25.7.08

Indivíduos poderosos: eu, você, ele...

Antigamente o mundo era vasto e variado, e tudo ficava muito longe. Quando alguém conseguia, com grande esforço, chegar ao outro lado do planeta, deparava-se com sabores nunca experimentados, roupas estranhas e toda a sorte de costumes esquisitos e diferenças culturais. Com o passar do tempo, e sobretudo com as invenções dos séculos XIX e XX, o mundo encolheu. A China, por exemplo, continua sendo um país exótico para nós, latinos – mas quem viajar para as Olimpíadas este ano já conhecerá o suficiente do exotismo local para se sentir numa terra quase, quase familiar.

Há muito os chineses adotaram costumes e trajes ocidentais, há internet por toda a parte e, quando o sabor da comida local cansar, não seja por isso -- haverá sempre um MacDonalds ou um Burger King plantado na esquina para satisfazer o gosto de gregos e troianos. Assim é também na Turquia, na Alemanha, no Tahiti, na Austrália. E assim é na telinha que contemplamos quando ligamos o computador. As fronteiras que existem no mundo real desaparecem online.

Antigamente, nossos amigos viviam na nossa rua, no nosso bairro, na nossa cidade. Imigrantes tinham, eventualmente, parentes e amigos em outros países, mas as notícias, trazidas primeiro pelo correio, depois pelo telefone, eram sempre raras. Pessoas viajadas faziam amigos ao redor do globo, mas essas, então, se não fossem da aviação ou da marinha, eram ainda mais raras.

Hoje ninguém precisa sair de casa para fazer novos conhecidos; amigos meus já viajaram o mundo – aquele real, em que pisamos – hospedando-se na casa de pessoas que conheceram através da internet. Na mão inversa, freqüentemente hospedam gente que só conhecem online e que, um dia, materializa-se à sua porta. Às vezes há ligeiros constrangimentos mas, de modo geral, as experiências que me relatam têm sido muito positivas.

É que, cada vez mais, partes substanciais das nossas vidas tendem a acontecer na internet – e, com isso, passamos a decifrar melhor os nossos interlocutores. As chamadas redes sociais (como o Orkut, o Facebook, os incontáveis sites de namoro) ainda assustam navegantes de primeira viagem pela novidade, e preocupam pais e mães que não sabem o que pode acontecer a seus filhos no ciberespaço (expressão que, pensando bem, já soa um tanto antiga).

Em tese, nada que não aconteceria na, digamos, “vida real”. Cresci ouvindo de meus pais que não aceitasse balinhas de estranhos, não conversasse com desconhecidos, não aceitasse convites para ir aonde quer que fosse sem antes avisá-los. Essas regras continuam valendo. Não há pai ou mãe que consiga vigiar um filho 24 horas por dia. O segredo daquele mínimo de segurança que podemos oferecer-lhes chama-se confiança mútua.

Há também quem se preocupe com a excessiva exposição que a rede permite. Nossas vidas estão estendidas nos Flickrs da vida como lençóis estendidos em varais postos ao sol, para secar. De novo, a virtude está no meio. A humanidade abarca toda a espécie de comportamento, e isso não é de hoje: sempre houve pessoas mais ou menos reservadas, mais ou menos abertas, mais ou menos exibicionistas. A privacidade é um conceito muito recente; antes de existirem as redes sociais na internet, já existiam as implacáveis redes de parentes, vizinhos, conhecidos. Com todas as informações que deixamos online, o mundo ainda sabe menos de nós do que sabiam os habitantes dos povoados medievais a respeito uns dos outros.

As grandes exceções atuais são, tipicamente, fruto de descuidos e de comportamentos de risco: num exemplo típico, a toda hora sabemos de casos em que garotos sem noção põem na internet vídeos das suas relações com as ex-namoradas. Solução? Nunca, jamais, em tempo algum, ir para a cama com o namorado diante de um computador com webcam. Também não permitir nunca, jamais, em tempo algum, que ele faça fotos calientes para “os momentos de saudade”. Amanhã o namoro desanda, e quem sabe onde vão parar essas fotos?

No mais, é aproveitar a rede, e as suas muitas redinhas concêntricas, com um mínimo de juízo – e um mínimo de paranóia. Quantos milhões de pessoas usam a internet rotineiramente, e quantos casos de abuso acontecem? Muito poucos, se fizermos a matemática objetivamente. A verdade é que nunca houve nada que uma pessoa mal intencionada tivesse vontade de saber a respeito de outra que não conseguisse com o devido empenho.

As vantagens das redes sociais superam, em muito, os seus supostos riscos e perigos. Elas permitem que pessoas com os mesmos interesses possam se comunicar sem fronteiras e, mais importante do que isso, permitem que cidadãos com as mesmas reivindicações possam se unir e propor ações efetivas para mudar o que consideram errado – com o seu emprego, a sua cidade, o seu time de futebol, o seu mundo. O próprio Orkut, que ainda é visto com tanta desconfiança, e que em geral só chega às manchetes quando é mal utilizado, é uma sensacional ferramenta de encontros e de cidadania.

À medida em que mais e mais pessoas passarem a usar a internet, e que seus meandros passem a ser bem conhecidos, a sociedade aprenderá, como um todo, a usar o mais poderoso instrumento que já teve em mãos. Informação é poder e, sempre que falamos em internet, é disso que estamos falando: de um poder pulverizado entre milhões de indivíduos, e da união que faz a força.


(Do catálogo da Leadership, segundo semestre, 2008)

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