21.7.08



Privacidade

Tudo, sempre,
sobre todo mundo

Tudo começou de forma inocente, quando reencontrei os ímãs que a Bia, então adolescente, confiscara da geladeira. Eram ímãs de viagem, com os nomes das cidades por onde eu passara; e a Bia achava aquilo cafonérrimo. Um dia, aproveitando-se justamente de uma viagem minha, sumiu com os tais ímãs.

Armei um belo auê na volta, vocês podem imaginar, mas lá ficou a geladeira pelada, e lá fiquei eu desanimada e sem gosto para recomeçar do zero. Continuei viajando, mas deixei de comprar ímãs. Agora, porém, que os antigos estão de volta, ando triste pelas “figurinhas” que faltam. Fiz um post a respeito disso no blog, com uma lista das cidades “desmagnetizadas”, e pedi aos leitores que moram nelas, ou que por acaso estejam de passagem, que me mandem, por favor, um ímã de geladeira de presente. E dei o endereço lá de casa.

Para quê? Foi um tal de torpedos, telefonemas, emails:

-- Como é que você põe o endereço de casa na internet, sua louca?

De modo que, a pedido de amigos mais ou menos paranóicos -- no bom sentido, e com todo o respeito! -- tirei o endereço do post. Não por mim, mas por eles; quando tanta gente fica intranqüila por uma coisa tão simples de resolver, resolve-se a coisa e pronto, todos ficam sossegados.

Mas que ninguém se iluda. Já disse e repito mil vezes: a privacidade, que de resto é invenção relativamente moderna, acabou há muito. A pobre da internet leva o grosso da culpa, mas num país onde o governo já perdeu o controle do número de telefones grampeados, a rede certamente não é a maior vilã da parada. Nossos dados estão soltos por aí, numa mala direta que muda de mãos aqui, num cadastro que é transferido acolá, num currículo que percorre meia dúzia de empresas. Achar que se pode proteger um endereço nessas circunstâncias é mais ou menos como tentar esvaziar uma canoa furada.

Há tempos tenho a mais firme convicção de que, quem quer de verdade, consegue obter toda e qualquer espécie de informação a respeito dos outros. Lembram dos antigos catálogos telefônicos? Eles existiam beeeeeeeeem antes da internet, e já forneciam telefone e endereço do usuário. Continuam fornecendo.

Volta e meia recebo emails de pessoas preocupadas que, suponho, gostariam que eu fosse mais alarmista, e que me apontam os "riscos" da internet enviando mapinhas do Google com meu prédio em destaque. Lamento, amigos, mas assim é a vida.Se,ainda hoje, alguém chegar a qualquer cidade pequena e perguntar onde é a casa de Fulano ou Beltrano, todos saberão dizer. E sem consultar a internet.


(O Globo, Revista Digital, 21.7.2008)

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