8.10.01

Um país chamado Samsung


Quando alguém nos pergunta se o Brasil não é aquele país da América Central cuja capital é Buenos Aires, ficamos indignados e, sobretudo, estarrecidos com o nível da ignorância alheia. Mas como é que alguém pode desconhecer fatos tão elementares?!

A nossa própria cultura geográfica, no entanto, quando posta à prova, não se revela lá muito superior. Até vir para Seul, capital da Coréia do Sul, eu não sabia muita coisa sobre o país. Continuo não sabendo, mas pelo menos já consigo avaliar as dimensões abissais da minha ignorância. E consegui, até, perceber algumas coisas muito interessantes.

A mais inesperada, para mim, foi constatar que os coreanos são, guardadas as devidas proporções, os latinos do Extremo Oriente. Eles são simpáticos, afáveis e tranqüilos, e lidam com o tempo de uma forma elástica, quase baiana. Quando marcam alguma coisa para as nove, por exemplo, isso não quer dizer que, necessariamente, vamos nos encontrar no exato momento em que os relógios estiverem marcando a hora, mas apenas que esta talvez seja uma boa base inicial de trabalho.

Não cheguei a discutir a teoria a fundo com nenhum dos meus novos amigos coreanos, mas suponho que o encontro real dos corpos não seja tão importante, dado que, em espírito, estaremos mesmo juntos quando constatarmos que horas são. E, afinal, somos todos espírito — exceto, naturalmente, quando somos todos eletrônica. O que, lá, acontece com razoável freqüência.

Como seus vizinhos japoneses (com quem, por sinal, pouco têm a ver) os coreanos são fascinados por gadgets de todos os tipos. Se um aparelho tem pilha ou tomada, pisca, canta ou se movimenta, fará sucesso certo. E embora os cartazes comerciais das fachadas de Seul ainda sejam, em sua maioria, simples ideogramas pintados, sem os exageros de luz e movimento dos néons de Hong Kong, o cenário quase constante da vida coreana é um monitor — ou, de preferência, uma coleção de monitores — em permanente ação. Isso vale do taxi, passando pelo ônibus e pelas lojas de roupas íntimas, aos bons hotéis, onde, me parece, uma TV de 20” daquelas que consideramos normais é tão inaceitável quanto um travesseiro de espuma.

Quando se fala em monitores, em qualquer parte do mundo, o nome Samsung vem imediatamente à cabeça. Mas imaginem na Coréia! Sendo que, lá, tudo é Samsung, de monitores e eletrodomésticos dos mais variados a automóveis — hoje fabricados pela Renault, mas sempre conservando a marca que é sinônimo do país.

A Samsung é uma presença tão constante na vida coreana quanto a Nokia na Finlândia. As duas são as principais empresas de seus respectivos países, e motivos de orgulho nacional. Curiosamente, ambas disputam, neste momento, corações, mentes e fundos dos países latino-americanos, cujas operadoras de telefonia celular terão de optar, em breve, pelos equipamentos que as conduzirão à 3G, famosa terceira geração de telefonia móvel que, até aqui, tem sido mais papo do que realidade.

Outro paralelo curioso é que tanto a Coréia quanto a Finlândia são países modelo para a apresentação de sistemas desta nova etapa; mas enquanto na Finlândia defende-se o GSM, utilizado principalmente nos países europeus, na Coréia prega-se a cartilha do CDMA, campeão na Ásia e nos EUA. Os dois lados têm vantagens, e ambos levam, essencialmente, ao mesmo lugar — um ponto qualquer do futuro em que estaremos todos nos conectando à internet, em banda larga, através dos nossos celulares.

Se depender da Samsung, porém, eles serão bem mais do que simples telefones. Park Sang Jin, vice-presidente da empresa e seu diretor geral de marketing, lembra que, hoje, o relacionamento entre o usuário e o celular é extremamente pessoal, e vai bem além do gesto utilitário de se pegar o aparelho para falar com alguém. Seu papel não é inteiramente diferente daquele dos relógios, que há muito deixaram de ser reles marcadores de horas.

— Quando a gente acorda, toma banho, se veste, bota o relógio no pulso e pega o celular, — diz Park Sang Jin. — Este é um aparelho que vai nos fazer companhia durante o dia inteiro, está integrado à nossa rotina e faz parte de toda uma imagem que criamos.

Verdade. Os celulares são brinquedinhos com que nos divertimos, objetos que gostamos de olhar e de tocar. E isso quando somos adultos! No mundo infantil e adolescente, eles têm papel ainda mais relevante.

Esta percepção orienta o design dos Samsungs mais avançados que, na Coréia, são mesmo de dar água na boca: há telefones que tocam MP3, funcionam como PDAs, tiram fotos digitais (e podem enviá-las imediatamente), captam sinais de emissoras de TV e exibem programas em telinhas supreendentemente claras. Perfeitos objetos de desejo, simplesmente irresistíveis.

Mesmo para os mais radicais, que acham que telefone é apenas um instrumento de comunicação, há uma margem incrível de escolha, de aparelhos tão leves e pequenos que podem ser carregados no pescoço, como jóias eletrônicas, a outros tão fininhos que podem ser guardados na carteira sem fazer muito volume.

Mas também em Seul, como no resto do mundo, é difícil manter uma conversa sem cair no assunto do momento. Para a indústria de celulares, como um todo, o ataque terrorista aos EUA teve um efeito positivo nos negócios. As vendas dispararam depois do papel dramático desempenhado pelos aparelhinhos, cuja imagem como elo de ligação familiar e dispositivo de segurança foi consideravelmente reforçada.

Nem preciso dizer, claro, que este não é assunto fácil de se discutir por aqui: o tema é extremamente delicado, e qualquer palavra mal traduzida pode gerar grande constrangimento. Park Sang Jin confessa, quase consternado, que as vendas de celulares deram, de fato, um grande salto. Mas ele não gosta de falar em números e, de qualquer forma, acha o quadro todo ainda muito confuso para que se possa chegar a qualquer conclusão definitiva.

O Globo, 8.10.01


As fotos que fiz durante a viagem estão no Photo Island. Se vocês quiserem dar uma olhada, é só clicar aqui e entrar com a senha samsung.

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