19.3.11

A Apple e os games




“Prezada Senhora Cora, sou leitora assidua de sua coluna no O Globo, e muito aprecio-a”, escreveu a leitora Ana C. “Entretanto, gostaria de entender, como a senhora comenta sobre downloads de games para o iPhone, se a loja da iTunes Brasil, não possui sequer o Angry Birds... ou seja, nós, brasileiros, para comprarmos qualquer desses joguinhos teriamos que ter endereço, por exemplo, na Argentina, conforme verifiquei em várias dicas de usuários do aparelho Apple. Assim, agradeceria muitíssimo se a senhora conhecer outro caminho para baixar as divertidas versões dos pássaros zangados, e pudesse compartilha-lo. Ou, se assim não for, seria bom que a senhora informasse em seus comentários, que tais jogos não estão disponíveis para quem não tem endereço fora do pais.”

A leitora Ana C. – que não passaria pelo crivo da seção de cartas do jornal, onde deveria dar nome completo, telefone e endereço – tem razão. iPhones, iPods e iPads  ligados à Appstore Brasil são seres mutilados, incapazes de baixar joguinhos (e músicas, e filmes, e episódios de seriados de televisão – mas este já é um handicap que dividem com inúmeros outros países).

Na raiz do problema está um impasse burocrático que ninguém sabe quando será resolvido – se é que o será algum dia. É que a Apple e o Ministério da Justiça brasileiro têm classificações diferentes para games, e não conseguem chegar a um acordo em relação a isso. O Ministério exige que cada um deles seja analisado previamente antes de permitir a sua circulação no país; mas a quantidade de joguinhos que entra no mercado a cada dia faz com que a Apple considere a exigência impossível de ser cumprida.

Durante algum tempo se falou num compromisso entre Ministério e Apple, pelo qual o primeiro abriria mão da análise individual de cada jogo se a segunda adaptasse o seu sistema de classificação aos padrões locais, mas mesmo este compromisso, aparentemente razoável, deu em nada. Consta que a Apple se manteve intransigente na manutenção do sistema de classificação americano.
Acho que com isso perde a Apple, que está deixando de faturar um dinheiro sério via Appstore Brasil, mas perdem, sobretudo, os usuários brasileiros, que ficam à margem de uma das principais vertentes da cultura digital.

Como a Apple não é de perder dinheiro onde poderia estar ganhando, a conta pode ser debitada ao excesso de burocracia e de impostos que pauta a vida brasileira: até onde se sabe, a empresa de Steve Jobs preferiu jogar a toalha a arrecadar uma considerável fortuna. A Apple é acusada de ter sido intransigente e pouco simpática nas negociações, mas o fato é que até os argentinos podem baixar joguinhos nos iPhones e iPads, ao passo que nós ficamos de fora da brincadeira..

O usuário de produto Apple brasileiro que queira andar dentro dos preceitos da lei (e da manutenção da garantia do seu produto) é vítima de uma teia de complicadores: de um lado a espécie de reserva de mercado cultural que impede o download de games e de músicas e filmes, e, do outro, a prisão ao iTunes, única e espantosamente mal resolvida forma de transferir conteúdo entre os gadgets e o computador. Quando se pode complicar a vida do freguês, para que simplificá-la, não é mesmo?

Mas, voltando ao começo: a leitora Ana C. pergunta se eu conheço “outro caminho para baixar as divertidas versões dos pássaros zangados”, e se posso compartilhá-lo. Como em geral escrevo sobre os games sem fazer referência à plataforma, a resposta é um duplo sim: conheço outro caminho e é claro que posso compartilhá-lo.

Basta usar aparelhos baseados em Android, como o Samsung Tab ou os incontáveis smartphones com o sistema da Google. O Market, equivalente da Appstore, conseguiu chegar a um acordo satisfatório com o MJ, e lá se encontram todas as versões do Angry Birds, para não falar em centenas de outros jogos, como os irresistíveis Fruit Ninja e Ant Smasher, ou os viciantes Bejeweled e Jewellust.

Há versões lite gratuitas de muitos deles (Angry Birds inclusive) e os preços das versões completas são modestos, tipicamente entre R$ 2 e R$ 5.


(O Globo, Economia, 19.3.2011)

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