3.3.05





Suíça lava mais branco,
mas Panamá se diverte melhor


Quando Mamãe descobriu que o Panamá era um país, ficou muito intrigada: por que diabos alguém daria justamente aquele nome a um país? Ela era criança e vivia em Budapeste, onde panamá era substantivo simples, a palavra então corrente para designar maracutaia. Esta acepção pouco meritória do termo era comum em quase toda a Europa, e chegou ao Brasil, onde, do alto da nossa incorruptibilidade e elevados valores morais, enchíamos a boca para denunciar panamás de toda a espécie.

Quando embarquei para o Panamá há pouco mais de uma semana, esta era uma das poucas coisas que sabia a respeito de lá, junto com o mais lindo dos palíndromos de língua inglesa ("A man, a plan, a canal: Panama") e a informação perfeitamente inútil de que os panamás -- chapéus, não maracutaias -- vêm, na verdade, do Equador.

O resto era mistério.

Não achei um só guia de turismo nas livrarias e, mesmo na internet, o que encontrei foi pouco e irrelevante. O país teimava em permanecer oculto por trás de filmes de aventura, romances de espionagem e sua reputação de habitat de contrabandistas e malfeitores, espécie de tinturaria universal dos maus dinheiros do mundo.

Algo, em suma, entre a ficção e a caricatura, quintessência da proverbial república das bananas.

Agora, mal desembarcada, quero voltar o quanto antes. Acontece que descobri no Panamá um dos países mais bonitos, simpáticos e divertidos que já visitei. A gente começa a perceber que há algo de diferente por lá assim que sai do aeroporto e cruza com um ônibus na rua: em vez das frotas banais que se encontram mundo afora, os ônibus panamenhos são coletivos cheios de personalidade. Mesmo porque, até onde eu saiba, o Panamá é o único país onde eles pertencem a indivíduos e não a empresas. Como não há qualquer regulamentação oficial em relação à sua aparência, os motoristas capricham na concorrência.

Por baixo da casca esfuziante dos "diablos rojos", como são conhecidos, existem velhos e inocentes ônibus escolares americanos. Alguns ainda guardam, aqui e ali, o amarelo tradicional de nascença; mas vê-se que isso é só até o colectivero juntar plata suficiente para mandar pintar mais um cartão-postal, mais uma cena campestre, mais umas mulheres bonitas, uns santos ou uns produtinhos básicos que pagam pela publicidade. Na foto, a lateral de um diablo rojo exibe, orgulhosa, a magnífica Catedral do Casco Viejo, parte colonial da cidade.

Esta curiosa arte sobre rodas chega ao ápice nas chivas parranderas, que também existem na vizinha Colômbia, e que não têm percurso definido. Elas são ônibus de festa, freqüentemente abertos na lateral, como bondes, onde vai instalado um conjunto de música tradicional e, em frente a cada banco, uma estante com balde de gelo, copos, refrigerantes e... ho-ho-ho, uma garrafa de rum!

Os panamenhos alugam as chivas como quem aluga um salão de baile, e saem festejando pelas ruas e estradas. Só vi coisa parecida em Helsinki, onde um bonde disfarçado de bar, ou vice-versa, alegrava as ruas geladas. Mas, enquanto o bar ambulante finlandês era o que havia de chique e reservado, as chivas são, definitivamente, a alegria do povo.

Bota alegria nisso! Depois de umas voltas, saí cantando música típica como se tivesse nascido em Chiquiri. Mesmo agora, escrevendo sozinha num quarto de hotel em São Paulo, rio quando penso no passeio -- e olhem que nem ao menos eu bebo!

Claro que chivas parranderas e diablos rojos são apenas detalhes de um todo indescritivelmente mais amplo -- embora o que não falte ao Panamá sejam detalhes pitorescos. A moeda local, o balboa, é um deles.

O balboa é um dinheiro-fantasma, que só existe em referências e moedinhas. Devido a um acordo feito com os EUA em princípios do século XX, não há cédulas de balboas em circulação, apenas dólares: é que o acordo previa que o tesouro americano fabricaria o dinheiro panamenho, o que realmente acontece até hoje, mas em nenhum momento ninguém se lembrou de fazer referência a papel.

* * *

Pouco mais de 80 quilômetros separam o Pacífico do Atlântico no Panamá. Entre um oceano e outro há uma ferrovia que liga as duas pontas, há cidades lindas com muita arquitetura colonial, uma zona franca que só perde para a de Hong Kong, cassinos, barzinhos e festa, muita festa; há ilhas de sonho, rios, montanhas e a floresta tropical praticamente intacta, onipresente, que é a alma do país. Há um povo acolhedor e gentil, há ótima comida e um clima quente mas agradável.

Há também um certo Canal -- mas este fica para a semana que vem.

(O Globo, Segundo Caderno, 3.3.2005)

Nenhum comentário: