O nosso taxi fez aquela volta, por baixo, para ir para Botafogo em vez de pegar o Aterro; há uma espécie de túnel, lá, que fica por baixo do viaduto. Nisso fomos fechados -- o táxi e mais os carros que vinham atrás -- por dois carros que trafegavam feito loucos na contramão.
Do que parou à nossa frente, um Fiat (era Fiat?) escuro, desceram dois caras, o do lado direito com um fuzil (tanto que a minha primeira impressão foi que era polícia atrás de bandido) e os outros armados com pistolas 45mm.
Aos berros.
Aí caiu a ficha que não era polícia.
Peguei o celular na bolsa e já ia fotografar os elementos quando, graças a Deus!, me lembrei da luz de auxílio do foco e desisti da idéia. Joguei o bichinho no chão do taxi, e fiz o mesmo com o outro.
Enquanto isso, um bandido apontava a arma para cabeça da Laura mandando a gente entregar as bolsas.
Laura pedia para ficar com os documentos.
O motorista do táxi, muito nervoso, dizia para termos calma, não fazermos movimentos bruscos e, possivelmente, não respirarmos (brincadeira: isso ele não disse, mas foi por pouco).
Mamãe, sempre a Sábia Coruja, estava quietinha quietinha, disfarçando a bolsa preta junto à roupa idem, como se nada estivesse acontecendo.
Eu ainda tentava, frenética mas discretamente, pescar a carteira com os documentos de dentro da bolsa.
O sujeito apontou a arma para mim e aumentou o volume:
-- Passa essa bolsa, porra, passa essa bolsa!
Uma 45 é um argumento tão eloqüente que ele não precisava nem ter berrado tanto. Entreguei a bolsa.
Contrariada, p da vida, mas entreguei.
O pessoal dos carros teve menos sorte. Os bandidos mandaram que descessem dos veículos, roubaram bolsas, carteiras e celulares de todos, e fugiram nos carros cantando pneu.
Os carros com que nos fecharam ficaram abandonados na rua.
O táxi nos levou até a 10 DP, onde os policiais foram simpáticos e atenciosos.
* * *
Fiquei muitíssimo impressionada com uma família de Minas Gerais, pai, mãe e filha pequena, que tiveram o carro roubado.Os pais mantiveram o sangue frio e seguraram a onda tão bem que a menina, apesar da hora, do susto e da demora na delegacia, ficou bem tranqüila, e contava para todo mundo o que tinha acontecido como se fosse apenas uma aventura esquisita.
* * *
Cerca de uma hora depois, já com os registros para começar a romaria atrás de documentos novos na segunda, fomos a pé para a casa da Laura, que fica logo ali na esquina.A Laura, que acredita no poder reparador da comida, preparou um chazinho e serviu um bolo. O Hermano, muito amigo nosso, chegou quase junto.
Passamos um tempão cancelando cartões e talões de cheque. A Júlia, em algum outro lugar da cidade, de onde se comunicava conosco com regularidade, fez um belo serviço e nos ajudou muito.
* * *
A minha contabilidade de prejuízos ficou assim:* * *
O prejuízo da Laura foi quase igual, com alguns cartões a menos, o que significa que ela ainda é considerada gente pelo sistema; já eu só voltarei a ter essa regalia quando o Bradesco substituir os meus. Hermano me emprestou 50 pratas, Mamãe me deu mais 20 pro táxi e depois a gente vê.* * *
A noite acabou com alguns toques perfeitos, porque quem tem uma irmã como a Laura realmente tem tudo na vida.Ela me adiantou o presente de aniversário, que era, não sei como ela adivinhou... UMA BOLSA!!!
Nunca disse "Era isso mesmo que eu estava precisando!" com tanta sinceridade.
Acham que é tudo? Neca. Dois minutos depois ela vem lá de dentro com um estojo de óculos na mão: escuros, lindos, perfeitos para mim. Só preciso mandar fazer as lentes pro meu grau.
Ela comprou durante a tournée, achando que em algum momento poderiam ter utilidade para alguém.
E, como se não bastasse, sabia exatamente onde estavam guardadas as cópias que tem das chaves daqui de casa...
* * *
Agora que passou, e que já estamos todas a salvo, está tudo bem. Não aconteceu nada de realmente grave, ninguém se feriu. É claro que quando um filhadaputa aponta uma arma para a tua cabeça, você quer mais é que ele morra, mas até disso fomos poupadas: ver alguém levar um tiro na sua frente, ainda que seja o cara que está te assaltando, não deve ser agradável.Enfim.
Preciso raciocinar com mais calma sobre o que aconteceu.
O que eu sei é que, na hora do assalto, eu só pensava: "Acho que dá uma crônica; mas tomara que não atirem."
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