atravessar uma chuva de tijolos: a gente escapa da maioria deles, mas às vezes um acerta um ombro, às vezes pega meio de lado, às vezes parte um joelho. As marcas das tijoladas vão se acumulando, dentro e fora, até aquele tijolo que acerta em cheio. Gosto dessa metáfora. Acredito em tijolos, e acredito em cacos de tijolo, nas sobras de um tijolo específico destinado a determinado passante que, sem propósito ou querer, acerta os outros à sua volta, aquilo que em linguagem de guerra os angloparlantes chamam de collateral damage.

Não estou simpatizando com 2011. A quantidade de tijolos está acima do suportável.


(O Globo, Segundo Caderno, 10.2.2011)

7.2.11

Vida

Vocês já devem ter lido por aí: Millôrzinho está internado.


Ele está sedado e, por enquanto, os próprios médicos não têm o que dizer. 


A gente torce, se aflige, torce, tem esperanças, se aflige novamente, torce... enfim.

6.2.11

Emergência felina!


Muitos resgatinhos da Serra foram adotados depois da enchente, mas, enquanto isso, aqui no Rio, bichinhos sem conta continuam a ser abandonados. A Vivi tem três filhotes para adoção, um mais carinhoso do que o outro; a Dorothy, uma P&B igualzinha à minha inesquecível Netcat, tem uma característica bem particular: gosta de andar de carro! Vejam o que ela diz a respeito deles:

Chuvisco e Betina (na foto) são dois bebês que nasceram em um local perigoso e foram resgatados com sua irmãzinha. A irmã foi adotada e esses dois anjinhos agora aguardam um lar seguro e uma família carinhosa. Betina é uma gracinha de tão simpática e sociável e Chuvisco um bebezão carinhoso e ronronento. Têm de 2 a 3 meses.


Dorothy é uma gatinha de 6 a 8 meses, mignonzinha e tagarela, conversa sem parar. Também ronrona muito e adora um colo. Gosta de andar de carro fora da caixinha, olhando o movimento..e é de uma doçura que faz qualquer um se apaixonar no primeiro minuto. Está castrada. Castrações dos bebês e vacinas de todos por minha conta

Contatos para adoção: vivianematospf@gmail.com / (21) 9874-1714

Keaton


Posted by Picasa

Desculpem o sumiço por esses dias, mas é que a Keaton não está bem. Teve uma giardíase que descambou para infecção, não quer comer e já emagreceu muito. 


O problema não é grave em si -- Tiziu, por exemplo, tiraria de letra, como aliás tirou; o problema é a idade da minha Einstein felina, que está com 20 anos.


Allecx tem vindo todos os dias dar soro e remédio -- e torcer, junto comigo, para que ela se reestabeleça.

5.2.11

“The Daily”: uma revista diária



O grande assunto do momento no universo da mídia digital é o “The Daily”, primeiro jornal criado especificamente para o iPad. Disponível por enquanto apenas no mercado americano, será grátis durante quinze dias e, a partir disso, custará 99 centavos de dólar por semana. Rupert Murdoch, que está por trás da empreitada, diz que o preço é possível porque foram eliminadas da equação impressão e distribuição, que têm custos altíssimos. O preço é uma bagatela -- mas, ainda assim, o jornal disputa espaço na Appstore com incontáveis ofertas igualmente irresistíveis, de jornais tradicionais com conteúdo aberto a revistas interativas, para não falar em milhares de aplicativos de outros tipos que também estão de olho nos 99 centavos do freguês. Para que o consumidor se disponha a comprá-lo regularmente, portanto, o “Daily”, como qualquer outra publicação, vai ter que conquistar o seu leitor.

No que depender desta leitora, o dólar semanal está, por enquanto, garantido – mas menos pelo conteúdo do que pela forma, e pela curiosidade em ver como ela evolui. É verdade que só li os dois exemplares que circularam até o momento em que escrevo, mas no quesito texto nada no jornal me chamou particularmente a atenção. As matérias são corretas, mas falta personalidade ao conjunto e às suas partes. Nada do que li nesses dois dias me cativou tanto quanto, por exemplo, a singela história de uma galinha roubada, escrita por Elizabeth Giddens e publicada pelo “New York Times” na quinta-feira, dia de estréia do “Daily”; e ainda não usei, uma única vez, o ícone que separa  nossas matérias favoritas. Publicar textos “genéricos” num momento em que, cada vez mais, os leitores buscam personalidades, análise e opinião é, a meu ver, uma opção de risco – mas, de novo, dois dias são pouco para se julgar um jornal recém-nascido.

Com matérias pequenas, inúmeras imagens e a obrigação de satisfazer a um público geograficamente disperso, em termos de estilo o “Daily” podia ser primo do “USA Today”, ou seja, não é um jornal para quem gosta de ler. Em termos de uso dos recursos do iPad, porém, é de fato muito bem resolvido, sofisticado e simples ao mesmo tempo.

Não há nada “revolucionário” na sua apresentação, apenas a aglutinação inteligente de várias das possibilidades oferecidas pela interface do iPad. A navegação pelas páginas, por exemplo, que equivale a uma folheada no jornal, se faz através de um carrossel semelhante ao coverflow do iPod, em que as capas dos CDs do usuário rolam na tela (há também alternativas mais, digamos, convencionais, como um índice geral e links diretos para as várias editorias). Para ver melhor as fotos horizontais, algumas em 360 graus, basta virar o iPad; há vídeos muito bem integrados às matérias, esquemas táticos e tira-teimas dos jogos nos esportes e, para quem está com preguiça de ler o jornal, até mesmo uma apresentação em vídeo do resumo do dia, espécie de primeira página for dummies.

Como todo bom jornal, o “Daily” tem palavras cruzadas, horóscopo, previsão do tempo e Sudoku. As palavras cruzadas são ótimas, suficientemente fáceis para que qualquer anglo-parlante com conhecimento razoável do idioma possa terminá-las sem trauma. O horóscopo é apresentado na página da previsão do tempo (o signo é escolhido nos ajustes). Há uma editoria de fofocas (“Gossip”) e uma que tem tudo a ver com a mídia, “Apps & Games”, sobre jogos e aplicativos para o iPad.

A sensação que se tem percorrendo o “Daily” é mais a de se estar folheando uma revista do que um jornal, o que é perfeito, já que o iPad e as revistas são o casamento ideal em termos de legibilidade e manuseio.

Como todo mundo que se interessa por informação, estou curiosa em ver qual será a reação do público à nova novidade. Mais interessante ainda, porém, será acompanhar as mudanças que os jornais farão nas suas edições online para adaptá-las ao iPad pós-“Daily”.

Em tempo: pode-se ter um gostinho do “Daily” na internet, no próprio site do jornal (thedaily.com) ou numa página independente que já começou a indexar o jornal, e que só Deus e Rupert Murdoch sabem quanto tempo permanecerá no ar, em thedailyindexed.tumblr.com.


(O Globo, Economia, 5.2.2011)

3.2.11

Um caso antigo




O governador Sérgio Cabral reconheceu, enfim, que o Galeão “é uma vergonha para o povo do Rio”. Para quem viaja tanto, demorou a fazer a constatação, evidente até para quem nunca saiu do país. Mas o Galeão não virou o pior aeroporto do Brasil do dia para a noite. Ele é péssimo há tempos, e há tempos cariocas e visitantes reclamam disso. Não é estranho, então, que, em nome deste aeroporto de quinta, o mesmo governador que hoje reconhece o óbvio tenha impedido uma companhia aérea novinha de se instalar no Rio de Janeiro?

Isso aconteceu há muito tempo, há bem uns três anos, mas ainda dói em muito coração carioca. A Azul acabava de ser criada: com 200 milhões de dólares, era a companhia de fundação mais capitalizada da história da aviação mundial, e pretendia se estabelecer aqui -- desde que pudesse operar a partir do Santos Dumont, recém-reformado. De lá, informava-se à época, teria vôos diretos para 22 destinos, grande pedida para quem mora no Rio e não tem jatinho à disposição.

A vontade da Azul de se instalar no Rio era tanta que a empresa chegou a brigar na Justiça pelo direito de voar do Santos Dumont; mas o governador Sérgio Cabral – esse mesmo, que só agora descobriu que o Galeão não presta -- fez o que pode para impedir isso. A desculpa oficial, não sei se vocês lembram, é que o Galeão não podia ser “esvaziado”; o governador preferiu esvaziar o Rio de uma empresa com a qual só tinha a ganhar. A Azul passou a voar de Campinas, São Paulo ganhou uma excelente companhia aérea e nós ficamos a ver navios.

Não sou de guardar rancor, mas, como carioca, até hoje não me conformo com essa história.

* * *

Agora mesmo, no começo do ano, passei pela experiência humilhante de decolar do Galeão e aterrissar no MacCarran, de Las Vegas – um aeroporto internacional digno do nome, grande, confortável, limpo, sempre tinindo. Já perdi a conta do número de vezes que fui a Las Vegas – as maiores feiras de tecnologia acontecem lá – mas não perco a admiração por aquele aeroporto, que vem se mantendo tão bem ao longo dos anos. Há sempre uma novidade qualquer no MacCarran, que é lindo, tem wi-fi grátis por todo lado e usa parte de seu generoso espaço como galeria de arte. A curadoria é ótima, e as exposições são, em geral, muito interessantes.

Esperar por um vôo num aeroporto assim não é sacrifício nenhum. Há boas lojas, uma quantidade de bares e restaurantes, cadeiras confortáveis e tomadas para os notebooks e celulares dos passageiros. Las Vegas não vai sediar nenhum evento esportivo de magnitude mundial nos próximos anos, mas em termos de aeroporto, dá de dez a zero no Rio. Detalhe: estamos falando de uma cidade que não chega a ter 600 mil habitantes. Contando com boa vontade, e incluindo as áreas vizinhas numa espécie de “grande Las Vegas”, não chega a dois milhões. E isso porque Vegas foi, nos últimos anos, uma das cidades que mais cresceu nos Estados Unidos.

Pior do que a comparação em tamanho é a comparação histórica. Las Vegas nasceu no século passado e é uma invenção mantida artificialmente, uma espécie de miragem em concreto. O Rio é uma cidade de verdade, que cresceu de forma natural ao longo dos séculos, foi capital, tem História. Não é um parque de diversões. A razão existencial de Las Vegas é o turismo, e faz sentido que tenha um bom aeroporto; o que não faz é que uma cidade como o Rio, atração turística em si mesma, mas com toda uma vida para além dos postais, não tenha. Receber um cidadão de Las Vegas no Galeão é constrangedor. Las Vegas, vejam vocês: não estamos sequer falando de Londres ou de Chicago.

* * *

 Para lá dos hotéis e das luzes feéricas, há uma cidade “normal” em Las Vegas – uma típica cidade americana de interior, cheia de subdivisions (algo entre a superquadra de Brasília e o quarteirão), com renques de casinhas iguais da classe média e  casarões hollywoodianos de ricaços. Aqui e ali, um comércio miúdo, passando por um aperto terrível, já que a cidade foi das mais atingidas pela crise.

Quando não encontrei na Best Buy a câmera que queria, liguei para a primeira loja de fotografia que achei na consulta ao Galaxy Tab; eles tinham duas em estoque. Assim é que peguei um taxi e fiz a travessia entre a Las Vegas dos turistas e a dos moradores. Cheguei a uma lojinha pequena, de bairro. Perguntei o preço e o vendedor me deu a informação na defensiva: “igual ao do Best Buy e ao da Amazon”.

Na sacola, junto com a máquina e um paninho para limpar a lente, ele pôs um folheto que só vi no hotel. Era a divulgação de um projeto para salvar o pequeno comércio.

“Pense nas três lojas independentes que mais lhe fariam falta se desaparecessem. Passe por elas e dê um alô. Compre uma coisinha qualquer. É a sua contribuição que as sustenta.”

Fiquei com pena do moço da lojinha, tendo que competir com as Best Buys da vida. E, apesar de achar muito conveniente encontrar tudo num só lugar, pensei, pela enésima vez, na falta  graça do comércio globalizado, nas mesmas marcas repetidas nos mesmos shoppings repetidos pelo mundo afora.

Saudade do tempo em que a gente viajava e trazia coisas realmente diferentes de cada lugar. E, sobretudo, em que não morria de vergonha da chegada no nosso aeroporto.


(O Globo, Segundo Caderno, 3.2.2011)