31.7.08

Leblon




O canal




Estão muito sérios...





Considerações sobre um assalto

Hoje, exatamente hoje, 31 de julho de 2008, faço 55 anos, quase todos passados no Rio de Janeiro. Até sábado passado, nunca tinha sido assaltada aqui, na minha cidade, o que deve ser uma espécie de recorde, especialmente considerando-se que costumo andar por todo canto, em toda espécie de horário. Fui vítima, com minha irmã e minha Mãe, de um arrastão acontecido logo ali, na Avenida Pasteur, quando voltávamos do Rio Sul. Perdemos algum dinheiro, bolsas, cartões e documentos, mas escapamos vivas, o que vale dizer que, a rigor, não nos aconteceu nada. Foi uma violência? Com certeza. Um susto? Podem apostar. Um azar? Pelo contrário: como tudo na vida, até um assalto pode ter seus lados bons, o principal deles sendo, obviamente, sair com vida, e sem um arranhão, de uma cena potencialmente letal.

* * *

Há muitos e muitos anos, como habitante de cidade conflagrada, tinha essa dúvida comigo, de como reagiria a um assalto. Agora já sei, e me confesso aliviada. Meu maior medo era ter raiva, único sentimento que me faz, literalmente, perder o controle; mas o que senti foi um misto de espanto e de curiosidade, aliado ao medo indireto de que alguém – polícia, vítima ou assaltante – perdesse as estribeiras.

Felizmente, todos cumpriram o seu papel. A polícia não apareceu, as vítimas portaram-se com a humildade que convém às vítimas e os assaltantes, ainda que nervosos, portaram-se como assaltantes -- e não como assassinos. Como nenhuma dessas escolhas é de caso pensado, continuo me achando pessoa de grande sorte.

* * *

Não sou a Madre Teresa de Calcutá nem o Dalai Lama, mas, com sinceridade, não tive, nem tenho, qualquer raiva dos bandidos. Não sei se pensaria assim se tivesse sido seqüestrada ou se a ação tivesse descambado para uma desgraça; mas sentir raiva de elementos em que não se percebe mais qualquer vestígio de humanidade equivale, a meu ver, a sentir raiva do proverbial sofá da anedota.

A indignação que senti mais tarde, quando enfim deitei a cabeça no travesseiro e tratei de pôr as idéias em ordem, foi, apenas, uma amplificação da raiva surda que sinto contra a degradação constante do meu país. O que me sufoca é o governo: este, o outro, o próximo, o federal, o municipal, o estadual -- toda a corja responsável pela completa ausência do estado na cidade e no país.

Esses canalhas, que a cada mês me roubam, só em impostos diretos, muito mais do que me roubaram os assaltantes da Avenida Pasteur, são os verdadeiros merecedores do meu ódio, do meu desejo mais profundo e visceral de que ardam, para sempre, no fogo dos infernos.

* * *

Não sofro da patologia contemporânea de achar que todo bandido é vítima da sociedade. Não é. Pelo contrário. A sociedade, como um todo, trabalha muito duro para pagar aos seus funcionários, àqueles que deveriam cuidar para não houvesse crianças na rua, para que as escolas fossem não só suficientes como eficazes, para que toda a população tivesse assistência médica e iguais condições de planejamento familiar. ‘Aqueles, enfim, que, falhando todas as medidas preventivas, garantissem ao cidadão de bem o máximo de segurança, e ao malfeitor um mínimo de punição.

O diabo é que, olhando em torno, não vejo nenhuma “autoridade” imbuída de espírito público. Todos querem se eleger única e exclusivamente para garantir o seu, para gozar a perpétua sala vip do poder e para passear pelo mundo em tapetes vermelhos. São perversos cruzamentos de pavão com avestruz, desfilando lá fora a sua vaidade e enterrando, aqui, a cabeça na areia. Agora, aliás, inutilmente provida de wi-fi.

* * *

Enquanto isso, garotas de 13 anos seguem tendo filhos na rua, que por sua vez terão filhos na rua aos 13 anos e assim sucessivamente, geração após geração, já que, entre outras coisas, a Igreja dá um piti sempre que qualquer político vagamente progressista ousa falar em planejamento familiar. Mas eu gostaria, honestamente, que a diocese me esclarecesse o destino que aguarda uma criança nascida nessas circunstâncias. Acaso a Igreja as recolhe? Alimenta? Veste? Orienta? Educa? Se mesmo crianças nascidas em famílias com recursos, até bem estruturadas emocionalmente, volta e meia viram bandidos, o que se pode esperar de crianças que crescem soltas na rua sem exemplo, sem escola e sem qualquer chance de aprender um ofício? O que esperar de crianças cujos heróis são traficantes, cuja alegria é cheirar cola e cujos símbolos de status são armas de uso exclusivo das forças armadas?

Tenho muita pena dessas crianças, assim como tenho pena dos adultos em que se transformam – isso, quando chegam a adultos. Seria hipócrita, porém, se não reconhecesse que mais pena ainda tenho das crianças e dos adultos que poderiam construir um país melhor se, por infelicidade, não tombassem mortos ao cruzar seus caminhos.

* * *

O grande resumo da nossa, digamos, “experiência sócio-antropológica”, foi feito pela minha irmã, que conseguiu achar vários pontos positivos no assalto. O décimo e último foi: “Poder pensar -- sinceramente -- que bom que eu sou a vítima, e não o assaltante.”


(O Globo, Segundo Caderno, 31.7.1953)

29.7.08

Laura nas paradas

"Num luminoso livro sobre o instrumento que escolheu, a flautista Laura Rónai nos lembra uma verdade às vezes esquecida: a importância da arte pela arte.

Em busca de um mundo perdido: Métodos de flauta do Barroco ao século XX (Topbooks, 2008, 314 pp.) pode parecer algo distante, pelo título e pelo tema. Mas sua leitura, além de propiciar o encontro com uma erudição substantiva, nos conduz pelas inevitáveis tecnicalidades com saborosa leveza e um senso fascinante da contextualização histórica."

Gostaram? Continua AQUI o maravilhoso artigo que o Clovis Marques escreveu sobre o livro da Laura no Opinião e Notícia...

O novo toque oriental-chique




Ganhei um quadro pro jardim!




Novidade no escritório




Sempre um folgato...




Keaton, pensando na vida




Direto do front

Botafogo, Avenida Pasteur, sábado, 22h30. Quando o táxi em que eu estava com a Mamãe e a Laura entrou no mergulhão da Avenida Pasteur, dois carros que vinham na contramão, feito loucos, fecharam a passagem. Do que parou à nossa frente desceram dois homens, o do lado direito com um fuzil — o que me deu a impressão que estávamos diante de uma “corriqueira” perseguição policial. O outro levava uma 45. Mas ambos (e os do segundo carro) não estavam de uniforme. E todos estavam aos berros.

Aí caiu a ficha. Era arrastão. Minha primeira reação foi pegar o celular para fotografar os elementos quando, graças a Deus!, me lembrei da luz de auxílio do foco, e achei que poderiam ficar contrariados em ser flagrados durante o expediente. Larguei o celular no chão do táxi, enquanto os bandidos se espalhavam. O que nos coube gritou para que abríssemos os vidros, apontou a arma para a cabeça da minha irmã, sentada ao lado do motorista, e mandou que entregássemos as bolsas.

Laura pedia desesperada para ficar com os documentos; o bandido gritava; o motorista do táxi, nervoso, dizia para termos calma, não fazermos movimentos bruscos e, possivelmente, nem respirarmos (brincadeirinha: isso ele não disse, mas foi por pouco).

Mamãe, sentada atrás do motorista, imóvel estava e imóvel ficou, apesar de eu ter sugerido a ela que se jogasse ao chão. Quando olhei, estava disfarçando a bolsa preta junto à roupa idem, como se aquilo fosse muito normal. Nada que minha Mãe faça me espanta mais; sei que é capaz de tudo, mas essa foi a primeira vez que vi o truque da Mulher Invisível. Fiquei boba.

Depois de salvar o outro celular, tentei pescar a carteira, com pouco dinheiro mas muitos documentos. O cara apontou a arma para mim e aumentou o volume:

-- Passa essa bolsa, porra, passa essa bolsa!

O cano de uma 45 virado na sua direção é um argumento eloqüente. Ele nem precisava ter gritado.

O pessoal dos carros à nossa volta teve menos sorte. Os bandidos mandaram que descessem e deixassem tudo, tiraram carteiras e celulares dos bolsos dos homens e fugiram cantando pneu. Acho que pelo menos um dos carros com que nos fecharam ficou abandonado, mas não tenho certeza porque, a essa altura, o táxi já ia em desabalada carreira rumo à 10 DP, onde os policiais foram gentis, mas nada puderam fazer além de registrar a ocorrência. Aos poucos, outras vítimas iam chegando, em diversos graus de comoção e perplexidade.

A mistura de sentimentos gerada por uma situação dessas é tão complexa e pessoal que praticamente desafia descrição. Não senti medo nem raiva durante o assalto. Ao contrário, fiquei estranhamente calma. Pensava: “Caramba, que crônica! Mas tomara que não atirem...” Quando nos safamos ilesas, senti um misto de alívio e euforia, como se tivéssemos escapado, por um triz, de um caminhão de desgraças. E escapamos mesmo.

Cerca de uma hora depois, já com os registros para começar a romaria atrás de documentos novos na segunda-feira, fomos a pé para a casa da Laura, que fica logo ali na esquina. Agora, que passou e que estamos todas a salvo, tudo está relativamente bem.

Pelo menos, até o próximo assalto.

(O Globo, 29.7.2008)

28.7.08

Antes do assalto...





Quando estávamos lá no Rio Sul, o Hermano clicou primeiro todo mundo junto, e depois só nós, Rónais.

Adorei as fotos. O astral estava ótimo e, apesar do assalto, continua em alta: agora mesmo, enquanto estou no jornal, Mamãe e Laura caçam para mim uma bolsinha de cacarecos do tipo das que gosto de carregar na bolsa.

Parabéns, Nana!!!

Pois é. Ela não queria que eu pusesse no blog, mas agora que a Carolina, com autoridade de filha, entregou, eu entrego também:

Hoje é aniversário da Heliana!

Viva, Nana!

Muitas felicidades, muitas ondas boas, muitos gatinhos sempre à sua volta.

Orla Digital

Factóide perigoso:
máquinas na praia


Fui a São Paulo semana passada. Quando o táxi pegou a Atlântica, havia certo engarrafamento; lá na frente, descobrimos que a culpa era da solenidade de inauguração da Orla Digital, o projeto que provê a avenida de wi-fi grátis para usufruto de moradores e de turistas incautos. Adoro wi-fi, não uso celular sem wi-fi, nem preciso dizer que a minha casa é toda wi-fizada... mas wi-fi na praia é, decididamente,uma das idéias mais sem sentido de que já ouvi falar.

Praias e máquinas não combinam em nenhuma latitude, em hemisfério algum. É muito romântico e inspirador ver propaganda de folheto turístico que mostra executivo trabalhando com coqueiro ao fundo mas, tirando meia dúzia de notebooks especialmente desenvolvidos para enfrentar ambientes hostis, como os Toughbooks da Panasonic, computadores não foram feitos para trabalhar à beira-mar, como vocês já leram na página 10. Tirando este detalhe técnico, há, ainda por cima, a questão da segurança — que, como sabemos, não é das mais tranqüilas na nossa bela cidade. Induzir um turista a usar o notebook na Avenida Atlântica é risco que ninguém, muito menos um governo sério, poderia se dar ao luxo de correr.

Não me considero criatura medrosa, antes pelo contrário. Uso minhas câmeras e celulares em qualquer lugar, não levo a sério horários ou ajuntamentos; mas também não gosto de entregar o ouro ao bandido de bandeja.

Assim que voltei de São Paulo, resolvi testar o wi-fi da Atlântica com o Nokia N95 — que, embora seja o meu favorito, ainda dá menos na vista do que o iPhone, meu outro aparelho com wi-fi. Sentei num quiosque, pedi uma água de coco e, o mais discretamente possível, tirei o aparelho do bolso e me pus a navegar. Sob este aspecto, tudo bem — a rede funciona e estava até rápida. Nunca, porém, me senti tão insegura usando um celular na orla, e olhem que sempre que passo pela orla no mínimo faço fotos e, freqüentemente, mando mensagens, acesso o blog, leio emails. Não acredito em equipamento que não se usa, nem em medos que me impeçam de curtir a vida e de aproveitá-la como eu bem entender.

Mas não havia um só guarda à vista, e estar sentada de celular na mão numa área que todos os ladrões já sabem que é hotspot wi-fi me deu a sensação de ser um alvo ambulante, um pato com uma gigantesca seta metafísica apontada em sua direção. De modo que guardei o celular, paguei a água de coco, fiz sinal para o primeiro taxi e tirei o time de campo enquanto era tempo.

Ao contrário do que faço habitualmente, não tive a menor vontade de voltar a pé para casa, apreciando o movimento e o mar; pode ser paranóia de carioca escaldada, mas a idéia de que assaltantes observando o ambiente pudessem ter me visto usando o N95 e viessem me pegar na esquina não me saía da cabeça.

Ser carioca não é para amadores.

(O Globo, Revista Digital, 28.7.2008)

27.7.08

Juntando os pedaços :-)






Bolsa e óculos: presentes de aniversário adiantados da Laura;
Moleskine: presente da Bia;
Carteira: estava sobrando aqui em casa;
Gato: Keaton, como sempre dando a maior força.

Júlia e os cartões

A Júlia foi uma mão na roda (mais especificamente, no telefone) no cancelamento dos cartões. Conversamos e achei a experiência tão instruitiva que pedi a ela que escrevesse para o blog:
"Depois de passar mais de uma hora para localizar no site da Oi o telefone para contato deles e finalmente conseguir bloquear o celular da mamãe, foi a vez dos cartões de crédito. A propósito, comentário que vale não apenas para a página mal organizada da Oi, mas para as páginas dos bancos também (com exceção do Bradesco): Uma pessoa que acaba de ser assaltada, em geral, está nervosa e com a cabeça levemente fora do lugar. Portanto, o telefone para bloqueio de pertences bloqueáveis (leia-se: cartões, talões de cheque, celulares e etc.) precisa ser claramente visível, e não escrito em minúsculas em um cantinho obscuro da página.

Não sei por que não se pode cancelar os cartões Visa na central Visa, os Mastercard na central Mastercard e assim por diante... A coisa toda tem de ser feita banco por banco. Temos cartões do Banco do Brasil, Banco Real, Bradesco e Itaú Personalité.

Como o Bradesco é o único onde sou co-correntista da minha mãe, e portanto sei agências e contas em detalhe, o escolhi para começar a lista. Agora um elogio: dessa vez o telefone foi fácil de achar, em um banner no canto esquerdo da página. Liguei, a moça foi simpática e tentou ao máximo me acalmar. Cancelou o cartão com eficiência. Disse que não poderia cancelar o talão de cheques, que isso deveria ser feito no próximo dia útil, mas que eu não me preocupasse porque os cheques só seriam compensados, de qualquer forma, depois do meio dia. Respirei aliviada. Até que foi fácil... quem sabe sobrevivo à maratona bancária?

Próxima parada: Itaú. “Boa noite. Fui assaltada e gostaria de cancelar meu cartão de crédito” .“Pois não, nome e CPF” responde a voz do outro lado. “Laura Tausz Rónai, número tal”. Aqui cabe uma explicação: Sim, eu estava cancelando o cartão da minha mãe. Sou Júlia Rónai, não Laura. Mas já tem tempo que aprendi que, explicar que estou cancelando o cartão da minha mãe, que acaba de ser assaltada e não quer ter que lidar com isso, é quase tão útil quanto explicar para a Oi que quero habilitar mms’s no segundo número cadastrado na conta família, não sendo a titular, por que é o celular que eu uso.

-- Conta e agência?

Respondo.

-- Não, minha senhora. Esses números de conta e agência estão aqui, no nome de Laura, mas esse não é o seu CPF.

-- É sim, -- protesto! Repito o número que já tinha sido aceito na Oi e no Bradesco, sem muita convicção. Quem sabe estou lembrando errado? Afinal, de fato, não é o meu CPF. A voz do outro lado me diz então que o meu CPF começa em 108. Bom, errar um ou outro numero é normal, mas errar assim, absurdamente, e logo os 3 primeiros números não me parece provável. Instala-se então uma discussão de uma meia hora. Eu dizendo o numero do “meu” CPF, e ele dizendo que, se “não consta no sistema”, então simplesmente aquele não pode ser o número certo.

Não sei o que acontece no mundo do tele-marketing, onde “o sistema” é Deus, e a ninguém ocorre que possa haver um erro no bendito sistema. No final o sujeito acabou concordando em bloquear temporariamente o cartão, com a condição de que eu fosse na minha agência resolver a pendência a respeito do CPF o mais rápido possível.

Chega a vez da conta mais importante de todas: a conta salário da minha mãe, no Banco do Brasil. O menu eletrônico te manda apertar 4 para cartões, 0 para caso de perda ou roubo. Aperto 4, depois 0, obedientemente. Os próximos 10 ou 15 minutos se passam “on hold”, já que as assistentes estão muito ocupadas. Se eu quisesse comprar um cartão, ou fazer uma conta, aposto que seria atendida. Mas como sou alguém que fui assaltada, fico na espera. E, claro, a maioria das pessoas que é assaltada a mão armada não tem uma filha que ligue por elas. Então, depois de ter um fuzil apontado para as nossas cabeças, ainda temos que passar 15 minutos ouvindo música ruim e uma voz mecânica nos contar todas as vantagens de ser cliente do Banco do Brasil. Coisa que aliás já sou, senão não estaria ligando! Uma vez atendida, pelo menos, as coisas correram mais ou menos como o esperado. Cancelei o cartão e segui adiante.

O Banco Real ganhou o prêmio da atendente mais simpática. Elaine Maciel. Mas “o sistema” estava fora do ar, por isso eles só poderiam cancelar os cartões depois das 6 horas da matina. Isso não chega a ser um problema, me explicou a Elaine, já que, com o sistema fora do ar, os cartões também não passam nas lojas, as máquinas 24 horas não funcionam e o cartão torna-se, para todos os fins, totalmente inútil.

Elaine anotou o meu telefone e falou que qualquer problema ela ligaria para a minha filha Júlia: Achei que se ela me acordasse e perguntasse pela Laura, às 6 horas da manhã, toda a minha prática de ser Laura no mundo “telemarketiano” iria por água abaixo. A essa hora não sei nem o meu próprio CPF, quem dirá o de outra pessoa! Ela concordou em ligar para a minha filha e ficamos por isso mesmo.

Acabados os cartões da mamãe me ofereci para cancelar o ultimo cartão da minha tia que ela mesma não havia cancelado ainda.

-- É um Mastercard da American Airlines, mas eu não sei de qual banco.

Entrei na internet e descobri que o cartão da AA deveria ser do Citibank. Me sentindo uma gênia por ter descoberto isso, ligo para lá e descubro que uma coisa é um cartão do Citibank, outra um Credidcard Citi. Entenderam? Eu também não, mas os números das centrais são diferentes. Só que o sujeito do Citibank me deu o número errado do Credicard Citi, de modo que passei umas duas horas tentando descobrir para onde ligar. Número, aliás, que acabei descobrindo ligando de novo pra o Citibank, já que na internet não se acha.

Finalmente fui atendida. A pessoa do outro lado da linha foi a primeira, entre todas as que me atenderam, a não demonstrar simpatia nenhuma pelo fato relatado de que eu acabara de ser assaltada. Me tratou como se eu fosse o ladrão, grossa e desconfiada. Perguntou meu CPF e meu nome. Depois meu RG, se o cartão tem dependentes, o nome completo do dependente, do meu pai, da minha mãe, minha data de nascimento, mais uma vez meu CPF, meu endereço e bairro. Quase me embanano sem saber se onde a tia Cora mora é considerado Ipanema ou Lagoa. Chutei Lagoa e deu certo. Ufa!

Enfim, apesar de ter conseguido cancelar o cartão no fim das contas, liguei para a tia Cora encucada:

-- Tia, o Citibank não é “banco de rico”? Como é que eles tratam assim os clientes?

Moral da história: no mundo do cancelamento de cartões, pelo menos se faz certa justiça. Os pobres são tratados bem. Os ricos com grosseria. (Júlia Rónai)

Batcat




O assalto

Bom, foi assim: saímos do Rio Sul, onde havíamos terminado de fazer compras e de jantar no Dois em Cena, e pegamos taxis separados: Mamãe, Laura e eu num, rumo às nossas respectivas casas, Bia, Júlia, Manoela, Mayra, Hermano, Gui e o amigo namorado da Manoela cujo nome não guardei (desculpe!) Renan em outros não sei exatamente para onde.

O nosso taxi fez aquela volta, por baixo, para ir para Botafogo em vez de pegar o Aterro; há uma espécie de túnel, lá, que fica por baixo do viaduto. Nisso fomos fechados -- o táxi e mais os carros que vinham atrás -- por dois carros que trafegavam feito loucos na contramão.

Do que parou à nossa frente, um Fiat (era Fiat?) escuro, desceram dois caras, o do lado direito com um fuzil (tanto que a minha primeira impressão foi que era polícia atrás de bandido) e os outros armados com pistolas 45mm.

Aos berros.

Aí caiu a ficha que não era polícia.

Peguei o celular na bolsa e já ia fotografar os elementos quando, graças a Deus!, me lembrei da luz de auxílio do foco e desisti da idéia. Joguei o bichinho no chão do taxi, e fiz o mesmo com o outro.

Enquanto isso, um bandido apontava a arma para cabeça da Laura mandando a gente entregar as bolsas.

Laura pedia para ficar com os documentos.

O motorista do táxi, muito nervoso, dizia para termos calma, não fazermos movimentos bruscos e, possivelmente, não respirarmos (brincadeira: isso ele não disse, mas foi por pouco).

Mamãe, sempre a Sábia Coruja, estava quietinha quietinha, disfarçando a bolsa preta junto à roupa idem, como se nada estivesse acontecendo.

Eu ainda tentava, frenética mas discretamente, pescar a carteira com os documentos de dentro da bolsa.

O sujeito apontou a arma para mim e aumentou o volume:

-- Passa essa bolsa, porra, passa essa bolsa!

Uma 45 é um argumento tão eloqüente que ele não precisava nem ter berrado tanto. Entreguei a bolsa.

Contrariada, p da vida, mas entreguei.

O pessoal dos carros teve menos sorte. Os bandidos mandaram que descessem dos veículos, roubaram bolsas, carteiras e celulares de todos, e fugiram nos carros cantando pneu.

Os carros com que nos fecharam ficaram abandonados na rua.

O táxi nos levou até a 10 DP, onde os policiais foram simpáticos e atenciosos.

* * *

Fiquei muitíssimo impressionada com uma família de Minas Gerais, pai, mãe e filha pequena, que tiveram o carro roubado.

Os pais mantiveram o sangue frio e seguraram a onda tão bem que a menina, apesar da hora, do susto e da demora na delegacia, ficou bem tranqüila, e contava para todo mundo o que tinha acontecido como se fosse apenas uma aventura esquisita.

* * *

Cerca de uma hora depois, já com os registros para começar a romaria atrás de documentos novos na segunda, fomos a pé para a casa da Laura, que fica logo ali na esquina.

A Laura, que acredita no poder reparador da comida, preparou um chazinho e serviu um bolo. O Hermano, muito amigo nosso, chegou quase junto.

Passamos um tempão cancelando cartões e talões de cheque. A Júlia, em algum outro lugar da cidade, de onde se comunicava conosco com regularidade, fez um belo serviço e nos ajudou muito.

* * *

A minha contabilidade de prejuízos ficou assim:

  • Óculos escuros NOVINHOS, de grau, caros pra caramba;

  • Carteirinha deliciosa, toda colorida, para dinheiro e documentos, que comprei em Berlim; quase sem dinheiro, mas cheia de documentos, cartões e, principalmente, duas lindas fotos, uma do Paulinho com a Emília, outra da Bia com a Keaton (feita numa máquina de rua, sem cópia);

  • Moleskine CHEIO de anotações;

  • Bolsinha com tudo o que eu preciso -- Polaramine, lenços de papel, pó compacto da Benefit que fazia sua estréia na minha vida social, batom, caneta, talão de cheques com apenas duas ou três folhas usadas, caneta pequenina e gostosinha de usar;

  • Linda bolsa da Datelli que eu muito amava;

  • Chaves de casa.

    * * *

    O prejuízo da Laura foi quase igual, com alguns cartões a menos, o que significa que ela ainda é considerada gente pelo sistema; já eu só voltarei a ter essa regalia quando o Bradesco substituir os meus. Hermano me emprestou 50 pratas, Mamãe me deu mais 20 pro táxi e depois a gente vê.

    * * *

    A noite acabou com alguns toques perfeitos, porque quem tem uma irmã como a Laura realmente tem tudo na vida.

    Ela me adiantou o presente de aniversário, que era, não sei como ela adivinhou... UMA BOLSA!!!

    Nunca disse "Era isso mesmo que eu estava precisando!" com tanta sinceridade.

    Acham que é tudo? Neca. Dois minutos depois ela vem lá de dentro com um estojo de óculos na mão: escuros, lindos, perfeitos para mim. Só preciso mandar fazer as lentes pro meu grau.

    Ela comprou durante a tournée, achando que em algum momento poderiam ter utilidade para alguém.

    E, como se não bastasse, sabia exatamente onde estavam guardadas as cópias que tem das chaves daqui de casa...

    * * *

    Agora que passou, e que já estamos todas a salvo, está tudo bem. Não aconteceu nada de realmente grave, ninguém se feriu. É claro que quando um filhadaputa aponta uma arma para a tua cabeça, você quer mais é que ele morra, mas até disso fomos poupadas: ver alguém levar um tiro na sua frente, ainda que seja o cara que está te assaltando, não deve ser agradável.

    Enfim.

    Preciso raciocinar com mais calma sobre o que aconteceu.

    O que eu sei é que, na hora do assalto, eu só pensava: "Acho que dá uma crônica; mas tomara que não atirem."
  • Cancelando os cartões




    25.7.08

    Na redação




    Como é, não se trabalha nessa casa?!

     
    Posted by Picasa

    Indivíduos poderosos: eu, você, ele...

    Antigamente o mundo era vasto e variado, e tudo ficava muito longe. Quando alguém conseguia, com grande esforço, chegar ao outro lado do planeta, deparava-se com sabores nunca experimentados, roupas estranhas e toda a sorte de costumes esquisitos e diferenças culturais. Com o passar do tempo, e sobretudo com as invenções dos séculos XIX e XX, o mundo encolheu. A China, por exemplo, continua sendo um país exótico para nós, latinos – mas quem viajar para as Olimpíadas este ano já conhecerá o suficiente do exotismo local para se sentir numa terra quase, quase familiar.

    Há muito os chineses adotaram costumes e trajes ocidentais, há internet por toda a parte e, quando o sabor da comida local cansar, não seja por isso -- haverá sempre um MacDonalds ou um Burger King plantado na esquina para satisfazer o gosto de gregos e troianos. Assim é também na Turquia, na Alemanha, no Tahiti, na Austrália. E assim é na telinha que contemplamos quando ligamos o computador. As fronteiras que existem no mundo real desaparecem online.

    Antigamente, nossos amigos viviam na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade. Imigrantes tinham, eventualmente, parentes e amigos em outros países, mas as notícias, trazidas primeiro pelo correio, depois pelo telefone, eram sempre raras. Pessoas viajadas faziam amigos ao redor do globo, mas essas, então, se não fossem da aviação ou da marinha, eram ainda mais raras.

    Hoje ninguém precisa sair de casa para fazer novos conhecidos; amigos meus já viajaram o mundo – aquele real, em que pisamos – hospedando-se na casa de pessoas que conheceram através da internet. Na mão inversa, freqüentemente hospedam gente que só conhecem online e que, um dia, materializa-se à sua porta. Às vezes há ligeiros constrangimentos mas, de modo geral, as experiências que me relatam têm sido muito positivas.

    É que, cada vez mais, partes substanciais das nossas vidas tendem a acontecer na internet – e, com isso, passamos a decifrar melhor os nossos interlocutores. As chamadas redes sociais (como o Orkut, o Facebook, os incontáveis sites de namoro) ainda assustam navegantes de primeira viagem pela novidade, e preocupam pais e mães que não sabem o que pode acontecer a seus filhos no ciberespaço (expressão que, pensando bem, já soa um tanto antiga).

    Em tese, nada que não aconteceria na, digamos, “vida real”. Cresci ouvindo de meus pais que não aceitasse balinhas de estranhos, não conversasse com desconhecidos, não aceitasse convites para ir aonde quer que fosse sem antes avisá-los. Essas regras continuam valendo. Não há pai ou mãe que consiga vigiar um filho 24 horas por dia. O segredo daquele mínimo de segurança que podemos oferecer-lhes chama-se confiança mútua.

    Há também quem se preocupe com a excessiva exposição que a rede permite. Nossas vidas estão estendidas nos Flickrs da vida como lençóis estendidos em varais postos ao sol, para secar. De novo, a virtude está no meio. A humanidade abarca toda a espécie de comportamento, e isso não é de hoje: sempre houve pessoas mais ou menos reservadas, mais ou menos abertas, mais ou menos exibicionistas. A privacidade é um conceito muito recente; antes de existirem as redes sociais na internet, já existiam as implacáveis redes de parentes, vizinhos, conhecidos. Com todas as informações que deixamos online, o mundo ainda sabe menos de nós do que sabiam os habitantes dos povoados medievais a respeito uns dos outros.

    As grandes exceções atuais são, tipicamente, fruto de descuidos e de comportamentos de risco: num exemplo típico, a toda hora sabemos de casos em que garotos sem noção põem na internet vídeos das suas relações com as ex-namoradas. Solução? Nunca, jamais, em tempo algum, ir para a cama com o namorado diante de um computador com webcam. Também não permitir nunca, jamais, em tempo algum, que ele faça fotos calientes para “os momentos de saudade”. Amanhã o namoro desanda, e quem sabe onde vão parar essas fotos?

    No mais, é aproveitar a rede, e as suas muitas redinhas concêntricas, com um mínimo de juízo – e um mínimo de paranóia. Quantos milhões de pessoas usam a internet rotineiramente, e quantos casos de abuso acontecem? Muito poucos, se fizermos a matemática objetivamente. A verdade é que nunca houve nada que uma pessoa mal intencionada tivesse vontade de saber a respeito de outra que não conseguisse com o devido empenho.

    As vantagens das redes sociais superam, em muito, os seus supostos riscos e perigos. Elas permitem que pessoas com os mesmos interesses possam se comunicar sem fronteiras e, mais importante do que isso, permitem que cidadãos com as mesmas reivindicações possam se unir e propor ações efetivas para mudar o que consideram errado – com o seu emprego, a sua cidade, o seu time de futebol, o seu mundo. O próprio Orkut, que ainda é visto com tanta desconfiança, e que em geral só chega às manchetes quando é mal utilizado, é uma sensacional ferramenta de encontros e de cidadania.

    À medida em que mais e mais pessoas passarem a usar a internet, e que seus meandros passem a ser bem conhecidos, a sociedade aprenderá, como um todo, a usar o mais poderoso instrumento que já teve em mãos. Informação é poder e, sempre que falamos em internet, é disso que estamos falando: de um poder pulverizado entre milhões de indivíduos, e da união que faz a força.


    (Do catálogo da Leadership, segundo semestre, 2008)

    Prontinho

    Como a idéia pareceu agradar, já mudei a barra. Mas, pensando melhor, não vou por data de aniversário, porque aí fica parecendo obrigação; eu mesma prefiro dar presentes assim do nada, sem qualquer motivo específico.

    Vocês podem mandar os links das suas listas para o meu email, ou deixar aqui mesmo nos comentários.

    Para criar a sua lista de desejos no Submarino:

    1. Vá à página de Cadastro e registre-se;
    2. Uma vez cadastrado, note que qualquer mercadoria, além do link para 'Compre', tem um 'Adicionar à Lista de Desejos' (no canto inferior esquerdo de cada mercadoria);
    3. É só clicar, que aquele produto será automaticamente incluído na sua lista de cliente cadastrado.

    O procedimento na Amazon é igual.

    Update / Help!

    Está acontecendo uma coisa estranha. As listas do Lucas, do DJ Leo e da Cristina Magrassi, todas do Submarino, não aparecem aqui, mandando o usuário para a página de criação de listas. O estranho é que a URL é igual à minha (com exceção da ID), que entra direitinho. Vocês me dão um feedback, por favor? Aparece aí nas máquinas de vocês? Alguém sabe o que pode ser isso?

    Tom diz que é possível que, embora a URL seja criada automaticamente, não entre no ar antes de ser liberada por alguém lá.

    Acho que o Lucas matou a charada!

    "1. Vá a sua wishlist.
    2. Na página da sua wishlist, à esquerda, na janelinha "Minhas Listas" tem a opção "Gerenciar minhas listas", clique nela.
    3. Vão aparecer suas listas. No meu caso, só tem uma. Então clique na opção "Alterar cadastro", ao lado do nome da sua lista.
    4. Abrirá uma página com as informações da sua lista. Nome, descrição, seu nome, e-mail e "Quem pode ver esta lista". Nessa opção, selecione "Lista pública (qualquer um vê)".
    5. Em seguida clique em "Salvar alterações", no canto direito da página."



    Ah, e como dá pra ver pela lista da Angela, da Livraria Cultura, há outros empórios virtuais competentes na praça. Vale lista de onde vocês quiserem; Submarino e Amazon foram apenas sugestões.

    Lindo!!!



    (Valeu, Tomzinho!)


    Só para vocês terem idéia do que isso representa: cerca de seis mil JPEGS clicados a 10MP, ou mais de oito horas de vídeo em formato HD Extended a 6 Mbps. O preço? Cerca de R$ 1.200.

    24.7.08

    ATENÇÃO: MUDANÇA DE EMAIL

    Sinto informar que a minha antiga conta da well.com, que em breve faria 20 anos, morreu de causas naturais, a primeira delas sendo que pagar US$ 15 mensais por endereço eletrônico deixou de fazer sentido há tempos.

    Aos que me escreveram para o antigo endereço ao longo do último mes, peço, por favor, que reenviem os emails, agora para cronai[arroba]gmail.com.

    Net no jardim




    Gravação




    O jardim chegou!




    Povo, tive uma idéia!

    O jac disse que quer ler o livro do Rory Stewart mas as suas finanças não andam permitindo, como direi, gastos extra-orçamentários; volta e meia, alguém querido faz anos e nós ficamos só nos parabéns.

    Então pensei: por que não abrir um espaço para listas de sonhos de consumo dos freqüentadores do blogtequim na barrinha aí ao lado? Eu mesma acabei de fazer duas listas, uma na Amazon, outra no Submarino: é muito fácil de fazer, e muito fácil também para quem quer presentear, porque não precisa ir ao correio nem nada.

    A do Submarino é mais prática porque fica aqui mesmo, não precisa cartão internacional e os preços são em reais (o que, pensando bem, não chega a ser propriamente uma vantagem).

    Com isso, acho que o blog seria pioneiro numa nova modalidade: trocas de gentilezas palpáveis entre os leitores.

    Quem se anima? É só mandar o link para mim, e pronto.

    Sempre alerta





    Mundo, mundo,
    vasto mundo

    Cronista sonha com uma viagem divina, mas
    encanta-se com o relato de uma ida ao inferno



    Há uma agência de viagens canadense chamada Butterfield & Robinson que é meu sonho de consumo desde que tomei conhecimento de sua existência. Se não me falha a memória, nos encontramos (eles não sabem; mas assim é a vida, cheia de amores platônicos e relações unilaterais) num daqueles práticos cartõezinhos que costumam vir nas revistas de viagem estrangeiras, nos quais marca-se com um x as informações que interessam, manda-se pelo correio e a revista cuida do resto.

    Esses cartõezinhos eram mais comuns, e faziam mais sentido, antes de todo mundo ter internet; e um dos meus hobbies era preencher os quadradinhos que me pareciam atraentes, despachar o cartão e esperar o que me traria o carteiro. Além de pequenas amostras do mundo, os folhetos e catálogos que recebi foram, em si, uma boa aula de marketing aplicado. Folheando-os ao longo do tempo, cheguei à conclusão de que não há um centímetro quadrado do globo terrestre que não possa ser vendido como destino turístico imperdível, desde que seja apresentado com um mínimo de competência.

    Pois a Butterfield & Robinson, além de fazer os catálogos mais lindos de todos, faz exatamente o tipo de viagem dos meus sonhos: a pé ou de bicicleta, mas com m-u-i-t-o conforto pelo caminho. Os meus sonhos são sempre assim, bem simplinhos, de jeans e camiseta, mas mais caros do que viagem a Dubai em tapete voador; de modo que tendem a permanecer eternamente como o que são, sonhos. Agora, pela primeira vez, dois amigos se aventuraram numa viagem B&R de bicicleta pela Toscana, e voltaram entusiasmados: o catálogo não é propaganda enganosa! De modo que ando pensando seriamente em quebrar os porquinhos de barro e, no ano que vem, estrear o joelho novo num caminho qualquer pela África ou pela Ásia. No mínimo, no mínimo, volto com um punhado de crônicas.

    * * *

    No quesito aventura, porém, vai ser difícil para qualquer pessoa no mundo fazer algo tão radical quanto a viagem de Rory Stewart, um escocês maluco que resolveu atravessar o Afeganistão a pé, sozinho, pelos caminhos mais difíceis. A seu favor, o fato de parecer de qualquer lugar, menos de um país anglo-saxão; a experiência prévia de ter atravessado a pé Irã, Índia, Paquistão e Nepal; e de falar meia dúzia de dialetos persas. Ainda assim, pegar um cajado e sair por uma das regiões mais conturbadas do planeta, na pior estação do ano, requer uma mistura de coragem e de insensatez muito rara. Voltar para contar a história requer uma sorte mais rara ainda.

    A aventura está em “Os lugares do meio” (Record, 335 páginas, ótima tradução de S. Duarte), um dos livros de viagem mais fascinantes que já li. Rory viajou de Cabul a Herat em pleno inverno, logo depois da queda do Talibã, em 2002, quando faltava energia elétrica em quase todo o país e a única tecnologia estrangeira na maioria das casas era, como ele mesmo diz, um rifle Kalashnikov. O vácuo de poder tornava a região ainda mais confusa do que de costume; ninguém sabia o que estava valendo, se é que algum dia soube; a pouca ordem que havia seguia um padrão tribal mais condizente com a Baixa Idade Média do que com o Século XXI.

    Acrescente-se a isso a quase inexistência de estradas, a natural desconfiança de todos diante de um estrangeiro por aquelas paragens (o que é que uma pessoa normal poderia estar fazendo num lugar daqueles, de livre e espontânea vontade?!), os campos minados, a comida escassa, e pronto, aí está, em linhas gerais, o cenário atravessado pelo nosso herói. Rory hospedou-se nas casas dos se dispuseram a acolhê-lo, dormiu nos cantos que lhe pareceram seguros, comeu o que lhe foi oferecido. Notícias de banho são constrangedoramente escassas.

    O retrato que traça do país, contudo, mostra o tamanho da ignorância de qualquer governo estrangeiro que pense em dominá-lo. Alguém deveria dar rapidamente um exemplar a Barack Obama, antes que ele seja eleito e meta os pés pelas mãos. Seria leitura utilíssima. Cada vilarejo é um feudo, ligado aos outros por fios frágeis demais para elevar o espírito humano acima de qualquer coisa além do mais básico instinto de sobrevivência. Às vezes, nem isso: mata-se por nada, morre-se por menos ainda. As notícias demoram a chegar, o poder central é relativo, “amigo” e “inimigo” são palavras que mudam ao sabor do vento. O que havia de civilização, e que já não era muito, foi pulverizado pelos talibãs.

    Tirando o fato de empreender uma viagem dessas e escapar com vida, o maior talento de Rory Stewart é saber observar o mundo, aos outros e a si próprio sem qualquer traço de pieguice. Ele aceita as pessoas que encontra, e com quem convive, pelo que são; não tem preconceitos aparentes, nem entra em julgamentos morais. Ali estão homens (ele quase não encontra mulheres) num mundo hostil, enfrentando situações adversas, tentando sobreviver como podem. Como bom repórter, conta o que viu, o que lhe disseram, o que apurou. Não faz estardalhaço do seu admirável destemor, do seu humanismo à flor da pele e da sua travessia heróica.

    O resultado é a obra-prima que escreveu só assim, como quem conta uma história. Ou como quem atravessa o inferno a pé porque, afinal, ele está lá.


    (O Globo, Segundo Caderno, 24.7.2008)