30.3.07

A Pipoca é que sabe das coisas...




O maluco nem espera a caixa ir pro chão!




O que mais falta acontecer?!

Vocês conhecem a piada da mãe judia, né? Aquela em que ela dá uma gravata verde e uma azul pro filho e, no dia seguinte, quando ele aparece usando a azul, diz:

-- Eu sabia que você não tinha gostado da verde!

Oy vey! Foi-se o tempo das piadinhas de gravata inocentes...

Nós estávamos no meio do jantar quando o Chico deu a notícia, que ouvira no rádio a caminho do restaurante. Ficamos todos estarrecidos: como é que um homem como o rabino Sobel sai por aí roubando gravatas?!

Não faz o menor sentido.

A história é uma tragédia pessoal de proporções inimagináveis, provavelmente mais caso de hospício do que de polícia; mas o pior é que, por mais triste que seja ver um homem tão respeitado virar material de anedota, a situação é um prato feito para todo tipo de gozação.

O mundo anda mesmo muito esquisito.

Update: Algumas pessoas acham que quanto menos se falar nesse assunto, melhor -- seria uma forma de respeitar o rabino. A meu ver, é justamente a respeito de casos assim, que desafiam a lógica e a compreensão, que todos sentem necessidade de falar. Aí estão os mais de cem comentários que não me deixam mentir. Nada é mais perturbador para bípedes que vivem em sociedade do que algo que foge dos limites do compreensível. Todos temos uma opinião e todos buscamos a opinião dos outros, para ver se algo faz sentido; todos gostaríamos de uma explicação clara, simples e de fácil assimilação.

Há gente que acha que todo o bem que uma pessoa faz ao longo da vida vai por água abaixo com um único mau passo, mas também não é bem assim. Não é o caráter do rabino que está em questão quando tentamos entender o que aconteceu; é a nossa capacidade de compreensão e a nossa necessidade de respostas.

Ao mesmo tempo, há, sim, um elemento de ridículo em todo o episódio, ampliado pela figura quase caricata de Sobel, e negá-lo é hipocrisia. Falar sobre o que aconteceu até que passe -- já já um novo escândalo empurra o assunto para escanteio -- é apenas humano.

Por isso ele está nas primeiras páginas dos jornais, na televisão, nas mesas dos botequins, nas comunidades do Orkut e aqui mesmo.

O presente não anula o passado, obviamente -- mas tampouco o passado redime o presente.

29.3.07

Fernando Pedreira e Monique




Millôr e Jaime




Chico e Geraldinho





O enterro de Chico Mendes

Não reparem não, mas ali à direita, fora de quadro, vai a cronista, com ar compungido


Eram 9h30, horário em que, ainda que esteja de pé, nunca estou inteiramente acordada; parada diante do armário, olhava desconsolada para as minhas roupas, procurando algo apropriado para ir a um enterro. Na vida real, qualquer roupa escura resolveria este tipo de emergência; mas, de acordo com as imagens da época, a única pessoa de preto havia sido a antropóloga Mary Allegretti. Eu precisava de uma roupa neutra, simples, sem nenhum sinal evidente do século XXI, para ir ao enterro de Chico Mendes em Xapuri, em dezembro de 1988.

Karl Marx dizia que a História se repete como farsa. Ele não conhecia o Brasil, onde a História já acontece como farsa -- mas, eventualmente, se repete como minissérie. Assim, com os óculos mais antigos que encontrei em casa, uma blusinha de bater, uma calça velha e desbotada e minhas fiéis Birkenstocks, que há décadas mantém o mesmo design, tomei o rumo do Projac onde, em algum canto, haveria uma irmã cenográfica da floresta que visitei ainda outro dia, e na qual, pela primeira vez, faria figuração em televisão.

Descobrir o Acre foi, como já escrevi aqui, uma experiência muito marcante. Fiquei apaixonada pelo estado, gostei demais dos acreanos e, nem preciso dizer, adoro a intrépida trupe que tão bem está contando a sua história. Ter a chance de aparecer numa minissérie com a qual fiquei tão envolvida emocionalmente foi um convite inesperado e simpático que, ainda por cima, me deu de presente umas dúvidas que nunca tinha tido antes, algumas com resposta e tudo.

* * *

Cheguei ao Projac junto com Zuenir e Mary Ventura e Elson Martins, meus colegas de estrelato. Para mim, que nunca havia estado lá, tudo era novidade, a começar pelo tamanho da coisa: o Projac é imenso. O refeitório, onde se misturam caras familiares de diversos programas e novelas, me lembrou aquelas cenas em que damas e cavalheiros medievais disputam o ketchup do cachorro-quente com astronautas, índios e caubóis nas cantinas de Hollywood. Mas foi em vão que fiquei esperando alguém aparecer com um modelinho mais bizarro. Devo estar vendo filmes demais.

Na caracterização passamos pelo crivo das figurinistas. O relógio do Zu foi substituído por um mais antigo. Depois deram um ar mais anos 80 aos cabelos da Mary e aos meus, que atravessamos aquela década espaventosa, sobrevivemos e achávamos que nunca mais levaríamos tais sustos diante do espelho. Antes de nos levarem para Xapuri, assistimos às últimas imagens de Chico Mendes em vida, numa missa na floresta, e, em seguida, a um video do seu enterro. Zu, que foi testemunha da História, ficou visivelmente abalado; até eu, que só acompanhei a saga de ler, fiquei emocionada.

Quando chegamos ao Acre do Projac, porém, topei com uma daquelas dúvidas inéditas de que falei antes: com que cara se segue um enterro falso? Ainda por cima, o enterro falso de um personagem real? Com uma cara bem compungida, ora essa. Mas isso não é um baita fingimento? Claro que é, Cora Rónai, mas o que seria das artes cênicas sem esse fingimento?! De modo que fiz a cara mais séria que pude e segui o caixão com passos contritos, me sentindo absolutamente canastra.

No caixão, aliás, ia a resposta a outra dúvida: como dar um peso convincente a um caixão vazio? No caso, foram usadas duas pequenas barras de concreto.

À volta do cortejo, jornalistas filmavam, gravavam e fotografavam. Mas eles eram coleguinhas cênicos, que usavam roupas e equipamento de época. Achei um paradoxo curioso o fato de nós, jornalistas, estarmos lá como atores, enquanto atores faziam jornalistas; tive vontade de orientar um ângulo de câmera que obviamente não flagraria coisa nenhuma e, quando um deles passou voado com a filmadora, fiquei imaginando que espécie de take maluco aquela pressa toda não produziria na vida real. Vício profissional. Imagina só quantas coisas eles não corrigiriam em mim!!!

A cena foi repetida algumas vezes, ora com o conjunto completo de atores e figurantes, ora com os atores, ora com os figurantes. Quanto mais cínica (e encabulada) eu ficava, mais os atores entravam no clima. Eles realmente conseguem viver o que representam, fato que para mim sempre foi assombroso, mas que, de agora em diante, passo a classificar na categoria dos milagres.

* * *

Não sei se é conjunção astral, mas ando encontrando o Acre por toda a parte! Essa semana mesmo descobri o CD de estréia de Chico Chagas, acreano talentosíssimo que mostra que há muito mais coisas na vida de um bom acordeão do que música folclórica. Em "E por falar em acordeão" (Rob Digital), ele passeia pelo jazz, pelo rock, pelo chorinho, pelo tango... O repertório, delicioso, vai de “Day tripper” (!) e "Por una cabeza" ao lindo "Chorando baixinho" e a "Rio Branco", do próprio Chico. Vale!

(O Globo, Segundo Caderno, 29.3.2007)

Enquanto isso, na Finlândia...



Este é o Coro de Queixas de Helsinki. Várias cidades européias têm "coros de queixas", que se apresentam nos lugares mais inesperados -- às vezes, até em teatros!

Só fico imaginando o que seria um Coro de Queixas Carioca.

Em tempo: as legendas estão em inglês.

Gentinha

A seção de Cartas dos Leitores do Globo ferve de indignação contra dona Matilde Ribeiro, aquela senhora racista cujo salário e mordomias seremos agora obrigados a pagar, posto que O Iluminado houve por bem designá-la ministra.

A do leitor Fernando Barros resume muito bem o perigo a que uma cabeça imbecil pode conduzir um país:
"A ministra de Promoção da Igualdade Racial não considera racismo um negro não gostar de um branco "porque foi açoitado a vida inteira". Eu já fui assaltado três vezes, todas por negros. Pela ótica da ministra, tenho razão em ser racista e não gostar de negros".

Enquanto isso, uma massa de estudantes como não se vê há muito faz passeata e promove quebra-quebra no centro da cidade para continuar a andar de ônibus de graça.

Não sou contra o passe livre, mas onde se escondem esses caras na hora de protestar contra a roubalheira e o desgoverno?! Que cidadãos são esses que só se mobilizam para garantir os seus privilégios?!

O pior é que nem dá mais para dizer que a saída é o aeroporto...

Chiquinha




27.3.07

Beijo Envenenado

Recebi ainda agora da Maria Camargo, filha da minha amiga Aspásia:
"Sou roteirista e no momento escrevo um filme sobre Nise da Silveira, grande admiradora dos animais e de sua infinita capacidade de amar e perdoar. Acreditava tanto nisso que levou gatos e cães para as dependências do hospital psiquiátrico em que trabalhava, no Engenho de Dentro, nos anos 50. Ela tinha razão, pois muitos pacientes, ou "clientes", como preferia chamar, tiveram evidente melhora com a presença dos animais e de seu afeto incondicional. Mas, por mais estranho que seja, o afeto incomoda.

No caso de Nise, incomodou os médicos, enfermeiros e a direção do hospital, que viam na experiência pioneira da médica apenas uma maluquice que espalhava pulgas, sarna e mau cheiro. Os animais foram envenenados. Segundo Nise, foi o pior momento de sua (longa) vida.

Estava eu ontem à tarde escrevendo justamente essa cena terrível quando, como no filme "Mais estranho que a ficção", nosso amado cachorro, que minutos antes estava a meus pés, foi envenenado no quintal de casa. Pedaços de carne com chumbinho foram encontrados depois de sua morte fulminante. Soubemos ontem que um vizinho teve seus gatos assassinados da mesma maneira há menos de quatro meses.

Ao contrário dos cães e gatos de Nise, que "atrapalhavam" a vida no hospital (segundo seus oponentes, claro), nosso cão, um lindo pastor branco, não incomodava ninguém. Raramente latia e era tão manso que o chamávamos de Beijo. Mas isso também incomodou alguém na vizinhança, que provavelmente cansou de ver meus filhos correndo e brincando com ele. Era alegria demais. Foi covardia demais. Escondido pelo anonimato, nosso algoz atirou um pedaço de carne através da grade e acabou com a festa.

Minha filha Nina, de apenas cinco anos, dormiu chorando porque não quer morar perto de alguém tão malvado. Ela tem razão: alguém que comete algo tão bárbaro e inexplicável é capaz de fazer qualquer coisa.

É claro que a maldade não é coisa da minha vizinhança nem dos nossos tempos. Sempre existiu e sempre existirá, nos anos 50, hoje, daqui a mil anos -- pois somos humanos e o egoísmo faz parte de nós. Pobres de nós, que somos tão diferentes dos animais. Teremos que conviver para sempre com vizinhos covardes, balas perdidas, seqüestros-relâmpago?

Nosso Beijo, como escreveu um dia a atriz Liv Ulmmann se referindo à sua cadelinha, era uma emoção sobre quatro patas. Parece que no mundo não há espaço para um amor tão puro. Mas isso eu não tive coragem de dizer para a minha filha." (Maria Camargo)


Aventuras no Projac

A Giovana Manfredi, pesquisadora da minissérie e uma das responsáveis por atualizar o blog de Amazônia, postou algumas fotos feitas ontem no Projac.

Nokia 93: paixão total

O N93, uma das jóias da poderosa série N da Nokia, não é um celular para qualquer um. Nem falo do ponto de vista financeiro, que faria desta afirmação uma completa platitude, mas sim do ponto de vista do usuário: é grande, é estranho no seu jeito origami de ser e, sobretudo, tem uma íngreme curva de aprendizado, especialmente para quem não tem familiaridade com filmadoras. Pois isso é o que ele é: um celular com alma de filmadora, assim como o Sony-Ericsson K790 é um celular com alma de câmera digital -- a tal ponto que atende pelo nome de Cyber-shot.

Nunca fui de fazer imagens em movimento; nunca tive filmadora e raríssimas vezes uso o modo de filmar das minhas câmeras. Conseqüentemente, estranhei um pouco o N93 quando fomos apresentados um ao outro. Eu já conhecia o conceito desde 2005, quando o N90 chegou ao mercado; mas, se nunca tive vontade de substituir meu celular do momento pelo N90, o mesmo não posso dizer deste seu irmão mais novo, mais leve, mais inteligente.

Estamos juntos há cerca de duas semanas e, durante este tempo, em nenhum momento tive saudades de qualquer outro aparelho. Não que eu seja tão ingrata e infiel, e me esqueça dos meus queridos pelo primeiro bonitão que aparece; é que o N93 é um aparelho absolutamente fascinante, não só como ferramenta de comunicação, mas como feito tecnológico. Autêntico computador de bolso, tudo nele é bem pensado e extremamente bem desenvolvido; fico tonta só de pensar nos obstáculos que tiveram de ser superados para dar ao flip da tela toda a sua mobilidade.

Uma das características mais interessantes dessa maquininha maravilhosa, presente em outros aparelhos Symbian da mesma geração, é o uso de comandos de voz avançados -- aqueles que a gente não precisa gravar antes, já que criam automaticamente "marcas vocais" para contatos e comandos, reproduzindo os sons dos fonemas. Na dúvida sobre a pronúncia que o celular "entende", basta tocar a marca vocal. Outro bom uso para elas é configurar o telefone para que, além de tocar, fale o nome de quem está chamando. Ele tem um sotaque mecânico de estrangeiro educado que lhe cai muito bem...

A lente por trás da câmera do N93 é uma Vario-Tessar da Zeiss de 3.2Mp, com zoom óptico de 3x, praticamente um milagre num celular. Ele tem estabilizador, trata imagens muito bem, tem um ótimo software para edição de fotos e vídeos e pode ser conectado a uma televisão para exibição de slides ou filminhos. Detalhe: o tamanho dos filmes é limitado apenas pelo espaço que se tem no cartão, mas como já vem com um mini SD de 512Mb, é possível fazer quase um épico em termos de You Tube.

Seria preciso um espaço maior do que o que tenho para fazer a lista completa da sua infinidade de recursos e das suas muitas qualidades. Assim, aponto o que é, até agora, o único defeito que encontrei -- uma certa falta de conforto para falar, causada pelo cilindro que abriga a câmera.

Pode-se argumentar que, em se tratando de um telefone, este é um defeito grave; no entanto, definir o N93 apenas como telefone é subestimá-lo demais. Além disso, pelo próprio tamanho, ele é o típico celular que clama pelo uso de um headset Bluetooth, alternativa meio nerd, mas tão confortável, que é difícil voltar atrás depois de se acostumar a ela.

Este é, então, o celular que eu recomendo a quem quer um excelente aparelho com uma câmera fantástica? Não, não é. Ele é o celular que eu recomendo a quem quer um excelente aparelho com a melhor filmadora do mercado. Se você não tem interesse em filmar com o celular, opte por um Nokia N80 ou um SE K790. Mas se está curioso em trilhar novos caminhos, nesse momento não há nada sequer remotamente parecido ao N93 na praça.

Para ver alguns dos filminhos que fiz com ele, vá a imagens.notlong.com.


(O Globo, Info etc., 26.3.2006)

26.3.07

Vossa blogueira, em foto de Glória Perez




O seringal




Missão cumprida




A imprensa estrangeira




No enterro do Chico Mendes




Olha só quem está aí!




Momento Caras




Silvinha e a peruca se encontram...




São MIL detalhes!




o meu look




Gravar é uma longa espera




Ensaio




Zu observa as fotos




Camarim




No Projac




Adoro cenários!




No set




Zu e Mary




23.3.07

É muito nerd, mas é o máximo...




Uma bandeirinha enfeita o engarrafamento




Dá o que pensar...

Entre os tantos comentários sobre a coluna de ontem, um me chamou particularmente a atenção. Foi o do Luiz Fernando Raposo, que toca direto na ferida, e traz à tona uma questão que me perturba há tempos: o que diabos acontece com a classe média?!
"Pena que a chamada intelligentzia brasileira não reflita sobre nossas mazelas com a mente livre das armaduras ideológicas que distorcem a realidade e alimentam a compreensão equivocada de nossos problemas.

O Programa "Bolsa Bandido" é uma estupidez que resulta da combinação de cinismo, oportunismo, ignorância e má-fé. Mas não é o único programa gerado por esses mesmos atributos, não foi o primeiro e -- do modo como caminhamos rumo à "boçalização" social -- não será o último.

Há, na nossa sociedade, um responsável por tudo isso: a classe média. Em qualquer país, ela é o esteio, a turma que efetivamente governa, pois dela saem os magistrados, os políticos, os intelectuais, os professores, as pessoas que pensam. O próprio PT é um partido de classe média. No entanto, no Brasil, a classe média conspira contra a sociedade, de modo (possivelmente) inconsciente.

Por quê?

Este é o tema que deveríamos refletir, pesquisar, debater e divulgar." (Luiz Fernando Raposo)

22.3.07

Extra! Extra!



Chegou nesse instante pelo email, via celular: a Chiquinha, da Bia, acaba de descobrir o puxa-saco!

Mas era só o que faltava:
a Bolsa Bandido!

Ainda bem que nem tudo está perdido; a música
salva as esperanças e as horas perdidas


De todas as bobagens governamentais de que tomei conhecimento ultimamente — e que não foram poucas — nada, nem mesmo o Ponto G da estupidez, barra a proposta do governo do estado de conceder bolsas especiais às famílias dos menores infratores.

A idéia seria, se bem entendi, "reconstruir os laços familiares para reintegrar os menores à sociedade" — como se a desintegração familiar fosse única e exclusivamente uma questão financeira, e como se todos os menores infratores fossem filhos de chocadeira.

Eu gostaria de saber de que mente iluminada saiu essa idéia. Quem foi o gênio que criou este incentivo explícito à criminalidade?! Como se não bastasse tudo o que nos acontece rotineiramente neste país, teremos, pela primeira vez, menores infratores estimulados pelos pais graças a uma ação de governo:

— Cumequié?! Foi à escola, cachorro?! Quer dizer que não assaltou ninguém, não estuprou ninguém, não matou ninguém?! É assim que tu cuida da tua família, desgraçado?!

A miséria não é boa conselheira, sabemos todos, mas, pelo visto, tampouco o é a vida de privilégios do poder. Imaginar que uma esmola entre R$ 15 e R$ 90 mensais possa tirar um menor (de 1m80) do crime é não ter a mais pálida noção da vida aqui fora; e é ter o mesmo incompreensível preconceito contra a pobreza manifestado pelo presidente Lula, quando diz que o crime, às vezes, "é questão de sobrevivência".

Ora, a pobreza, em si, não leva ninguém ao crime — ou não, pelo menos, ao tipo de crime que nos tem horrorizado. Ninguém arrasta uma criança por sete quilômetros premido pela pobreza, ninguém mata friamente por pobreza, por pobreza ninguém toca fogo em ônibus cheio de passageiros.

Pelo contrário: há proporcionalmente muito mais gente digna e honesta nas comunidades carentes do que no Congresso Nacional, na Assembléia Legislativa ou nos palácios de Brasília. Aliás, penso que seria muito instrutivo comparar o percentual de pobres às voltas com a justiça com o percentual de políticos que (não) respondem a processos.

* * *

De qualquer forma, a absurda proposta da Bolsa Bandido revela a total inversão de valores que se estabeleceu neste país, onde os criminosos recebem muito mais atenção, recursos e conforto das autoridades do que as vítimas. Antes de falar em bolsas para famílias de menores infratores, o Estado deveria falar em bolsas para famílias de vítimas da violência; antes de oferecer um duvidoso apoio psicológico às famílias de menores infratores, o Estado deveria, isso sim, pensar nas famílias que, de um momento para outro, foram despedaçadas porque lhes faltou um mínimo de segurança.

* * *

Da última vez que escrevi sobre isso, logo depois do brutal assassinato do menino João Hélio, estava convencida de que reduzir a maioridade penal para 16 anos era uma providência tão urgente quanto necessária. Depois de ler a quantidade de artigos e discussões que se seguiram ao crime, mudei ligeiramente de ponto de vista.

Continuo achando um absurdo que uma pessoa possa votar, mas não possa ser responsabilizada pelos seus atos; também continuo convencida de que um adolescente de 16 anos sabe perfeitamente distinguir o certo do errado, e o bem do mal. Continuo, em suma, achando que a virtual inimputabilidade do dimenor de 16 anos é um dos sintomas de uma sociedade suicida. Só que passei a achar a própria idéia de maioridade penal defasada da realidade. Hoje concordo com os que propõem que as penas sejam aplicadas de acordo com os crimes praticados, e não com a idade dos criminosos que os praticam.

* * *

Faz tempo que cultivo um plano de estimação: dar, toda semana (ou, pelo menos, sempre que possível) uma dica de livro, filme, CD, DVD — enfim, de algo que tenha mexido comigo. Mas entra semana, sai semana, já estamos em março de 2007, e eu aqui, atropelada pela realidade, ainda sonhando com o meu "momento cultura".

Pois decidi que de hoje não passa, até por um motivo especial: ontem, se nada tirou o mundo dos trilhos, tive o prazer e a honra de entregar um dos prêmios "Faz Diferença" a duas amigas muito, muito queridas, Kati Almeida Braga e Olívia Hime, merecedoras de todas as homenagens por fazerem da Biscoito Fino a espetacular gravadora que é.

Acontece que a Olívia, mal sabe ela, foi comigo ao Norte, e me embalou nas longas esperas em aeroportos, que sem a felicidade da música seriam ainda mais demoradas. Não digo "embalou" à toa; a voz da Olívia tem esse encanto indefinível, maternal e envolvente de quem nina.

Há semanas o player do meu celular (gente moderna é assim!) toca, em loop, "Palavras de Guerra". Ainda que não fosse um legítimo Olívia Hime, este CD já teria me ganho pelo achado do título: as letras de todas as canções são de Ruy Guerra.

Caramba! A gente sabe que o homem é bom, mas esquece. É preciso mesmo uma coleção dessas, feita com este carinho e esta sensibilidade, para dar uma chacoalhada e fazer com que a gente se lembre.

(O Globo, Segundo Caderno, 22.3.2007)
Scoop -- O grande furo

Esqueçam a metafísica;
o importante é rir

Num filme qualquer, quando alguém morre vai para o céu ou para o inferno, conforme o merecimento e a imaginação do diretor – normalmente presa a um teletransporte básico, quando não a ônibus voadores ou escadas rolantes. "Scoop -- O grande furo", porém, não é um filme qualquer, mas um ótimo Woody Allen. Assim, quando Joe Strombel, o melhor repórter investigativo inglês, vai desta para a melhor, nós o encontramos na barca de Caronte, numa deliciosa referência à mitologia grega.

Caronte, vocês sabem, era o barqueiro que cruzava o rio Styx, levando os falecidos para o Hades. O Styx marcava a fronteira entre o mundo cá de cima, dos vivos, e o lá de baixo, dos mortos. O trânsito era feito numa só mão, obviamente, ainda que alguns personagens da mitologia, como Hércules e Orfeu, tenham conseguido cruzar o sinistro rio de lá para cá.

Pois está o nosso Joe Strombel batendo papo com alguns colegas de travessia quando descobre a identidade de um serial killer que vem apavorando a Inglaterra. É o furo do século, mas... de que serve para um jornalista inconvenientemente morto?! Strombel, interpretado por Ian McShane -- o magnífico Al Swearengen da série "Deadwood" -- faz o que pode: atira-se ao Styx para tentar voltar ao outro lado.

É bem sucedido, ou quase: em vez de se rematerializar numa redação ou num bar ao lado de colegas safos, reaparece no show de um mágico de quinta, o Grande Splendini (Woody Allen), exatamente quando uma voluntária da platéia está fechada na caixa de onde supostamente desaparecerá. A "vítima" é Sondra (Scarlett Johansson), estudante de jornalismo americana com mais boa vontade do que preparo (ou talento) para a coisa.

Strombel não tem nem tempo, nem escolha. Antes de desaparecer, passa a Sondra o furo dos furos: o Assassino das Cartas de Tarô é Peter Lyman (Hugh Jackman), milionário, aristocrata, político em ascensão. A partir daí, Splendini e Sondra, dois americanos fora d´água em Londres, formam uma curiosa parceria para se aproximar de Lyman e descobrir a verdade.

Quem for ao cinema esperando uma obra-prima filosófica como "Match Point" talvez se desaponte; "Scoop" é, ao contrário do seu irmão mais sério, uma comédia ligeira, sem outra pretensão que a de fazer rir -- em nenhum lugar, porém, está escrito que "fazer rir" seja uma arte menor ou perca para as Grandes Questões da Humanidade.

Para isso, Woody Allen conta com dois trunfos imbatíveis, o seu fenomenal talento e a familiaridade que, ao longo dos anos, desenvolvemos com seu estilo. Splendini, que na vida real se chama Sid Waterman, é, como sempre, um nova-iorquino neurótico e pessimista. Seus diálogos com Sondra são uma troca constante de ótimas tiradas, sublinhadas pela canastrice da persona que representa: Sid não tem mais ilusões, sequer em relação à sua competência como mágico.

A Sondra de Scarlett Johansson é surpreendentemente convincente e divertida, até (e sobretudo) pelo bom senso de não tentar ser mais engraçada do que as suas falas.

O filme tem uns defeitos aqui e ali, mas nada que comprometa a história como um todo ou o genuíno prazer que sentimos no cinema ao assistir essa comédia tão inteligente. Sua única falha grave é não aproveitar mais o grande Ian McShane, que ainda conhecemos tão pouco.


(O Globo, Segundo Caderno, 22.3.2007)

As Três Graças, ontem à noite