31.3.11

No fundo do poço




O fundo do poço é igual à boca do poço, só que é diferente. No fundo do poço tudo parece continuar na mesma. Os dias se sucedem, os problemas e os livros na mesinha de cabeceira se acumulam, as contas chegam, o elevador para para manutenção, chove e faz sol como a meteorologia é servida. A aparência de normalidade é tão angustiante que dá vontade de gritar. Para quem está no fundo do poço, “normalidade” é um estado que não existe.

Problemas e contratempos que, na superfície, têm enorme significado, passam a acontecer num universo paralelo, sem substância. No fundo do poço nada tem importância além do que realmente importa: a pedra no peito, o medo de pensar, o pavor do silêncio, a ausência de sinais de vida verdadeira.

* * *

O ar é pesado no fundo do poço, mais ou menos como a água que, em mergulhos profundos, é tão pesada que achata as bolhas de ar. Quem já esteve no mar sabe como é. É por isso que, no fundo do poço, às vezes até respirar dói.

* * *

O mundo e as pessoas são diferentes vistos do fundo do poço; os gestos – ou a ausência deles – ganham dimensões às vezes amplificadas, às vezes distorcidas, como imagens vistas à distância num deserto escaldante. Por outro lado, se há uma vantagem no fundo do poço, é a nitidez com que se percebem os sentimentos, nossos e dos outros.

Amigos próximos que não dão sinal de vida talvez não sejam tão amigos ou tão próximos; conhecidos distantes, às vezes até geograficamente, revelam-se surpreendentemente próximos. No fundo do poço, qualquer carinho reverbera nas paredes e, como um eco, é por elas amplificado; um abraço mais apertado, um olhar que diz “Estou aqui”, um email. O silêncio, inversamente, escorre poço abaixo, como uma gosma gelada, criando dúvidas e distâncias onde, em circunstâncias normais, nada existiria. Mas, eu não sei se já disse, no fundo do poço não há circunstâncias normais.

* * *

A vida não para no fundo do poço, mas se torna bastante difícil. Acordar é uma decisão penosa, e muitas vezes inútil: acorda-se na cama para pouco depois se adormecer no sofá. Nos dias bons dorme-se o tempo todo no fundo do poço, um sono pesado e sem sonhos. Nos dias ruins quase não se dorme, porque basta fechar os olhos para que os sonhos se transformem em pesadelos. Os dias bons, felizmente, são maioria.

* * *

No fundo do poço o cérebro é, na melhor das hipóteses, um orgão inútil. Não serve para nada. É incapaz de se lembrar de um nome, de um número ou de tarefas a cumprir. Não consegue se concentrar o suficiente para a leitura de um livro, ou para que um filme faça sentido: no fundo do poço, um filme é apenas uma sucessão de imagens desconexas e desinteressantes, incapazes de segurar o olhar.

Reduzido ao seu nível mais primário de funcionamento, o cérebro serve apenas para executar tarefas simples, como jogar Angry Birds ou subir fotos para o Instagram.

Mas não me entendam mal: um cérebro imprestável desses é uma benção, porque nos dias em que funciona como deveria, o cérebro é a mais eficiente máquina de lembranças e pensamentos torturantes.

* * *

Nada vale a pena no fundo do poço: sair de casa, andar pela cidade, ir ao shopping, criar ikebanas, montar quebra-cabeças. Dizem que exercício ajuda, mas para fazer exercício é preciso chegar à academia, e para chegar à academia é preciso sair de casa – sair de casa sendo, talvez, uma das coisas mais difíceis de se executar no fundo do poço. Até encontrar os amigos é complicado, porque as conversas se tornam tão difíceis de acompanhar quanto a atmosfera feliz que costuma reger tais encontros.

Viajar quebra um pouco essa rotina asfixiante, mas na verdade não resolve nada, apenas leva o fundo do poço para outra paisagem.

* * *

Os gatos sabem o que é o fundo do poço e evitam perder seu bípede de vista. Fazem turnos de colo e de demonstrações de afeto e, à noite, esquecem suas eventuais divergências para dormir todos juntos na cama, formando uma pequena barreira de bigodes contra os maus espíritos.

* * *

O fundo do poço tem poder. Quanto mais tempo se passa no fundo do poço, mais tempo se passa no fundo do poço. Lutar contra o fundo do poço é praticamente impossível. Pode-se fugir dele por pequenos intervalos de tempo, com simulacros mínimos de normalidade: acender bastõezinhos de incenso, fazer as unhas, passar hidratante, cortar o cabelo, usar perfume. Não adianta nada, mas despista.

* * *

Só se pode ver o fundo do poço com a ajuda da indústria farmacêutica. A seco, o fundo do poço aperta o coração, corta a respiração e vira um buraco negro de dimensões e conseqüências inimagináveis. Um tarja preta bem receitado permite, porém, que se veja o fundo do poço como ele é – como se nos víssemos a nós mesmos de um outro plano, uma outra dimensão. O fundo do poço não desaparece, mas torna-se compreensível, uma esfinge enfim decifrada.

* * *

Não se consegue chorar no fundo do poço.   


(O Globo, Segundo Caderno, 31.3.2011)

27.3.11

Orquestra Jovem da Bahia: SHOW!!!

Nova conversa sobre velhos vícios





Uma das queixas de quem já se viciou no Instagram (vale dizer praticamente todo mundo que já subiu uma foto para o site) é que é impossível acompanhar as fotos de um PC. Não mais. Graças ao denodado engenheiro de software Rakshith Krishnappa, um indiano de Bangalore que trabalha na Intel mas nas horas vagas desenvolve brinquedinhos para facilitar a vida das pessoas, está no ar o Gramfeed (www.gramfeed.com), onde se podem não só ver as fotos postadas como também curtir e escrever comentários, tarefa muito mais simples num teclado de verdade do que no tecladinho do iPhone. Muito prático!

A única coisa que o programa não permite fazer, por enquanto, é subir fotos através do computador, porque a Instagram não liberou a API para isso. Acho que agiu bem. A graça do Instagram é a mobilidade e o uso do celular. Se tudo puder ser feito a partir dos computadores, ele vai se tornar apenas mais uma comunidade fotográfica, e perder aquele plus a menos, digamos assim, que o torna tão especial. 

* * *

Março chegou, março quase passou, e nada da versão Android do Instagram prometida para esse mês. Já era tempo: a brincadeira fica meio sem graça restrita apenas a usuários de iPhone. Há todo um mundo de smartphones Android espalhados por aí cujos donos têm, com certeza, muito a mostrar.

* * *

O Android Market brasileiro está na fila de espera também para o novo Angry Birds Rio; e é outra frustração ver que a recém-lançada Appstore da Amazon não vale ainda para o Brasil. Lá o joguinho está em primeiro lugar entre os aplicativos gratuitos. É que a Amazon appstore estreou oferecendo de graça a versão paga do game, e pretende ter sempre um presente do tipo para os usuários.

O jogo, que ocupa o primeiro lugar também na lista da Appstore da Apple, está caprichado, com trilha sonora em ritmo de samba e efeitos especiais cinematográficos na marcação dos pontos. Tem 60 níveis em dois cenários, o barracão dos contrabandistas de animais silvestres e a fuga pela floresta. No barracão dos contrabandistas, os passarinhos têm que derrubar as gaiolas onde estão presos outros pássaros; na floresta, devem dar cabo de micos, que tomaram o lugar dos porcos como inimigos número um das penosas.

O primeiro cenário é facílimo e chega a desapontar um pouco pela falta de maiores dificuldades estratégicas; no segundo, as coisas ficam mais complicadas e, consequentemente, mais divertidas. Detalhe importante: há espaços reservados na abertura do jogo para updates com novos cenários em maio, julho, outubro e novembro. Detalhe sem importância, mas muito engraçadinho: no barracão dos contrabandistas, há um passarinho que pia em português: “Aquiiiii!”.

* * *

Aliás e a propósito: sobre a queda-de-braço entre o Ministério da Justiça e a Apple em relação aos jogos, meu amigo Tom Taborda faz uma observação muito pertinente em relação à postura das nossas autoridades:

“Típica inversão de valores brasileira: rigor com joguinhos e absoluto descaso com Normas Técnicas nacionais. Se a Apple pretende vender seus produtos aqui, deveria ser obrigada a respeitar nosso teclado ABNT2.
Na Apple Store de Portugal é possível comprar o teclado Bluetooth não apenas no padrão português, mas também nas seguintes configurações regionais: Belga, Italiano, Inglês (US), Francês, Alemão, Suíço, Sueco, Russo, Inglês (UK), Dinamarquês, Holandês, Norueguês e Espanhol...

Sem falar que lá esse teclado custa 71,00 € (~R$ 168 ) e aqui, com a opção única do padrão americano, sai a R$ 230.”

Pois é.


(O Globo, Economia, 26.3.2011) 

24.3.11

Manda quem pode...

E la nave va



A FOSB, fundação que administra a Orquestra Sinfônica Brasileira, conseguiu, enfim, o que queria: tornar a OSB uma orquestra conhecida internacionalmente. Ao longo das últimas semanas, desde que foi anunciada a avaliação de desempenho individual num período crítico, quando os músicos voltavam de férias, ela virou assunto em todas as rodas musicais, e emails chegam de todas as partes para os administradores e para o maestro Roberto Minczuk. Do que tomei conhecimento -- do Conselho Executivo da Organização Canadense dos Músicos de Orquestra Sinfônica, que representa nada menos de 1.100 profissionais, ao Sindicato dos Músicos e Bailarinos da Hungria, passando pelos Sindicatos dos Músicos de Israel, da Noruega e da Bulgaria – a maioria manifesta repúdio à atitude da FOSB e solidariedade aos músicos da OSB. Sobrou até para mim, de uma forma inusitada.

No começo da semana, recebi o email de um amigo de longa data do Flickr, uma comunidade de fotografia. Este amigo atende por Ranabass, e nunca o conheci por outro nome – até a chegada dessa correspondência. Ele me pediu que defendesse os seus colegas da OSB, naturalmente sem saber que eu já o tinha feito. Estava horrorizado com o que soubera através de malas diretas da International Conference of Symphony and Opera Musicians e da FIM (Federação Internacional de Músicos). Meu amigo Ranabass, vim a saber, chama-se George E. Dimitri, e é contrabaixista da Orquestra Sinfônica de Fort Worth, Texas.

Este, como eu disse, foi um email inusitado, pela procedência; mas recebi muitos outros daqui mesmo. Destaco dois, pelo conhecimento e pela importância indiscutíveis dos remententes.

“Como cantora e, de acordo com a informação do livro da OSB (pag. 168), a que mais atuou com esta orquestra, não poderia deixar de manifestar o meu aplauso a esta coluna que hoje disse  o que muitos pensam e não têm coragem de expor”, escreveu Ruth Staerke, a quem já aplaudi tantas e tantas vezes. Pouco depois, entrou na caixa postal o email de Nelson Portella, outro dos meus ídolos líricos:

“Seu artigo de hoje é absolutamente definitivo a respeito da OSB. Na minha carreira de tantos anos, vivi constantemente nos maiores teatros de ópera do mundo, sobretudo na Europa, e tive o privilégio não só de trabalhar sob a batuta de grandes diretores, como também de vê-los trabalhar. Parabéns!!! Nós, músicos que lutamos pela seriedade e honestidade sem as quais não se pode fazer boa música, precisamos demais de artigos como esse.”

* * *

Enquanto isso, na Urca, ainda na sexta-feira passada, o colegiado de professores do Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio, produzia um documento a respeito do caso. Transcrevo na íntegra, pelos sérios problemas apontados:

“Os professores do Instituto Villa-Lobos da Unirio, por meio deste documento, querem expressar sua preocupação com os critérios que vêm determinando as relações entre a direção artística e os jovens músicos que compõem a OSBJ (Orquestra Sinfônica Brasileira Jovem).

Os alunos têm sido levados a atuar em lugar da orquestra profissional, expondo-se sem preparo adequado a situações que poderão acarretar efeitos negativos no seu desenvolvimento. A truculência com que são tratados os instrumentistas da OSBJ; as lições de antiética implícitas na obrigatoriedade de substituir músicos profissionais, alguns dos quais seus professores; os critérios pedagógicos utilizados na solução de problemas que não deveriam ser da alçada de uma orquestra jovem, utilizada como substituta da orquestra principal; a pressão exercida pela direção da OSBJ através da manipulação de bolsas de estudos, para assegurar a presença e a obediência dos jovens são, a nosso ver, atitudes inaceitáveis por parte de quem trabalha com formação profissional. Preconizado como “Projeto Pedagógico da OSB” por seu diretor artístico em diversas manifestações na mídia, este conjunto de ações soa ridiculamente cômico, não fosse maléfico. Os professores do Instituto Villa-Lobos da Unirio se posicionam frontalmente contra este estado de coisas e pedem aos responsáveis que voltem à razão e ao bom senso, deixando que as desavenças com os músicos profissionais sejam resolvidas em seu âmbito, sem envolver os alunos que já estarão, nesta altura dos acontecimentos, suficientemente marcados por decisões autocráticas desequilibradas e indefensáveis, sobretudo quando afetam jovens que procuram – dentro de um mundo que privilegia e incentiva não o SER mas o TER – o caminho correto para a realização dos seus sonhos.”

* * *

Recebi também um telefonema muito cordial de Eleazar de Carvalho, presidente da FOSB. Ele me explicou que as avaliações não seriam realizadas para efeitos de demissão, coisa que os músicos não entenderam, e reconhece que houve um problema de comunicação na raiz da crise. O fato é que os músicos que faltaram às avaliações – entre eles alguns dos mais conceituados instrumentistas brasileiros -- estavam em vias de demissão, “não por motivos artísticos, mas por insubordinação”. De forma que, por paus ou por pedras, a FOSB parece ter chegado ao ponto que levou à revolta inicial dos instrumentistas: demissão em massa. Uma nova mesa redonda estava marcada para ontem, quarta, mas como escrevo na terça, não sei o que ficou acertado. Eleazar de Carvalho me disse que tanto as avaliações quanto as demissões têm o respaldo da lei. Não duvido disso. O problema é que nem sempre o que é legal é justo ou correto.    


(O Globo, Segundo Caderno, 23.3.2011) 

23.3.11

Adivinha quem veio para jantar (e almoçar e tomar café e...)


A Bia e o Sérgio viajaram e deixaram os Tatuís aqui em casa. Está sendo uma farra! Eles até já se acostumaram ao fato da vó estar sempre de camera em punho. Os gatos estão lidando bem com a situação: Tutu some, Toró e Lolinha mantêm prudente distância, e Lucas, Matilda e Tiziu se deixam agarrar sem problemas. 

20.3.11

Emergência felina!




Pessoas, a Marcia está com dez (!) emergências felinas e, de quebra, um monte de complicações em casa. Vamos adotar ou descobrir amigos que estejam querendo adotar gatinhos?  O contato é mreltz@terra.com.br, e os bichinhos só serão doados a pessoas que pratiquem a posse responsável, ou seja, que tenham telas de segurança nas janelas e varanda, dêem cuidados veterinários e muito amor aos bichinhos... Ela conta a história de todos eles (alguns na colagem que fiz, acima):

"1Irmãos Palitinhos: Os Palitinhos  foram deixados na minha porta, dentro de uma caixa. Muito magrinhos, pele e osso.  A primeira refeição eles tremiam, rosnavam, estavam desesperados. Hoje estão lindos e fofos. A Olivia Palito foi muito bem adotada. Agora é a vez do Palitinho Amarelo, ele é muito carinhoso, meigo, se joga no chão de barriga prá cima pedindo carinho; e o Palitinho Cinza: ainda  um pouco assustado, mas esperto,curioso e  gosta de brincar . Esta dupla é linda, deve ter aproximadamente  uns 5 meses.

2. Natasha e NinotchkaEstas lindas gatinhas são  filhas daSofia , que vivia na rua e teve os filhotes no telhado de um lava a jato, em Niteroi. Três irmãos já foram adotados, assim como a mãezinha Sofia também foi adotada, pelo mesmo casal que adotou a cachorrinha atropelada resgatada na minha rua. A Natasha e a Ninotchka ficaram muito traumatizadas com o resgate, pois foram as últimas a ser resgatadas, e foram maltratadas, além de nunca terem tido contato com humanos (só com "cerumanos").  Elas estão na  casa de uma amiga, um anjo que caiu do céu, que pacientemente foi "adocicando" as meninas, dando  carinho , amor e segurança. Agora elas estão uns doces. Estão em Copacabana.

3. Frajolinhas - vítimas de maus tratos por parte de um policial psicopata: gata mãe (Meg)  e 2 filhotes, de cerca de 4 meses, a Milla e o Alfie.

Recebi um email no dia de Natal da esposa de um policial, pedindo ajuda, uma vez que ele havia ameaçado envenenar os animais. Eles são:
  • A pequena "Milla":    Ela sofreu 2 traumas:  caiu de um sotão e foi pisoteada pelo policial. Sofreu lesão na coluna, mas a "proteção divina"  impediu que ela ficasse paralítica.Ela tem uma vida normal, anda, corre, brinca com o Alfie e, com uma pequena dificuldade, tenta subir em lugares mais altos.  O trauma maior é psicológico, pois, quando ela se assusta ou sente muita necessidade, acaba fazendo cocô e xixi no chão. Como não tenho espaço, acabo mantendo a Milla a maior parte do tempo dentro do banheiro ou trancada na caixa de transporte. Ela chora porque quer sair para brincar, e, infelizmente, não posso dar a atenção e o espaço que  ela precisa.  Precisamos de um lar urgente para esta doce menina. Iniciamos um tratamento de acupuntura na pequena "Milla", e estamos confiantes no resultado.
  • Alfie: Um moleque que gosta de fazer  travessuras, brincar . E muito fofo. 
  • Meg (mãe da Milla e do Alfie) : Ela foi "largada" aqui em casa e  estava com  "prolapso retal", ou seja, parte do intestino para fora do ânus. Muito assustada e traumatizada. Levei ao veterinário, que fez  a cirurgia e hoje está bem. Ela é uma doce gata,  gosta de receber carinho, mas é muito triste. Deve ter sofrido muito nas mãos desse policial. Descobrimos já no final da gestação que ela estava prenha. Foi feita uma cesariana, pois ela não podia parir naturalmente, por causa do prolapso retal, mas os bebês morreram pouco depois de nascidos.  Nesta cirurgia ela já foi castrada

4. Nina (mãe) e Xica (filha): as duas estão castradas e vacinadas. A Xica tem 6 meses. A Nina foi resgatada na minha rua. Em janeiro/2010 ela teve uma ninhada, e um homem roubou todos os filhotes, com 1 semana de vida. Uma senhora ficou cuidando da Nina, na rua, e ela ficou prenha novamente. Então eu tirei ela da rua. A Nina  é uma gata muito especial, não dá trabalho, é muito falante, adora conversar. E obediente, calma, mas tem dificuldade para aceitar outros gatos. Com jeitinho e paciência até se consegue uma aproximação. Seria muito bom se ela fosse adotada  junto com sua filhota Xica .  A Xica também é muito fofa, gosta de ver TV, de brincar. 

5 - Marley: O gatinho tigradinho, de branco e cinza, de aproximadamente 4 meses.Acredito se tratar de mais uma vítima das pessoas que estavam com o Frajolinhas (o policial do mal) .Resumindo : apareceu na minha casa um menino com um gatinho todo enfaixado  numa caixa de papelão . Ele contou mil histórias, se contradizia muito .  Eu disse que não poderia ficar com o gatinho e  ao ir embora, o menino largou a caixa na esquina e saiu correndo. Corri até a esquina porque o gatinho saiu da caixa e se escondeu debaixo de um carro. Acabei resgatando. Ele estava com muita fome, sede e dor. Levei para o ortopedista , que já fez a cirurgia (fratura de úmero).


O Marley está bem, corre, brinca, faz muito "romrom",  gosta de colo, usa a caixinha de areia. Ele manca um pouquinho, mas não impede de ser um "moleque". Aproveitamos a cirurgia ortopédica e já foi castrado. Agora é só encontrar uma família amorosa para este lindo menino."

19.3.11

A Apple e os games




“Prezada Senhora Cora, sou leitora assidua de sua coluna no O Globo, e muito aprecio-a”, escreveu a leitora Ana C. “Entretanto, gostaria de entender, como a senhora comenta sobre downloads de games para o iPhone, se a loja da iTunes Brasil, não possui sequer o Angry Birds... ou seja, nós, brasileiros, para comprarmos qualquer desses joguinhos teriamos que ter endereço, por exemplo, na Argentina, conforme verifiquei em várias dicas de usuários do aparelho Apple. Assim, agradeceria muitíssimo se a senhora conhecer outro caminho para baixar as divertidas versões dos pássaros zangados, e pudesse compartilha-lo. Ou, se assim não for, seria bom que a senhora informasse em seus comentários, que tais jogos não estão disponíveis para quem não tem endereço fora do pais.”

A leitora Ana C. – que não passaria pelo crivo da seção de cartas do jornal, onde deveria dar nome completo, telefone e endereço – tem razão. iPhones, iPods e iPads  ligados à Appstore Brasil são seres mutilados, incapazes de baixar joguinhos (e músicas, e filmes, e episódios de seriados de televisão – mas este já é um handicap que dividem com inúmeros outros países).

Na raiz do problema está um impasse burocrático que ninguém sabe quando será resolvido – se é que o será algum dia. É que a Apple e o Ministério da Justiça brasileiro têm classificações diferentes para games, e não conseguem chegar a um acordo em relação a isso. O Ministério exige que cada um deles seja analisado previamente antes de permitir a sua circulação no país; mas a quantidade de joguinhos que entra no mercado a cada dia faz com que a Apple considere a exigência impossível de ser cumprida.

Durante algum tempo se falou num compromisso entre Ministério e Apple, pelo qual o primeiro abriria mão da análise individual de cada jogo se a segunda adaptasse o seu sistema de classificação aos padrões locais, mas mesmo este compromisso, aparentemente razoável, deu em nada. Consta que a Apple se manteve intransigente na manutenção do sistema de classificação americano.
Acho que com isso perde a Apple, que está deixando de faturar um dinheiro sério via Appstore Brasil, mas perdem, sobretudo, os usuários brasileiros, que ficam à margem de uma das principais vertentes da cultura digital.

Como a Apple não é de perder dinheiro onde poderia estar ganhando, a conta pode ser debitada ao excesso de burocracia e de impostos que pauta a vida brasileira: até onde se sabe, a empresa de Steve Jobs preferiu jogar a toalha a arrecadar uma considerável fortuna. A Apple é acusada de ter sido intransigente e pouco simpática nas negociações, mas o fato é que até os argentinos podem baixar joguinhos nos iPhones e iPads, ao passo que nós ficamos de fora da brincadeira..

O usuário de produto Apple brasileiro que queira andar dentro dos preceitos da lei (e da manutenção da garantia do seu produto) é vítima de uma teia de complicadores: de um lado a espécie de reserva de mercado cultural que impede o download de games e de músicas e filmes, e, do outro, a prisão ao iTunes, única e espantosamente mal resolvida forma de transferir conteúdo entre os gadgets e o computador. Quando se pode complicar a vida do freguês, para que simplificá-la, não é mesmo?

Mas, voltando ao começo: a leitora Ana C. pergunta se eu conheço “outro caminho para baixar as divertidas versões dos pássaros zangados”, e se posso compartilhá-lo. Como em geral escrevo sobre os games sem fazer referência à plataforma, a resposta é um duplo sim: conheço outro caminho e é claro que posso compartilhá-lo.

Basta usar aparelhos baseados em Android, como o Samsung Tab ou os incontáveis smartphones com o sistema da Google. O Market, equivalente da Appstore, conseguiu chegar a um acordo satisfatório com o MJ, e lá se encontram todas as versões do Angry Birds, para não falar em centenas de outros jogos, como os irresistíveis Fruit Ninja e Ant Smasher, ou os viciantes Bejeweled e Jewellust.

Há versões lite gratuitas de muitos deles (Angry Birds inclusive) e os preços das versões completas são modestos, tipicamente entre R$ 2 e R$ 5.


(O Globo, Economia, 19.3.2011)

Toró meditando

17.3.11

Sem final feliz




 Lá ia um preocupado com o aluguel, o outro com os filhos, um terceiro com o emprego; numa casa a geladeira quebrada, na outra as obras quase prontas; um casal apaixonado, o outro convivendo com o ódio surdo dos anos; uma mulher que não cabia em si de felicidade ao descobrir que ia ser mãe, outra desesperada pelo mesmo motivo; um rapaz com a primeira moto, uma moça com as roupas novas, uma criança entendiada com os brinquedos velhos, outra fascinada com um game novo; um homem arrasado com um diagnóstico sem remédio, outro recuperado de uma cirurgia; uma avó comprando verduras no mercado para o jantar da família, outra buscando os netos na escola, um marceneiro aborrecido com um calote, uma professora feliz com o progresso dos alunos, um carteiro entregando a correspondência. Vendedores vendendo, compradores comprando, dinheiro trocando de mãos, pequenas trivialidades cotidianas, como pontos numa tapeçaria.

De repente, uma onda gigantesca sai do mar e acaba com tudo, alegrias e preocupações, felicidade e desespero, lucro e prejuízo, amor e ódio. Onde havia a engenhosa obra humana que é uma cidade em pleno funcionamento já não há nada, a não ser lama e escombros. A vida que sobrou precisa continuar; mas como se continua depois de ver o mundo acabar em dez minutos? Qual é a escala de valores que se aplica? O que passa a ser prioritário? A idéia de que a vida se reduz ao mínimo denominador comum, às necessidades mais imediatas, é suposição de quem vê a catástrofe de longe. Lá, em meio ao caos, é possível que nada tenha tanto valor quanto uma foto, uma carta, um recorte de jornal, provas materiais do que existiu um dia. Ou não. Haverá talvez quem incorpore a nova realidade e passe a imaginar que o que havia antes não passava de uma alucinação coletiva, um sonho ao contrário.

Ainda assim, a civilização e a educação, duas irmãs que fazem diferença, escaparam ilesas da tsunami. Não se verificaram roubos, saques ou ataques de histeria destinados às câmeras de TV. Foi um assombro para quem assistiu a tudo do outro lado do mundo e, com certeza, é um consolo para quem está lá, e não precisa acrescentar à já longa lista de vicissitudes o medo do seu semelhante. O Japão provou que o ser humano não precisa ser necessariamente violento, boçal e amoral. Resta saber quantos séculos mais nós precisaremos para alcançar este estágio.

* * *

A crise da OSB é um retrato fiel de como é tratada a cultura no Brasil: de cima para baixo, sem diálogo ou transparência. Como já sabem todos a essa altura, um belo dia o maestro e diretor artístico da orquestra (que em qualquer lugar civilizado do planeta seriam pessoas diferentes, mas aqui são uma só), achou por bem convocar os músicos para “avaliações de desempenho”. Ora, músicos de orquestra são, pela própria função, avaliados com freqüência pelo público e, sobretudo, pelo próprio regente, com quem ensaiam constantemente. Um maestro que pede uma “avaliação de desempenho” dos seus músicos está, no fundo, confessando-se incapaz de avaliá-los – ou buscando uma saída covarde para demitir desafetos.

Os músicos, mais ou menos como os povos dos países da rua árabe, revoltaram-se contra a tirania das provas, humilhantes para quem passa a vida ensaiando e tocando; a administração tenta defender um modelo autoritário indefensável; e, em conseqüência, os assinantes das séries programadas para os próximos meses terão de se conformar com a OSB Jovem, que é um conjunto simpático, porém sem responsabilidade para tanto – afinal, como o nome diz, é composta por jovens, que recebem uma bolsa modesta para ensaiar duas vezes por semana, dado que ainda não terminaram os estudos e têm outras obrigações a cumprir. Usar a OSB Jovem em concertos vendidos pela OSB é sacrificar além do dever os seus componentes e, acima de tudo, é submeter o público a um estelionato cultural e artístico.

A OSB pode não ser a melhor orquestra do mundo, mas é a orquestra que é. Não é dizer pouco. Tem 70 anos de tradição, tem músicos excelentes e, sim, tem seus altos e baixos; mas, curiosamente, os altos acontecem sempre que é regida por um bom maestro. Todos nós, cariocas que gostamos de música clássica, devemos a ela a lembrança de alguns concertos memoráveis.

Se o senhor Roberto Minczuk não está satisfeito com a orquestra que rege, que procure outra que o aceite, em vez de buscar formas torpes e dissimuladas para desfazer uma orquestra boa, digna e capaz.

* * *

Enquanto isso, em Campinas, apesar dos protestos de ambientalistas, foram assassinadas, na calada da noite, cerca de 15 capivaras, que viviam isoladas num lugar chamado Lago do Café. Segundo a prefeitura, que teve consentimento do Ibama para a chacina, parte do grupo era portador do carrapato estrela, transmissor de febre maculosa, doença frequentemente fatal para humanos.  

Detalhe: quem transmite a doença são os carrapatos, não as capivaras. As capivaras, pelo tamanho, são apenas mais fáceis de exterminar. Depois de mortas, elas foram zelosamente tratadas com carrapaticida pelos funcionários da prefeitura.

A ordem dos acontecimentos seria uma piada de mau gosto se não tivesse levado à morte tantos animais inocentes. Mal comparando, é como se agora virasse moda matar político para exterminar a corrupção. Por menos simpatia que eu tenha pela classe, impõe-se antes o combate à corrupção, ainda que os políticos sejam seus principais vetores.    


(O Globo, Segundo Caderno, 17.3.2011)

16.3.11

Horror


No New York Times, uma série de fotos de satélite com slide para antes e depois da tsunami. As imagens são impressionantes. AQUI.

15.3.11

14.3.11

Cidade Luz


Le Flâneur (music by The XX) from Luke Shepard on Vimeo.

Cerca de duas mil fotos foram usadas neste projeto de Luke Shepard, um estudante da Universidade Americana de Paris. AQUI há uma entrevista com ele.

12.3.11

Solidariedade, passarinhos, 3D




De todas as comunidades sociais, as mais diversificadas geograficamente são, sem dúvida, as desenvolvidas em torno de fotos, como o velho Fotolog, o Flickr e a comunidade da hora, o Instagram. Explica-se: imagens são uma linguagem universal. Enquanto no Facebook e no Twitter os idiomas são barreiras que mantém as conversas basicamente entre conterrâneos, no planeta foto fazem-se amigos nos quatro cantos do mundo.

O terremoto e a tsunami que atingiram o Japão ontem foram mais uma prova disso. Enquanto no Twitter e no Facebook o assunto era tratado de forma genérica, quase noticiosa, no Instagram a tragédia adquiriu um cunho pessoal. É que todos nós que usamos o sistema temos, a essa altura, os nossos “amigos” japoneses, usuários cujas fotos curtimos e com quem até trocamos uma meia dúzia de palavras, no inglês arrevesado que costuma ser a língua universal da Net.

Os tributos foram variados e comoventes, a transcrição visual de “Estamos com vocês!”. Em muitos casos, as imagens até deram vez a palavras, escritas no Notes e capturadas em tela. Poucas horas depois da notícia da catástrofe se espalhar pelo mundo, a página que mostra o que está bombando na rede já refletia a preocupação geral do grupo.

Muito bonito de se ver!

* * *

Não tem para mais ninguém. Os Angry Birds são os reis dos games, e começam a ultrapassar as fronteiras dos smartphones onde fazem tanto sucesso. Já podem ser encontrados em forma de bichos de pelúcia e estampados em camisetas, e vão fazer dobradinha com filme de sucesso garantido, a animação “Rio”, de Carlos Saldanha.

O jogo parceiro do filme chega a um celular perto de você no dia 22 de março, com 60 níveis diferentes e muitas surpresas prometidas pelos desenvolvedores (que também garantem mais níveis num update futuro). Como vem ligado ao filme, Angry Birds Rio terá mais enredo do que tem habitualmente. Dessa vez, os passarinhos furiosos vão brigar contra contrabandistas de aves raras.

E, por falar neles, ontem chegou à Appstore e ao Android Market a nova versão de Angry Birds Seasons, um update grátis para quem já comprou o ABS. A ocasião é o Saint Patrick’s Day, dia do santo protetor da Irlanda, comemorada com pompa, circunstância e muita cerveja (verde!) pelo mundo angloparlante.

* * *

Se 2011 está sendo o ano dos tablets, 2012 promete ser o ano do 3D. De acordo com uma pesquisa da Consumer Electronics Association (CEA), praticamente um em cada quatro usuários de câmeras digitais manifestaram interesse em comprar uma câmera 3D no ano que vem.

Os principais motivos mencionados pelos entrevistados foram interesse na tecnologia (61%), gosto por uma nova alternativa fotográfica (55%), vontade de estar na vanguarda da tecnologia (23%) e a crença de que o 3D os tornará mais criativos (22%).

Segundo a CEA, os consumidores pretendem usar as câmeras 3D de forma diferente do que usam as suas câmeras tradicionais: saem as fotos da família e dos animais de estimação, e entram as de paisagens, edifícios, monumentos e locais históricos.

Cerca de 10% dos usuários também pretendem comprar filmadoras 3D e, como seus colegas que querem partir para fotos 3D, também eles têm intenção de filmar paisagens e monumentos, embora 45% deles vejam muito futuro na tecnologia para a filmagem de eventos esportivos.

Taí: tem gosto para tudo, mesmo.


(O Globo, Economia, 12.3.2011)

11.3.11

Parabéns, Bipe!!!


Hoje é aniversário da Bia, mais conhecida em certas rodas como a mãe do Fábio e da Nina. Os dois são muito novinhos ainda para saber que acertaram em cheio na loteria das mães.


Já eu, que estou meio véinha, sei, perfeitamente, que tirei a sorte grande em termos de filha.


Parabéns, Bipe!


Tudo de bom, muita saúde e toda a felicidade que você merece. 

10.3.11

Tiziu tem negócios em Lisboa


Lisbon revisited




Uma vez, eu estava na Avenida da Liberdade e queria ir às Amoreiras. Perguntei a uma senhora como fazia para chegar até lá.

-- Está a ver aquele autocarro? – perguntou-me ela. – Pois não é aquele, é o outro.

Uma vez, ainda nos tempos da Varig, um amigo embarcou em Lisboa. No compartimento das malas, havia uma, muito mal ajeitada, em que ele precisaria mexer para encaixar o que trazia.

-- Aquela mala é sua? – perguntou a um passageiro já sentado.

-- Não -- respondeu o passageiro. – É de um primo que ma emprestou.

Uma vez, outro amigo chegou a Sintra, ao Palácio dos Sete Ais, um dos hotéis mais lindos do mundo, e perguntou ao carregador  se era verdade que os quartos eram mesmo os maiores e mais confortáveis de Portugal.

-- Sim, é verdade -- confirmou o carregador, emendando rápido: -- Mas não o vosso.

Uma vez, este mesmo amigo, arquiteto, foi ter com Alvaro Siza, o seu grande colega, numa construção no Bairro Alto. Depois de conversarem e percorrerem a obra, meu amigo perguntou como fazia para ir a determinado endereço.

-- Ah, é muito fácil, -- respondeu o Siza. – Desce esta rua mesmo em que estamos e entra na segunda à direita. Ali, depois de andar uns duzentos metros, vai encontrar um palacete manuelino extraordinário, de proporções perfeitas, com uma das mais ricas fachadas de Lisboa, janelas decoradas com romãs e uns caracóis entalhados na porta, em pedra, um conjunto de beleza excepcional. Não lhe faça caso...

Uma vez, no Hotel Tivoli, chamei a camareira e pedi mais travesseiros.

-- Mas quer travesseiros ou almofadas?

-- Qual é a diferença?

-- As almofadas são menores, já os travesseiros são maiorzinhos.

-- Então me traga travesseiros.

-- Pois, mas travesseiros não os temos...

Uma vez, chegando atrasada para um encontro com amigos no mesmo Tivoli, perguntei se havia algum banheiro no térreo, para não ter que subir ao quarto.

-- Sim -- respondeu o senhor da recepção. – Desça este lance de escadas.

Desci, e de fato lá estavam os banheiros... fechados! Subi de novo as escadas e voltei à recepção.

-- Os banheiros estão em obras.

-- Sim, estão – confirmou o senhor da recepção. – Não podem ser usados.

* * *

Indo para Lisboa na quarta-feira passada eu pensava nessas histórias e ria sozinha. Portugal é dos meus países favoritos, certamente aquele pelo qual tenho maior carinho, e parte deste gosto vem, justamente, das diferenças com que usamos a mesma língua e das voltas distintas do que, à falta de melhor definição, considero nossos sistemas operacionais – o conjunto de lógica e interpretação que faz com quem nem sempre a gente consiga, de primeira, a resposta à pergunta que fez. O que não significa que as respostas estejam erradas, mas sim que as perguntas não foram formuladas de acordo com o ambiente em que se inserem. Ninguém precisa estudar computação para perceber isso, pois não?

* * *

Lisboa é a cidade encantadora de sempre, ainda que um bocado fria. Passei cinco dias me mortificando pela total falta de habilidade em lidar com invernos. Em janeiro fui para Las Vegas, onde os termômetros marcavam cinco graus, e nem tirei da mala o casacão que impediu que eu morresse de frio em Berlim há alguns anos: passei todo o tempo da CES usando uma jaqueta de couro curta, com que tirei de letra o frio do deserto.

Informada pela meteorologia que a temperatura em Lisboa andava pelos 11 graus, deixei o casacão no Rio; e quem disse que a jaqueta deu conta do recado? Não há índice de umidade relativa do ar que justifique, na minha cabeça, porque sinto mais frio com 11 graus do que com cinco. O que eu sei é que, daqui em diante, só viajo para o Hemisfério Norte durante o inverno com o raio do casacão na mala. Ocupa um espaço danado, dá aflição só de pegar aqui em casa mas, se for preciso, compro uma passagem só para ele, como fazem alguns violoncelistas com seus instrumentos raros.

* * *

Em Lisboa me perguntaram se eu não estava horrorizada com os efeitos da crise. Para dizer a verdade, se eu não soubesse como vai a economia, era capaz de nem ter percebido nada. Há menos carros nas ruas, muitos imóveis à venda e as lojas estão relativamente vazias, mas nada que chame a atenção, mesmo porque os restaurantes continuam cheios e, apesar do frio, a noite do Bairro Alto é de fazer inveja a qualquer Baixo Gávea carioca: centenas de pessoas nas ruas, em sua maioria jovens, bebendo e conversando madrugada afora, em perfeita segurança.

Ouvi portugueses reclamando dos preços dos restaurantes, e achei graça. Em Lisboa come-se infinitamente melhor do que no Rio por uma fração do preço que se paga aqui. Na verdade, na comparação, tudo está mais barato em Portugal – ou em qualquer outra parte do mundo. Crise mesmo enfrenta o consumidor brasileiro, que mora no país mais caro do planeta.

* * *

Gosto do jeito lisboeta de viver e do ritmo da cidade. As pessoas são discretas, chiques e, quando bem educadas, extremamente bem educadas. O comércio é cosmopolita, e a decoração das lojas e dos espaços públicos é elegante e acolhedora. Apesar de todas as mudanças -- e elas foram muitas desde que fui a Portugal pela primeira vez, em meados dos anos 80 -- a cidade continua sendo, em essência, a velha Lisboa que conhecemos, o porto seguro dos brasileiros que chegam a uma Europa onde se fala português. 

O luxo dos luxos, o luxo luso. 


(O Globo, Segundo Caderno, 10.3.2011)

8.3.11

Bons livros bons



Lisboa -- Dizem que o sonho secreto de todo banqueiro é mandar os negócios às favas e abrir uma livraria na Rive Gauche. Se isso é verdade, o português Paulo Teixeira Pinto, de 50 anos, foi além. Ex-presidente do maior banco privado de Portugal, o BCP, ele trocou o mundo corporativo por uma linda coleção de livrarias e fundou um grupo editorial inteiro, Babel, que reúne nove diferentes selos. Escrevi “grupo”? Perdão. A palavra certa é unidade; porque, embora se componha de diferentes partes, a filosofia e o modus operandi da editora são os mesmos para cada uma de suas marcas, cada um dos seus livros.

-- O todo é maior do que a soma das partes, -- explica o editor, que começou a nova vida há dois anos, ao salvar da falência a tradicionalíssima Guimarães, fundada em 1899. A ela juntaram-se aos poucos outras antigas editoras em apuros (Ática, Ulisseia, Arcádia, Verbo), três chancelas com referências culturais marcantes (K4, Centauro e Athena) e uma novinha em folha, a Pi, feita especialmente para crianças e jovens. Somando, pois, o acervo das partes, a Babel tem cerca de 4,5 mil títulos -- mas, paradoxalmente, não publica nada em Portugal sob o seu próprio selo, já que o que lhe dá vida, aqui, são os nove segmentos que a compõem.

É no Brasil que a Babel se apresentará única e exclusivamente por si mesma, já que Paulo Teixeira Pinto não acredita em cut & paste na vida real:

-- Cada problema tem uma solução diferente, cada oportunidade tem uma fisionomia distinta, -- observa ele, que mergulhou a tal ponto na nova profissão que é, hoje, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros. -- A Guimarães é uma coisa, a Verbo é outra. Mas essas são marcas ligadas à vida portuguesa. No Brasil começamos do zero, e não faria sentido criar, do zero, uma editora com divisões. Costumo dizer que a Babel é uma editora de língua portuguesa, mas não uma editora portuguesa. A Babel não será, no Brasil, a filial de uma editora portuguesa, mas uma editora brasileira, com personalidade própria.

* * *

A festa de debutante já tem data marcada. Acontece no próximo dia 14, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, com a apresentação de uma das especialidades da casa: a edição clonada de um clássico. “Edição clonada” é aquilo que, antigamente, se chamava edição facsimilar. O novo nome se fez necessário porque chega a ser covardia comparar os velhos facsímiles com os clones que a tecnologia de impressão permite produzir hoje: pude ver lado a lado a edição da Babel de “Mensagem”, de Fernando Pessoa, com o original que está na Biblioteca Nacional em Lisboa, e a semelhança entre os dois livrinhos dá um arrepio na espinha.

-- Não há porque fazer menos do que isso, -- diz Paulo Teixeira Pinto. -- Se há quem consiga produzir dinheiro falso  em oficinas clandestinas, por que não podemos reproduzir um livro com a mesma fidelidade?

Ele obviamente ama os livros também como objetos, e faz questão que todos os títulos publicados pela Babel tenham sempre a melhor qualidade possível: “Fazer bons livros que sejam livros bons” é um dos seus lemas. Sabe que tão cedo ela não será a maior editora brasileira, mas vai fazer todo o possível para que seja a melhor.

-- O que nasce grande acaba monstruoso, -- observa. -- Não podemos começar pelo fim; precisamos ter um crescimento sustentável.

A previsão é que, em velocidade de cruzeiro, a Babel, que publicou no ano passado mais de 300 títulos em Portugal (entre eles alguns dos brasileiros Ferreira Gullar e Eucanaã Ferraz), publique cerca de cem títulos no Brasil. Mas não quaisquer cem títulos: ela pretende tornar-se referência cultural, a editora pela qual os melhores autores queiram ser publicados.

* * *

Para chegar a esse ponto, conta com a curadoria editorial de Luiz Ruffato -- o premiado autor de “Eles eram muitos cavalos” e “Estive em Lisboa e lembrei de você” -- secundado por um vasto Conselho Editorial que, a exemplo do que acontece em Portugal, reunirá cabeças pensantes dos mais variados matizes e áreas de atividade, de Alberto Costa e Silva e Antonio Cicero, por exemplo, muito bem conhecidos na área literária, a Roberta Medina, do Rock in Rio.

-- A idéia de uma curadoria editorial, "cargo" inédito no mercado brasileiro, é de servir como uma espécie de literary scout para a Babel, -- explica Ruffato. -- A minha proposta para a editora é a de publicar não livros, mas autores, apostando em nomes inéditos e outros que, embora já lançados, não estejam ligados a nenhuma casa editorial, para formar um catálogo nacional, com ênfase na qualidade. É um trabalho de médio a longo prazo, buscando uma consolidação progressiva e segura, que irá tornar a Babel uma editora de referência no mercado brasileiro, tanto na área de ficção e poesia quanto na de não-ficção.

Ruffato concorda plenamente com as diretrizes de qualidade estabelecidas em Lisboa:

-- Os livros vão primar pelo apuro gráfico e rigor editorial, com a certeza de agradar tanto a um leitor especializado quanto ao leitor comum.

* * *

O clássico clonado com que a Babel mostrará sua qualidade de produto ao Brasil é “Espumas flutuantes”, de Castro Alves. Diferentemente de “Mensagem”, que reproduz o original datilografado e corrigido à mão por Fernando Pessoa, este é reprodução de um exemplar da primeira edição, de 1870, conservado pela Biblioteca Nacional de Portugal.

Quem me mostrou o livro foi o brasilianista Jorge Couto, diretor-geral da BNP, membro do Conselho Editorial da Babel portuguesa que dará expediente duplo participando também do Conselho da Babel brasileira. Graças a ele, aliás, e à subdiretora Maria Inês Cordeiro, pude ver uma coisa ainda mais rara: uma biblioteca de 700 mil volumes toda encaixotada.

Explico. A BNP está em obras. Foi duplicada, e no prédio velho praticamente tudo o que não era estante foi substituído. Alguns andares ainda estão sendo esvaziados, outros já estão sendo novamente preenchidos, mas para onde se olhe há caixotes de papelão cheios de livros, meticulosamente empacotados e etiquetados. Nunca vi nada igual e, provavelmente, nunca mais vou ver. Não é todo dia que uma biblioteca dessas dimensões toma banho e troca de roupa.

* * *

A Babel, que chega ao Brasil com um investimento inicial de  R$ 6 milhões, terá sede em São Paulo e será dirigida pelos executivos portugueses Rui Gomes Araújo e Nuno Barros. Rui apressa-se a esclarecer que a presença lusitana não vai determinar os rumos da nova editora:

-- Vamos publicar autores brasileiros para leitores brasileiros, -- afirma. Ao mesmo tempo, esclarece que, apesar da produção de livros de arte e do capricho das edições, a Babel não será uma editora voltada exclusivamente para a Classe A. Está nos seus planos a distribuição em bancas de jornais e a criação de uma coleção de bolso.

Enquanto isso, em Lisboa, Paulo Teixeira Pinto começa a preparar a Babel para um salto virtual, com planos para multimidia e uma forma inédita de distribuição de ebooks, através de quiosques instalados em livrarias. Neles o leitor poderá interagir com a editora, folhear as edições eletrônicas e baixá-las em pendrives.  Nos bastidores, a Babel costura uma parceria com o estúdio Boom, de Pedro Abrunhosa, para produção de conteúdo.

Pergunto a Paulo Teixeira Pinto como fica o seu amor pelos livros primorosamente editados diante do avanço dos ebooks:

-- Mais importante do que qualquer coisa é a combinação das palavras, é o que elas dizem -- observa ele, com bom humor. -- Todos os meios são fundamentais. Há muitos generos de livros que só têm a ganhar em formato digital, como os livros técnicos, os de pesquisa, os manuais... De qualquer forma, as notícias que dão conta da morte do livro são ligeiramente exageradas. O livro de arte, por exemplo, é um que não vai acabar nunca, porque não é apenas um instrumento que reflete sobre arte, é arte em si mesmo.

* * *

Aqui em Portugal, a Babel é mais do que uma editora: é uma experiência que vai além dos livros, a começar pela sede, que acaba de ganhar duas páginas na “Attitude”, prestigiosa revista de design. Faz sentido: cada detalhe do espaço que ocupa no sexto andar de um prédio no centro da cidade foi meticulosamente pensado, unindo o útil ao inesperado. Carretéis de fiação e caixotes de madeira se transformam em elegantes (e práticas) mesas, arruelas viram puxadores, calhas de instalação de conduite fazem as vezes de luminárias, num reflexo claro da personalidade de Paulo Teixeira Pinto, que acredita que, como as pessoas, também os objetos têm uma “pluralidade de talentos”.

Ele mesmo é o principal exemplo disso. Nossa entrevista aconteceu, por acaso, não no seu escritório na editora, mas no atelier que mantém em Alfama, onde se dedica com paixão (e belos resultados) às artes plásticas; na maioria das peças, os reflexos do amor que beira a obsessão pela matemática e pelos mistérios dos números, presente também na sua (boa) poesia e recorrente na conversa. Mais tarde fiquei sabendo por uma amiga comum que ele é, também, um ótimo baterista.

É de se perguntar o que um homem desses estava fazendo num banco; mas, como nada acontece por acaso, pode ser que a resposta esteja, justamente, nos resultados que vemos hoje -- ele estava ganhando dinheiro para criar uma editora cheia de charme, personalidade e idéias interessantes.


(O Globo, Segundo Caderno, 8.3.2011)