4.10.01

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Por incrível que pareça, estou de volta. A viagem foi ótima e, na etapa americana, em Los Angeles (com direito a vôo cancelado e tudo), teve até passeata contra Bush, racismo e guerra. Acabei enturmada com um grupo de chilenos mais ou menos da minha idade, e lá íamos nós, pelas ruas de Westwood, aos brados de El Pueblo, Unido, Jamás Será Vencido! Na minha cabeça, naturalmente, a trilha sonora era Volver a los 17, de Violeta Parra... Depois encontrei um grupo de estudantes árabes e comprei uns buttons pra ajudar na luta. Dizem: Being Arab is Not a Crime. Sugeri que eles colem um pequeno adesivo complementando a frase: YET...

Agora, de volta, descobri que só não sou uma sem-teto porque sou uma sem-chão. Meu lar doce lar já era; a reforma está no auge, a Família Gato está estressadíssima e soltando pêlo furiosamente e, se não bastasse, ainda recebi um e-mail do grande Naum Alves de Souza, repassado pelo não menos grande João Ubaldo Ribeiro, a cuja mailbox chegou graças ao empenho da Olivinha Byington para quem, depois que começou a correr e virou aquela coisa não só magra como definida, me recuso a ter adjetivos. Mas, enfim, antes desta frase enorme que mal consigo acabar, dizia eu que recebi um e-mail do Naum, que me deixou simplesmente arrasada. Este país nunca vai ter jeito enquanto aquela politicalha de Brasília estiver se esbaldando com o nosso dinheiro e um homem com o talento e a sensibilidade do Naum estiver numa pior dessas!

Leiam por vocês mesmos:

São Paulo, 2 de outubro de 2001

CAROS AMIGOS;

Pode parecer estranho mas isto é um pedido de ajuda. Para mim.
Aos 59 anos me encontro numa situação financeira extremamente difícil.
Não estive parado todo esse tempo. Trabalho sem parar.

Ano passado, no final de outubro, fui procurado por uma professora do MAE, Museu de Arqueologia e Etnologia da USP e convidado por sua diretora para conceber e realizar uma exposição denominada BRASIL - 50.000 ANOS que, pelo contrato assinado por mim e pela dita diretora, deveria ter sido inaugurada dia 20 de março de 2001, em Brasília, no Superior Tribunal de Justiça.
Fui, portanto, contatado em final de outubro de 2000, não aceitei nenhum trabalho a partir do início de novembro e utilizei esse período para realizar pesquisas de materiais, estudos, compra de livros, visita a um sítio arqueológico, reuniões e assistência a palestras de pesquisadores do referido museu.
O contrato foi assinado apenas dia 21 de dezembro e a primeira parcela foi paga com 35 dias de atraso. Em um texto que estou anexando a esta mensagem está bem descrita a forma de pagamento que foi efetuada. Breve estarei pondo em circulação um site com tudo que realmente aconteceu. Esse projeto foi inaugurado em versão simplificada no mesmo Superior Tribunal de Justiça no dia 3 de setembro último.
Já me perguntaram:
1 – POR QUE O CONTRATO FOI ASSINADO TÃO TARDE ?
2 – POR QUE VOCÊ NÃO PAROU NA OCASIÃO DO ATRASO DO PAGAMENTO DA PRIMEIRA PARCELA UMA VEZ QUE SEU CONTRATO ?
Respondo:
PORQUE SOU INFANTILMENTE AVESSO A COISAS PRÁTICAS E ME ENTUSIASMO FÁCIL COM CERTOS PROJETOS. EU GOSTAVA MUITO DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA, COMO MUITA GENTE.
FAZER ESSA MOSTRA PARECIA BRASILEIRAMENTE IMPORTANTE.

Quem leu a mensagem até aqui, por favor, tenha paciência e leia mais um pouquinho.

1 – Vendi um quarto de meu apartamento a um amigo. Mais ou menos 35.000 reais.
2 – Devo a colaboradores que não puderam ser pagos porque não recebi o que me devem.
3 – Devo 7 meses a minha analista que tem tido compreensão e paciência.
4 – Devo 7.500 reais ao Cartão Visa.
5 – Devo por volta de 10.000 reais ao RealMaster e ao Real parcelado.
6 – Tenho que pagar 7.000 à advogada que contratei para mover uma ação judicial contra a AMAE (Associação de Amigos do Museu de Arqueologia e Etnologia). O Fórum de São Paulo está em greve há meses. Com muita boa vontade, em 7 anos receberei com certeza o que me devem. Tenho quase 60 anos.
7 – Trabalhei quase inutilmente para vários projetos este ano; todos dependiam das leis de incentivo à cultura; muitos foram adiados ou cancelados e eu fiquei a ver navios.

Meu apartamento contém livros, cds, mobiliário básico - nada realmente vendável.
Só posso vender meu talento e é isso que pretendo oferecer.
Vou fazer desenhos e vendê-los: R$ 60 cada.
Papéis, lápis, aquarelas, guaches, crayons da melhor qualidade.

Peço-lhes um favor: passem esta mensagem para o maior número de pessoas que puderem. Peçam que a repassem para todos que constam de suas agendas.

Muito obrigado pela atenção e um grande abraço

Naum Alves de Souza


Não é revoltante?! Comprem os desenhos do Naum, vocês vão estar fazendo um ótimo investimento, garanto. É só clicar no nome dele, onde criei um "Mail to:".

(Por falar nisso: quando é que sai mesmo o próximo vôo para Seul?)

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