29.7.08

Direto do front

Botafogo, Avenida Pasteur, sábado, 22h30. Quando o táxi em que eu estava com a Mamãe e a Laura entrou no mergulhão da Avenida Pasteur, dois carros que vinham na contramão, feito loucos, fecharam a passagem. Do que parou à nossa frente desceram dois homens, o do lado direito com um fuzil — o que me deu a impressão que estávamos diante de uma “corriqueira” perseguição policial. O outro levava uma 45. Mas ambos (e os do segundo carro) não estavam de uniforme. E todos estavam aos berros.

Aí caiu a ficha. Era arrastão. Minha primeira reação foi pegar o celular para fotografar os elementos quando, graças a Deus!, me lembrei da luz de auxílio do foco, e achei que poderiam ficar contrariados em ser flagrados durante o expediente. Larguei o celular no chão do táxi, enquanto os bandidos se espalhavam. O que nos coube gritou para que abríssemos os vidros, apontou a arma para a cabeça da minha irmã, sentada ao lado do motorista, e mandou que entregássemos as bolsas.

Laura pedia desesperada para ficar com os documentos; o bandido gritava; o motorista do táxi, nervoso, dizia para termos calma, não fazermos movimentos bruscos e, possivelmente, nem respirarmos (brincadeirinha: isso ele não disse, mas foi por pouco).

Mamãe, sentada atrás do motorista, imóvel estava e imóvel ficou, apesar de eu ter sugerido a ela que se jogasse ao chão. Quando olhei, estava disfarçando a bolsa preta junto à roupa idem, como se aquilo fosse muito normal. Nada que minha Mãe faça me espanta mais; sei que é capaz de tudo, mas essa foi a primeira vez que vi o truque da Mulher Invisível. Fiquei boba.

Depois de salvar o outro celular, tentei pescar a carteira, com pouco dinheiro mas muitos documentos. O cara apontou a arma para mim e aumentou o volume:

-- Passa essa bolsa, porra, passa essa bolsa!

O cano de uma 45 virado na sua direção é um argumento eloqüente. Ele nem precisava ter gritado.

O pessoal dos carros à nossa volta teve menos sorte. Os bandidos mandaram que descessem e deixassem tudo, tiraram carteiras e celulares dos bolsos dos homens e fugiram cantando pneu. Acho que pelo menos um dos carros com que nos fecharam ficou abandonado, mas não tenho certeza porque, a essa altura, o táxi já ia em desabalada carreira rumo à 10 DP, onde os policiais foram gentis, mas nada puderam fazer além de registrar a ocorrência. Aos poucos, outras vítimas iam chegando, em diversos graus de comoção e perplexidade.

A mistura de sentimentos gerada por uma situação dessas é tão complexa e pessoal que praticamente desafia descrição. Não senti medo nem raiva durante o assalto. Ao contrário, fiquei estranhamente calma. Pensava: “Caramba, que crônica! Mas tomara que não atirem...” Quando nos safamos ilesas, senti um misto de alívio e euforia, como se tivéssemos escapado, por um triz, de um caminhão de desgraças. E escapamos mesmo.

Cerca de uma hora depois, já com os registros para começar a romaria atrás de documentos novos na segunda-feira, fomos a pé para a casa da Laura, que fica logo ali na esquina. Agora, que passou e que estamos todas a salvo, tudo está relativamente bem.

Pelo menos, até o próximo assalto.

(O Globo, 29.7.2008)

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