13.10.01

Morituri te salutant


Há poucas coisas mais tristes no universo dos atentados do que ouvir os recados que as pessoas que estavam nos aviões ou no WTC deixaram nas secretárias eletrônicas de maridos, mulheres, pais, amigos. Com a cobertura asséptica que a mídia optou por dar aos ataques, eles são os raros vislumbres de humanidade que temos, mais ou menos como os patéticos cartazinhos espalhados por Nova Iorque com os retratos dos desaparecidos; mas os cartazinhos são vistos apenas en passant, como pano de fundo de matérias mais ou menos genéricas. Numa ânsia hipócrita de não chocar o público ("somos decentes, não estamos faturando em cima da miséria alheia"), as redes de televisão e mesmo os jornais furtaram-se de mostrar os resultados mais grotescos e pungentes do massacre, o sangue, os corpos despedaçados. Se a mídia popular sempre exagerou na vulgaridade, ao exibir detalhes mórbidos dos piores crimes e acidentes, desta vez a chamada grande imprensa exagerou na... elegância.

Foi uma decisão questionável, que deixou ao espectador ou leitor a difícil tarefa de chegar ao varejo através do atacado: tivemos que extrair da visão espetacular das torres moribundas os milhares de tragédias individuais que aconteciam naquele exato instante. Ficamos chocados com o horror e perplexos com as dimensões da grande tragédia, mas só nos sentimos genuinamente emocionados e tocados como seres humanos quando vimos ou ouvimos as pequenas tragédias, quando conseguimos identificar, em meio aos escombros, os nossos semelhantes, os nossos irmãos.

Esta foi, também, uma decisão que pode custar muito aos Estados Unidos em termos de apoio emotivo, digamos assim. Neste momento, pela primeira vez desde o dia 11 de setembro, o Taliban convida a imprensa estrangeira a entrar no Afganistão. O Guardian estima que 19 equipes de TV estejam a caminho de Karam, uma aldeia a 80 quilômetros de Kabul, onde o bombardeio americano teria matado cerca de 200 pessoas; nenhum representante da mídia impressa foi autorizado a entrar no país. Esta é, claramente, uma guerra de imagens e de relações públicas.

Não há nada sequer remotamente parecido com o WTC em Karam; o que as câmeras vão encontrar desta vez serão as ruínas de casas paupérrimas e, com certeza, pelo menos algumas criancinhas mortas ou mutiladas. Sem escolha, as emissoras serão obrigadas a nos mostrar cenas que vão cortar nossos corações, que vão nos ferir a alma de forma mais dolorosa do que um Boeing cinematográfico atingindo um dos edifícios mais altos do mundo.

E o que é que a CNN ou a NBC vão fazer quando o estrago estiver feito? Tirar do arquivo as imagens verdadeiramente chocantes do ataque? Esqueçam. Ou eu muito me engano, ou estamos a ponto de ver mais um gigantesco gol contra dos EUA nessa guerra suja, em que só há bandidos e perdedores.

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