28.2.10

Dormiu em pé

 

Eles passaram o dia inteiro, ontem, esperando o Tom aparecer por aqui para desejar Feliz Aniversário.



Como o Tom sumiu, passa a ser considerado aniversariante à revelia.

Parabéns, Tomzinho!

Terremoto

Ótimo relato de um dos comentaristas do The Big Picture do Boston Globe:
Yo vivo en Chile, y en realidad ha sido horrible. He estado en 3 terremotos, pero esto ha sido horrible y diferente.

Primero que nada los sismos que me han tocado generalmente duran como 1 minuto, este duro cerca de 3. Es horrible sentir que no se acaba nunca, y empiezas a cuestionarte si es que va a parar.

Segundo, el terremoto tuvo varios tipos de movimiento y vario mucho la intensidad. No fue como el terremoto del 85 que fue un remezon muy fuerte y paro. Este movió las cosas horizontal y verticalmente, y en un momento bajo la intensidad un poco, y luego aumento mucho la intensidad.

Personlamente en micasa se vino un mueble abajo, y se quebraron copas, vasos, repisas, etcetera, pero de eso no paso.

Gracias a Dios la mayoria de las construcciones son antisismicas. Las casa que se cayeron son mayormente del casquete histórico de la ciudad, por lo que son casas con más de 100 años y de otros tipos de materiales de construcción, por eso el desastre en esas zonas. Y los edificios que se cayeron deben ser un horrible negligencia de alguna constructora.

Gran parte de la gente de Santiago esta haciendo su vida relativamente normal, aunque hay sectores que aun no tiene luz, o electricidad o agua potable. Yo vivo en la comuna de Puente Alto, en Santiago, y aca no hay mayores daños, no destrucción por lo que pude ver a simple vista, pero hacia el sur del País hay zonas rurales que han sufrido mucho. Estas fotos son más que nada en ciudad, pero en zonas rurales hay pueblos que se vinieron prácticamente enteros abajo. Ya van más de 300 muertos

Gracias por sus bendiciones y su animo. (Posted by Antonio February 27, 10 11:19 PM)

27.2.10

25.2.10

Adesivo de gatinhos



Pessoas, no outro dia alguém perguntou sobre os adesivos de gato do corredor, e eu não me lembrava mais da URL. Pois hoje, por acaso, alguém me mandou a dica do site lá no Twitter.

A lojinha, por sinal, é super interessante, e tem muitas coisas bonitas: chama-se Zellig.

O pior é o vento

O ano do tigre




A primeira vez que ouvi falar de uma pessoa viciada em sexo foi no começo dos anos 90, quando Michael Douglas, durante uma troca qualquer de estado civil, internou-se numa clínica para tratamento. Fiquei admirada. Já conhecia todo o tipo de desculpa, mas aquela me pareceu de fato original e criativa. Tempos depois, não sei se vocês lembram, quando a barra já estava mais ou menos limpa, ele deu declarações indignadas, dizendo que não era nada disso: era viciado apenas em álcool e em cocaína. Então tá. Gosto não se discute.

Salvo um ou outro terapeuta dando entrevista na televisão, tentando provar que coisa terrível é o vício em sexo, nunca mais ouvi ninguém falar no assunto, a não ser como piada, até Tiger Woods cair em desgraça. O seu pedido de desculpas, que deve ter sido assistido por um número recorde de telespectadores ao redor do planeta, é forte candidato a momento mais constrangedor do milênio.

Por pública que seja a vida das celebridades, há coisas que devem permanecer no âmbito particular. Os americanos, porém, que gastaram 40 milhões de dólares para saber se o presidente Clinton estava ou não tendo um caso com Monica Lewinsky, e levaram meses discutindo se sexo oral é ou não é sexo (!), perderam, há tempos, qualquer noção do que é público, do que é privado e do que é ridículo.

* * *

Pelo sim pelo não, liguei para Mamãe. Vai que eu não tivesse entendido direito o problema, ou que alguma verdade superior me tivesse escapado.

-- Você viu o Tiger Woods? – perguntei, como quem não quer nada.

-- Que absurdo, coitado do homem! – explodiu Mamãe. -- Em que mundo nós estamos?! Ele não ganha dinheiro para dar bom exemplo, mas para jogar golfe. Ainda se fosse o Papa ou o Dalai Lama...

Respirei aliviada.

-- Não é mesmo?! Fiquei achando que eu não tinha percebido alguma coisa.

-- Esse festival de hipocrisia é nojento! Vai dizer que ninguém naquele país risca
fósforo fora da caixa?! O coitado do Bill Clinton também passou por isso, com a agravante de que diziam que não era pelo sexo, mas pela mentira. Ah, façam-me o favor! Imagina como os franceses não estão rindo, agora.

-- Rindo nem digo, porque foi triste. Mas imagina todos aqueles programas da RTF, em que as pessoas falam, falam, falam... Sob este aspecto, os europeus são mesmo muito mais civilizados.

-- Têm que ser, né? Eles têm milênios de estrada.

-- Se bem que os americanos foram colonizados pelos europeus...

-- Ah, mas de que europeus nós estamos falando? Quem é que foi para lá, em primeiro lugar?

-- Os puritan... oops.

-- Pois é. Lo que passa, señora...

* * *

“Lo que passa, señora” é código familiar, e refere-se à sabedoria de um cidadão que apelidei de “filósofo anônimo de Houston”. Já escrevi sobre ele. Revirando o disco rígido, encontrei o arquivo, de fevereiro de 2003:

“Há alguns anos peguei um táxi em Houston, Texas, onde participava de uma conferência. O motorista era chileno — e lá fomos nós, batendo papo em portunhol até o meu destino. Perguntei por que tinha emigrado, e a resposta foi a de dez entre dez motoristas de táxi estrangeiros radicados nos EUA: as coisas andavam difíceis em casa, precisava ganhar dinheiro. Já morava em Houston há dez anos, adorava a cidade, o clima e o trabalho, estava feliz.

— Então você não volta mais?

Como não? Lógico que voltava! Aliás, sonhava com isso. Assim que tivesse o suficiente para comprar uma casinha em Santiago, adiós , América...

— Ué, mas não está tudo tão bom aqui?

Ah, sim, claro. Ninguém podia, em sã consciência, se queixar de Houston, do clima ou da grana disponível para quem estivesse decidido a dar duro. O problema eram as pessoas. Perguntei o que havia com as pessoas.

— Lo que passa, señora, es que son todos anormales.

OK. É uma generalização, e nenhuma generalização deve ser levada ao pé da letra. Um total exagero. A manifestação de um homem incapaz de perceber os matizes e as sutilezas das diferenças culturais entre os povos. Uma afirmação leviana que não merece qualquer consideração. Uma injustiça com os milhões de americanos que não são anormales — muito embora há quem assegure que, visto assim de perto, ninguém é normal.

Tirando isso, o meu filósofo anônimo de Houston acertou na mosca.”

Espero, de coração, que a essa altura ele tenha conseguido juntar seu dinheirinho, e esteja vivendo feliz em Santiago.

* * *

Enquanto isso, nos Estados Unidos, toda uma indústria brota em torno da vida sexual de Tiger Woods. Um conjunto de doze bolas de golfe, cada uma com a cara e o nome de uma das suas supostas amantes, está fazendo o maior sucesso – a US$ 54. Uma das amantes, naturalmente, já está processando o fabricante. Joslyn James deu entrevista coletiva com ar compungido ao lado de uma advogada: "Como vítima de violência, me incomoda saber que alguém vai usar um taco perigoso para bater numa bola com o meu rosto pintado”, disse a moça, que é atriz pornô e é procurada pelo estado de Washington. Outras duas amantes assinaram contrato para posar nuas; uma quarta prepara um livro em que vai contar o seu tórrido romance, ao passo que uma quinta faturou um dinheirinho dando uma entrevista cheia de detalhes picantes para uma revista sem compostura. Especula-se que uma sexta, que ameaçou botar a boca no trombone, descolou uma pequena fortuna para ficar calada. E por aí vai. Mesmo para os padrões habituais do mundo esportivo, é uma coleção de vagabas para ninguém botar defeito.

(O Globo, Segundo Caderno, 25.2.2010)

22.2.10

Fotografia é isso...



O portfolio de Kalyan Varma é das coisas mais bonitas e impressionantes que já vi. Não deixem de conferir, as imagens são perfeitas sob todos os aspectos.

É só clicar AQUI.

21.2.10


Celulares:
O Milestone ganhou a parada

Tenho a impressão de que mais um celular foi incorporado à minha galeria de antiguidades-em-perfeito-estado (sim, eu tenho uma pequena coleção de modelos antigos que ainda funcionam perfeitamente): o iPhone 3GS. O iPhone original, que veio semi-clandestino num dos primeiros lotes a chegar ao Rio, hoje vive na sala, em companhia de uma caixa Bose, desempenhando às mil maravilhas o papel de som; o 3G foi adotado pela Bia, que está muito feliz. O 3GS, porém, que veio me fazer companhia ainda outro dia, perdeu o status de internet portátil para o Motorola Milestone.

Assim que comecei a usá-lo, como já contei a vocês, achei difícil acreditar que estava mesmo gostando mais dele do que do iPhone. Assim, depois de um tempo, voltei para o iPhone: a idéia era passar uma semana usando-o à luz da familiaridade com o Android. Nem precisei completar os sete dias. No terceiro, transferi novamente o simcard, com uma grande sensação de alívio.

Então o Milestone é o celular ideal? Ainda não. Não tem tethering (que é a capacidade de servir como modem para o computador; há um programa que pode ser adquirido para isso, mas por enquanto só aplicativos gratuitos estão à disposição dos usuários brasileiros), a câmera é ruim e o teclado podia ser melhor. Mas não dispenso mais a tela espetacular, a superioridade do Android como sistema operacional e a sensação do Milestone na mão. Ele é um tijolinho pesado mas bom de pegar, ao contrário do iPhone, que tem um design espetacular... que precisa de capa para não escorregar. Faz sentido isso? Não, não faz, mas este é o preço que se paga quando se põe a forma antes da função.

Se eu tivesse que viver com um único celular, ele seria o Milestone? Não, ainda não. O meu celular favorito continua sendo o velhíssimo Nokia N95, sobretudo pela câmera excepcional e pela possibilidade de escrever com uma mão só. Nunca passei tanto tempo com um aparelho, estou louca para aposentá-lo, mas continuo em busca do Santo Graal de bolso.

* * *


A ilustração desta página, que mostra minha gata Matilda, é uma foto de desagravo, em nome de todos os animais, contra a Samsung Mobile, que disponibilizou, num site ironicamente chamado Fun Club, dois papéis de parede tenebrosos, mostrando filhotinhos de gato assassinados. Parece que as imagens já foram tiradas do ar, mas isso não altera o fato de que tenham sido produzidas e postadas – e, ainda por cima, como algo divertido, “fun”, para agradar à garotada.

A crueldade praticada contra animais está intimamente associada à crueldade praticada contra seres humanos. Por trás de uma e de outra estão a falta de compaixão e a incapacidade de se por no lugar do outro, duas características que nunca levaram a nada de bom.

Ser civilizado, no mais amplo e positivo sentido da palavra, é respeitar a vida, em todas as suas formas.

Independentemente deste aspecto transcendental, maltratar animais é crime no Brasil. Estimular menores ao crime, que é o que de fato fazem imagens como as divulgadas pelo Fun Club, é atentar contra os princípios mais elementares da ética e da cidadania.

Não é isso que se espera de uma empresa socialmente responsável.

Nota zero para a Samsung Mobile.


(O Globo, Revista Digital, 22.1.2010)

18.2.10

Ainda o carnaval,
e uma celebridade




No jornal que li hoje à tarde, o Jabor comentava que, todo ano, a sua crônica cai em pleno tríduo momesco – e, todo ano, dá-lhe carnaval. Como dizer algo de novo mais uma vez? O carnaval é cruel com os cronistas: cai sempre nos mesmos dias da semana. Para mim sobra o primeiro dia do ano... em plena folia! O que vocês lêem na quinta, sóbrios e compenetrados, eu escrevo na terça, em clima de feriado, ainda meio fora do ar depois de virar a noite no sambódromo. O dia mais quente do ano, título que provavelmente perderá para quarta, o meu amanhã e ontem desta edição.

Vocês vão dizer que estou obcecada com isso, e estou mesmo, mas o calor está tão acachapante que, este ano, quase me tirou a alegria do carnaval. Não fui para a rua, não vi a banda, não sai nos blocos. Até a quinta passada, nem mesmo queria ir à Marques de Sapucai: como assim, sair do ar refrigerado?! Aí começou o noticiário com detalhes dos desfiles, os amigos deram de me tentar e pronto. Caí na devassidão, e fui feliz.

* * *

Pergunta que quero fazer há muitos carnavais: por que os cartões magnéticos usados para entrar no Sambódromo são tão caprichadinhos se acabam engolidos pela catraca? Entra ano, sai ano, e a mesma cena se repete um sem número de vezes: pessoas desconsoladas diante da roleta, pedindo, em vão, para guardar o que seria uma simpática lembrança da noite. O desfile das escolas de samba do Rio, maior espetáculo da terra, devia ter melhor compreensão dos hábitos dos freqüentadores de espetáculos.

O ser humano é, por natureza, um animal nostálgico e colecionador, que guarda bobagens vinculadas a eventos marcantes. Agora mesmo, no eBay, encontra-se à venda um ingresso que não me deixa mentir, para uma luta de boxe entre Jack Johnson e Jim Jeffries, em Reno, Nevada, no remoto ano de 1910. É só um pequeno pedaço de papel, que ficou guardado, quietinho, durante cem anos. Está saindo a 8 mil dólares, mas essa quantia, que pode ser contabilizada, é o de menos; só quem o guardou inicialmente sabia seu valor verdadeiro.

* * *

Eu nunca teria pensado que uma luta de boxe acontecida há um século pudesse seqüestrar uma crônica sobre o carnaval; mas não é que, ao fazer uma busca por ingressos antigos, esbarrei com a História? Jack Johnson foi o primeiro negro a se sagrar campeão mundial de pesos-pesados, e conquistou o título justamente em Reno. Jim Jeffries, que se aposentara há seis anos como campeão invicto, decidiu desafiar Johnson para “provar a supremacia da raça branca”. Levou uns bons e merecidos tabefes para deixar de dizer besteira e perdeu o título; mas era tão explosiva a situação dos Estados Unidos, que o resultado foi motivo de grandes tumultos por todo o país.

Johnson foi uma celebridade avant la lettre. Aprontou muito, casou-se com brancas desafiando os tabus sociais e, por causa de uma delas, acabou condenado a um ano e um dia de prisão. A desculpa oficial foi que teria “atravessado fronteiras estaduais com uma mulher com intuitos imorais” (!!!). Fugiu do país, passou sete anos entre o Mexico, a França e a America Latina, mas, ao voltar, foi preso e cumpriu pena. Abriu uma boate no Harlem, que mais tarde vendeu para um gangster. O lugar era bacaninha: chamava-se Cotton Club.

Nosso herói morreu num desastre de carro, aos 68 anos, ao sair furioso de um restaurante que se recusara a servi-lo. Sua vida daria um romance – e, é claro, deu mesmo. Deu filme também, e incontáveis referências na cultura popular. Vocês me desculpem se já sabiam disso tudo, mas é que, até fazer a busca no eBay, há meia hora, eu nunca tinha ouvido falar em Jack Johnson. Agora, estou achando aquele ingresso até barato.

Sic transit gloria mundi.

* * *

“Entre os detritos de carnaval dos quais os banhistas precisam desviar estão três ou quatro bolsões de banheiros químicos instalados no calçadão. A fedentina capturada durante a noite agora cozinha sob o sol, transformando-se numa bomba de gás paralisante. (....) É doloroso imaginar que aquilo tenha sido produzido por pessoas ordeiras, que usaram o banheiro em vez de se aliviar na sarjeta. Aquele xixi é um xixi bem-comportado, um xixi igual ao seu e ao meu – não é que nem o xixi maloqueiro dos que acham que parede é penico. Você passa por ali e promete nunca mais fazer xixi na vida. (....) A mesma prefeitura que vendeu o carnaval de rua a uma marca de cerveja decretou a caça impiedosa a todos os que consumiram o produto do patrocinador e não conseguiram enfrentar a barra pesadíssima dos banheiros químicos. “Prendem os mijões e deixam os ladrões à solta”, como vi reclamarem no Twitter. O tiro saiu pela culatra: o carnaval de 2010 criou uma geração com trauma irreversível de banheiro químico.”

A constatação é do “travel writer” Riq Freire. “Travel writer”, como vocês sabem, é um camarada que exerce a cobiçada profissão de viajar para contar o que viu. Pois mesmo o Riq, que por dever de ofício já viu de tudo no mundo, nunca viu nada parecido com as composteiras urinárias da cidade, e propõe a adoção paralela de um Choque de Higiene. Eu assino embaixo, e proponho um terceiro choque: o de bom-senso.


(O Globo, Segundo Caderno, 18.2.2010)

14.2.10

Matilda estuda hidrologia

Cine Pombo apresenta...



Os dois pombos que nasceram no telhadinho do escritório e os seus pais são fregueses da casa. São inteligentes, já descobriram que a janela tem grade e nem se abalam.

Os gatos ficam encantados e angustiados: a Lolita, que nem sabe miar, só falta chorar. O videozinho está tosco, porque imagem em movimento não é mesmo comigo; mas o único jeito de mostrar a reação dela era em video.

Pelo menos, é bem curtinho...

11.2.10

Um queijo poderoso...

Padecendo no paraíso



A quarta-feira não foi o dia mais quente do ano mas, na própria quarta, antes que a quinta fosse ainda pior -- só perdendo para sexta, sábado e domingo -- ninguém tinha como saber disso. Às duas da tarde, quando saí do jornal, entendi como se sente um pargo ao sal grosso entrando num forno pré-aquecido. Repito o que escrevi há algumas semanas, quando, por incrível que pareça, ainda não sabiamos da missa a metade: nunca vi nada igual.

Fui atrás de taxi imaginando quanto tempo um ser humano poderia suportar aquele sol no quengo sem passar mal; e então me ocorreu que ali estava um fenômeno que eu não precisava imaginar. Era só sair andando para, cedo ou tarde, ter a resposta. Simples, não?

Virei a Irineu Marinho, subi a Rua do Santana e parei no botequim da esquina com a Frei Caneca para beber água e pensar numa estratégia de sobrevivencia. Não havia uma sombrinha decente à vista. Na verdade, não havia nem gente à vista: as poucas pessoas que enfrentavam a rua andavam rente aos prédios, para aproveitar os parcos centímetros de sombra existentes.

Continuei pela Frei Caneca, parando aqui e ali para fotografar os edifícios que foram restaurados, e que sempre me encantam. Depois General Caldwell e Moncorvo Filho. O Campo de Santana, tão convidativo visto de fora, estava cheio de tipos suspeitos escarrapachados pelos bancos, dormindo ou amontoados em grupos. Não tenho medo de gente, não acho que todo mendigo ou morador de rua faça jornada dupla como assaltante, mas também não vou facilitar para bandido em tempo integral com dedicação exclusiva.

* * *

Abre parenteses: de que adianta vivermos na cidade mais bonita do mundo quando ela nos pertence cada vez menos, e quando cada um de nossos passos é ditado pela insegurança? O Campo de Santana, plantado no coração do Rio, praticamente do lado da prefeitura e do 13º Batalhão da PM, devia ser, pela lógica, um dos lugares mais seguros da cidade, um oásis de tranqüilidade na confusão geral. Em vez disso, é uma praça pela qual se corta caminho, de preferência rápido. Fotografar é esporte radical, buscar o aconchego dos recantos de sombras e árvores antigas uma atividade de risco. Eu não queria falar sobre isso, mas é que passar por uma jóia como aquela e não sentir firmeza para tirar uma mísera foto de celular me revolta além do que consigo exprimir. Fecha parênteses.

* * *

Comprei duas águas a um real em frente ao quartel do Corpo de Bombeiros, e fui adiante. A essa altura a pele latejava, o relógio e a argola de metal da bolsa queimavam. As pessoas que esperavam no ponto de ônibus estavam até quietas. Continuei por algumas daquelas ruas pequeninas até chegar à Praça Tiradentes. Em frente ao João Caetano, as pálpebras e as mãos davam umas tremidas esquisitas.

-- Tá, Cora Rónai, ponto provado! Ou precisa ter um piripaque só para testar uma idéia idiota?

Decidi ouvir a voz da razão, tomei o primeiro taxi que apareceu e voltei para casa. O corpo estava tão quente que, mesmo depois de uma ducha fria, continuei suando por um bom tempo.

* * *

Nunca fui à África, mas andei por todas essas ruas tão minhas conhecidas como se estivesse em Dakar ou em Timbuktu. Além de minar a resistência, o calor alterava a realidade e, num certo sentido, o próprio comportamento dos transeuntes.

A maioria das pessoas por quem passei trocou olhares aparvalhados comigo, reflexo da cumplicidade entre vítimas do mesmo estupor incompreensível. Descrevi a experiência no blog, e o leitor Gledson Machado prontamente tuitou:

-- Olha, a @cronai escreveu um texto sobre o que passou no calor... Se ela andasse por Nova Iguaçu escreveria um livro!

* * *

O telefone tocou.

-- Cara, vou te contar, que droga que é fazer 60 anos, viu? – explodiu a minha amiga. – Sempre me disseram que a gente envelhece aos poucos, mas não é verdade, é de uma hora para outra, da noite para o dia. Que inferno!

-- O que aconteceu?!

-- Não aconteceu nada, mas eu não consigo mais andar nem duas quadras! Saí de casa para ir ao banco, e quando cheguei estava tonta, com falta de ar, a cabeça explodindo. Duas quadras! Que droga que é ficar velha!

Minha amiga usava termos mais eloqüentes do que esses. Estava genuinamente contrariada, com a auto-estima tão abalada pela insolação que nem se dera ao trabalho de analisar os vários ângulos da questão.

-- Você não está velha, criatura. Você está é desidratada: é diferente. Toma uma água de coco que passa.

* * *

A quinta-feira amanheceu pior do que a quarta, que amanheceu melhor do que a sexta e o sábado. No domingo, os termômetros registraram a temperatura mais alta do século, quiçá do milênio. A minha moral cai na mesma proporção em que a conta de luz sobe.

Levantar da cama e sair do quarto geladinho é uma dificuldade, trabalhar e resolver as mínimas coisas um esforço descomunal. Há dias me prometo fotografar amanhã, sem falta, a árvore da esquina da Maria Quitéria, que está toda florida. Entre a promessa e as flores, porém, há um muro de letargia que não consigo transpor. Telefono:

-- Bia, estou com uma depressão séria. Não estou com vontade de fazer nada, a não ser ficar no ar refrigerado.

-- Relaxa, mãe! Você não está com depressão. Você está com calor. Toma uma água de coco que passa.


(O Globo, Segundo Caderno, 11.2.2010)

8.2.10

Leblon

 

 

 

No fim da tarde fui com a Heliana e o Tom àquele mirante do começo da Niemeyer para caçar umas fotos. O mar estava uma beleza, mas o que me chamou a atenção foram umas andorinhas lindas e ligeiras fazendo um lanche de mosquito antes de ir dormir.

Enquanto não eram lanchados, os mosquitos lanchavam em mim: hora do jantar é hora do jantar.

Entre uma picada e outra, vi este beija-flor miudinho no meio do mato, carregando material de construção.

As fotos ficaram meio granuladas, mas também foram feitas a 1600 ISO e, ainda por cima, levaram um recorte grande, vejam só:



(AQUI tem umas fotos comuns de paisagem)

Mirante

Twitter:
Perguntas & respostas


Como sabe qualquer usuário, não existe um Twitter (como não existe um Orkut, um Facebook e por aí vai): existem tantos Twitters quantas pessoas que o utilizam, pelo simples motivo de que não existem dois perfis iguais. Como agregadoras de conteúdo, as ferramentas de mídia social são como pratos de restaurante a quilo, onde cada um põe o que quer. Mas, como num restaurante a quilo, o movimento varia ao longo do dia e, bem ou mal, o prato acaba refletindo o que está no buffê àquela hora.

O “meu” Twitter é o da noite. Na quarta-feira passada entrei lá de manhã, e estranhei tudo, do Timeline aos anúncios de cunho prático informando o fluxo do tráfego, a temperatura no Centro e as promoções do momento em lojas de eletrodomésticos. Bizarro.

No mesmo dia, mas no horário de hábito, participei de uma brincadeira inventada pelo meu colega e amigo Jorge Antonio Barros, o @reporterdecrime: uma entrevista coletiva, em que pergutas e respostas limitavam-se, claro, aos 140 caracteres regulamentares. Uma amostra do que rolou:

@ThalitaReboucas pra @cronai: Mac ou PC?
@cronai: Nem Mac nem PC: Nokia ou Blackberry ou iPhone ou Droid... Brincando (um pouco). Na verdade, a máquina mais familiar para cada um.

@andreatardin Que tipo de e-reader vc prefere?
@cronai: Vocês vão rir, mas eu prefiro livro mesmo, aquele objeto antigo, de papel.

@reporterdecrime: RT @robadey pra @cronai Acha que essa onda de tablet vai pegar? // Minha: Quais são as tendências digitais que podem ficar?
@cronai: Tablet ainda é uma incógnita. Tendências definitivas são smartphones, mídias sociais, conectividade 24 x 7.

@reporterdecrime: A @LacraiaX9 gostaria de saber o que vc pensa sobre a internet gratuita para a população.
@cronai: Sou inteiramente a favor. A internet é uma ferramenta de cidadania fundamental.

@vedimov: Que camera vc usa? Qual sua marca e modelo farorito, o que vc indicaria?
@cronai: Tenho uma Nikon D5000 com algumas lentes e uma Lumix ZX1, mas o que mais uso é o Nokia N95. Das compactas, recomendo as Lumix, sempre.

@reporterdecrime: Do grande fotógrafo @mveras: A câmera digital banalizou ou democratizou a fotografia?
@cronai: As duas coisas. Banalizou ao democratizar, mas isso não é necessariamente ruim. Boas fotos sempre serão boas fotos.

@blogdoharry: O Twitter é a grande sacada da internet pelo fato de aproximar famosos e anômimos? As relações mudarão?
@cronai: O Twitter é a grande sacada pelo jogo rápido. Isso de "famosos" e "anônimos" é bobagem. Importante é Irã, China, Haiti, Cuba...

@lianamachada: Vislumbra algum controle legal efetivo para o meio digital?
@cronai : Não, e espero jamais vislumbrar. A internet não pode ser controlada pelo estado, ponto.


(O Globo, Revista Digital, 8.2.2010)

Mais uma com o Casuarina

5.2.10

Nem só de más notícias se faz o mundo

Um clássico atualíssimo



Os versos desta música andam na minha cabeça por esses dias, nem preciso dizer por quê, né? Escolhi a gravação do Casuarina não só porque é ótima, mas porque sou fã de carteirinha do grupo:
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar

Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há

Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedir pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão

Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração

Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar

Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará.

4.2.10

Ipanema

Um ótimo filme ruim



Confesso: não estava com a menor vontade de ver Avatar. Tenho implicância com filmes que chegam cercados de tanta onda, gastei o que tinha de paciência com criaturas azuis já na época dos Smurfs e, ainda por cima, detestei Titanic. Nem a perspectiva do 3D me empolgava: não consigo imaginar um só dos meus filmes favoritos que ganhasse com o uso de uma tecnologia que, embora perfeita para games, pode ser insuportável no cinema.

Mas aí os críticos começaram a recomendar Avatar mundo afora. Colegas elogiaram Avatar. Amigos que viram o filme adoraram. Na internet discute-se há semanas, a sério, o que acontece naquele mundo imaginário. A bilheteria disparou. E, de um momento para outro, assistir Avatar virou obrigação cultural. Como sabiamente observa o Millôr, nada faz tanto sucesso quanto o sucesso.

No domingo, armada de paciência e resignação, decidi finalmente ver o motivo de tanto auê. O roteiro é primário, cheio de clichês e de, como se diz hoje, “homenagens” a outros filmes, de Matrix a Pocahontas. Os personagens são caricaturas – o comandante sem coração, o administrador sem escrúpulos, a cientista sem medo, o herói sem mácula, a selvagem sem maldade. O desfecho é previsível desde que as luzes se apagam. E o filme é sensacional.

* * *

A história todo mundo já sabe: num futuro mais ou menos distante, uma megacorporação de terráqueos prepara-se para atacar o planeta Pandora, rico em depósitos de um mineral precioso que os nativos não estão interessados em negociar. A exploração desses depósitos significaria o fim da floresta em que vivem, e os na´vi são tão ligados ao meio-ambiente que chegam a fazer conexões diretas com árvores e animais, como se suas tranças fossem cabos USB primitivos.

A corporação e os nativos se comunicam através de avatares desenvolvidos com DNA meio na´vi, meio humano; e o filme começa quando um humano cai de paraquedas no projeto, substituindo o irmão gêmeo como condutor de avatar. As negociações diplomáticas, que nunca foram lá grande coisa, estão chegando ao fim, e logo os mercenários terrestres usarão contra os inocentes selvagens todo o seu poderio militar. Caberá ao recém-chegado justificar as quase três horas de filme.

* * *

Acontece que Pandora é o lugar mais bonito que o cinema já inventou. Tem árvores descomunais, cachoeiras, rios e riachos, montanhas flutuantes, vegetação fluorescente. Tem cores lisérgicas, plantas incríveis e insetos luminosos com o movimento de delicados animais marinhos. O 3D não é gratuito; ele nos aproxima da floresta e dos seus habitantes, e nos sentimos como mergulhadores que, pela primeira vez, se vêem diante de um recife de coral. Simplesmente embasbacados.

Boa parte do sucesso de Avatar se deve à perfeição desta criação. Os diálogos são infantis e a carpintaria dramaturgica é aflitivamente transparente, mas ninguém precisa de palavras para se empolgar com tecnologia tão bem utilizada e natureza tão exuberante. O recado é visual: é evidente que aquilo não pode ser destruído, assim como é evidente que ninguém tem o direito de acabar com o mundo dos outros. O que vale para Pandora, ça va sans dire, vale também para a Terra. Pronto.

* * *

Avatar é um pipocão cheio de mensagens. Além da defesa ambientalista, faz referências diretas à política externa dos Estados Unidos, e a corporação malvada que quer destruir os na´vi é, claramente, uma metáfora para a Haliburton. Susbtitua-se o unobtanium por petróleo, e o quadro anti-imperialista se completa.

Se não forem levados ao pé da letra, os mercenários podem representar qualquer civilização tecnologicamente avançada que, em qualquer ponto da História, deu cabo de tribos inocentes e despreparadas, dos conquistadores espanhóis do século XVI aos madeireiros e mineradores que insistem em ocupar terras indígenas na Amazônia. Da mesma forma, os na’vi podem ser qualquer etnia ameaçada por brancos de olhos azuis.

* * *

Era de se esperar que, a essa altura, o mito do bom selvagem já fosse visto com, pelo menos, um mínimo de ridículo; mas James Cameron é despudoradamente maniqueísta, e faz todo o possível para poupar o espectador da terrível tarefa de pensar. Em outro filme, isso me despertaria instintos assassinos, mas Avatar é uma tal festa para os olhos, que tudo lhe pode ser perdoado.

Pesa nessa condescendencia, ainda, o fato de, em muitos aspectos, o filme combater o bom combate. Se uma ínfima parcela dos espectadores sair do cinema convencida de que nada justifica a forma como estamos tratando o nosso próprio planeta, Avatar terá cumprido lindamente a sua segunda missão. A primeira cumpriu com louvor no primeiro bilhão de dólares.

* * *

Não faltam à política brasileira exemplos de idéias de jerico, mas trazer Tony Blair como consultor para as Olimpíadas está, com certeza, entre as campeãs. Será que não há um único brasileiro com a necessária competência? Será que temos de ir buscar, em libras esterlinas, um político universalmente desacreditado? Ou será mesmo a velha mentalidade colonizada vindo à tona?

Para não atrapalhar demais a sua cabeça globalizada, governador, assista Avatar. Como eu digo aí em cima, é um filme bonito, não vai exigir muito dos seus neurônios, e talvez o senhor consiga perceber, logo na primeira meia hora, a quantas anda a credibilidade de quem promoveu a guerra do Iraque. Indo na sessão das cinco ali no São Luiz, dá tempo de sobra para pegar o vôo para Paris.


(O Globo, Segundo Caderno, 4.02.2010)

3.2.10

* suspiro *

Poxa.

Eu tinha escrito um post inteirinho sobre a minha aventura de hoje à tarde, quando sai do jornal, topei com o pior calor que já vi no Rio e, por curiosidade, decidi andar para ver até onde aguentava -- e aí o Lucas, que está deitado na mesa, deu uma espanada com o rabo, bateu sei lá em que tecla, e apagou tudo.

Capivara felina!

O resumo da história é que saí da Irineu Marinho, peguei a Rua do Santana, a Frei Caneca, desci pela Moncorvo Filho, dei meia volta no Campo de Santana e desisti da empreitada na Praça Tiradentes, antes de pegar uma insolação.

Nunca fui à África -- é uma falha que pretendo corrigir a$$im que puder -- mas andei pelas ruas que conheço tão bem como se estivesse num lugar exótico como Dakar ou Timbuktu.

Quando cruzava com outras pessoas, trocavamos aquele olhar de criaturas abestadas que dizia tudo: Como pode isso?!

Como experiência, foi interessante constatar uma coisa: o desconforto do calor era tão grande, mas tão grande, que nem me lembrei que tenho joelho.

O que prova que (quase) tudo tem um lado positivo.

Está muito, muito, muito quente

Saí andando por aí