28.7.08


Orla Digital

Factóide perigoso:
máquinas na praia


Fui a São Paulo semana passada. Quando o táxi pegou a Atlântica, havia certo engarrafamento; lá na frente, descobrimos que a culpa era da solenidade de inauguração da Orla Digital, o projeto que provê a avenida de wi-fi grátis para usufruto de moradores e de turistas incautos. Adoro wi-fi, não uso celular sem wi-fi, nem preciso dizer que a minha casa é toda wi-fizada... mas wi-fi na praia é, decididamente,uma das idéias mais sem sentido de que já ouvi falar.

Praias e máquinas não combinam em nenhuma latitude, em hemisfério algum. É muito romântico e inspirador ver propaganda de folheto turístico que mostra executivo trabalhando com coqueiro ao fundo mas, tirando meia dúzia de notebooks especialmente desenvolvidos para enfrentar ambientes hostis, como os Toughbooks da Panasonic, computadores não foram feitos para trabalhar à beira-mar, como vocês já leram na página 10. Tirando este detalhe técnico, há, ainda por cima, a questão da segurança — que, como sabemos, não é das mais tranqüilas na nossa bela cidade. Induzir um turista a usar o notebook na Avenida Atlântica é risco que ninguém, muito menos um governo sério, poderia se dar ao luxo de correr.

Não me considero criatura medrosa, antes pelo contrário. Uso minhas câmeras e celulares em qualquer lugar, não levo a sério horários ou ajuntamentos; mas também não gosto de entregar o ouro ao bandido de bandeja.

Assim que voltei de São Paulo, resolvi testar o wi-fi da Atlântica com o Nokia N95 — que, embora seja o meu favorito, ainda dá menos na vista do que o iPhone, meu outro aparelho com wi-fi. Sentei num quiosque, pedi uma água de coco e, o mais discretamente possível, tirei o aparelho do bolso e me pus a navegar. Sob este aspecto, tudo bem — a rede funciona e estava até rápida. Nunca, porém, me senti tão insegura usando um celular na orla, e olhem que sempre que passo pela orla no mínimo faço fotos e, freqüentemente, mando mensagens, acesso o blog, leio emails. Não acredito em equipamento que não se usa, nem em medos que me impeçam de curtir a vida e de aproveitá-la como eu bem entender.

Mas não havia um só guarda à vista, e estar sentada de celular na mão numa área que todos os ladrões já sabem que é hotspot wi-fi me deu a sensação de ser um alvo ambulante, um pato com uma gigantesca seta metafísica apontada em sua direção. De modo que guardei o celular, paguei a água de coco, fiz sinal para o primeiro taxi e tirei o time de campo enquanto era tempo.

Ao contrário do que faço habitualmente, não tive a menor vontade de voltar a pé para casa, apreciando o movimento e o mar; pode ser paranóia de carioca escaldada, mas a idéia de que assaltantes observando o ambiente pudessem ter me visto usando o N95 e viessem me pegar na esquina não me saía da cabeça.

Ser carioca não é para amadores.

(O Globo, Revista Digital, 28.7.2008)

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