4.4.05







M3: Miami a mil

Antigamente, todos os telefones tocavam do mesmo jeito. Naquela época remota, a única forma de fazer um barulho suficientemente alto para chamar a atenção era instalando uma campainha nas caixas dos aparelhos. O tempo passou mas, embora novos ruídos tenham sido inventados, até hoje os telefones fixos continuam repetindo variações monocórdias do velho trrrim trrrim de seus ancestrais.

No mundo da telefonia móvel, porém, passado aquele primeiro momento em que mais de cinco variantes eram luxo, o som virou rei; tanto que a primeira coisa que alguém faz quando compra um aparelho novo é escolher um toque que combine com o seu estado de espírito. As antigas campainhas sobrevivem a título de gozação ou nostalgia; a associação entre os celulares e a música vem de berço, e a cada dia torna-se mais intensa.

Na semana passada, no M3, Miami Music Multimedia, trepidante evento que junta, num saco só, música eletrônica, moda, tecnologia, arte digital e marketing, uma das vertentes mais quentes do temário foi esta ligação -- dos ringtones, hoje uma das maiores fontes de renda de artistas e produtores, à evolução inevitável dos celulares à categoria de players, verdadeiros iPods falantes.

Dançando com a música

Para a Motorola, patrocinadora do evento, este caminho é tão evidente que fala (ou toca) por si só: praticamente todos os seus novos telefones podem ser usados como rádios e/ou players, graças a cartões de memória que prometem chegar, breve, aos 2Gb, e a micro-altofalantes que simulam surround sound em 3D.

A ênfase na música é tão grande que o V360, um dos aparelhos apresentados em Miami, não tem, a rigor, nada demais — exceto o conteúdo, 100% MTV. Neste modelo, além dos ringtones e wallpapers, também as imagenzinhas para MMS têm o look característico da emissora. A linha se chama "Seqüestrados pela MTV".

-- Antes a gente fazia o que a tecnologia nos permitia fazer -- diz Jean-Pierre Le Cannellier, diretor de estratégia para a América Latina. -- Agora podemos nos dar ao luxo de fazer aparelhos que as pessoas querem ter, que são objetos de desejo. Unir o conteúdo à forma é apenas conseqüência natural disso.

A Motorola tem também uma parceria no forno com a Apple, cujo objetivo é trazer o iTunes para os celulares. Seus primeiros filhotes seriam anunciados em Miami mas, exceto por um disco de controle à la iPod num dos protótipos apresentados, nada ainda se viu de concreto nessa área.

MOM, uma mãe para os músicos

A sigla que não saía das bocas em Miami era MOM, de Music Over Mobile. Ela tem a ver com ringtones, mas vai além: no cenário imaginado pelas indústrias de música e de telefonia, em breve será prática normal fazer download direto no telefone.

O MP3, pesado demais, não se presta a isso, mas o AAC+, por exemplo, é uma possibilidade viável; e, claro, todo mundo espera maior largura de banda. Mas isso virá.

-- A fusão entre celulares e players é inevitável -- observou Alberto Moriondo, diretor mundial da Motorola para soluções de entretenimento (leia-se games, música e multimídia). Bem ao espírito do M3, as entrevistas rolavam à beira das piscinas do Raleigh e do Surfcomber, hotéis chiques de Southbeach. Moriondo, um italiano simpático, poliglota e descontraído, estava cercado de maquininhas interessantes que provam o seu ponto, e que chegam ao mercado no fim do ano:

-- Sinceramente, para que você vai sair de casa carregando um player e um celular se pode ter um player assim no telefone?

Bom ponto. Os players, diga-se, são o Santo Graal do mundo dos gadgets; todos sonham em fisgar uma fatia do glorioso mercado do iPod, mais desejado dos badulaques contemporâneos.

Leis idiotas: um grave precedente

No dia seguinte, atrás da mesma piscina, numa tenda armada debaixo de um calor de 30 graus, Lawrence Lessig, professor de direito da Universidade de Stanford, autor de "O futuro das idéias" e do conceito de Creative Commons, alternativa mais adequada ao mundo digital do que o ultrapassado copyright, manifestava preocupação com o rumo que estão tomando as leis relativas à distribuição de conteúdo digital nos Estados Unidos:

-- Sempre que aparece uma nova tecnologia, ela é seguida de processos em que os detentores de diretos acusam os autores da novidade de piratas. Vem sendo assim desde a invenção da pianola, processada pelos editores de música. A diferença é que, até aqui, o Congresso sempre legislou a favor dos piratas, garantindo com isso o progresso tecnológico e criativo.

-- Agora, por causa de pressões da RIAA e da MPAA, e por uma incompreensão do que está em jogo, há um movimento no sentido de se engessar a tecnologia, e mantê-la parada no tempo -- observa lessig. -- Eu sou contra o uso das redes P2P para se roubar música da Britney Spears, digamos -- embora não entenda por que alguém possa querer fazê-lo -- mas acho a existência do P2P como forma de distribuição vital para as manifestações culturais que possa vir a proporcionar, como a cultura do remix.

O mais grave é que uma lei que transforma em marginais praticamente todos os estudantes do país acaba sendo descumprida e, naturalmente, considerada idiota; mas quando alguém se convence de que a lei é idiota, este é o primeiro passo para a desmoralização do sistema legal como um todo, que passa a ser visto não como um conjunto de leis desenvolvido para proteger o cidadão, mas sim como uma arma para manter o privilégio de uns poucos.


(O Globo, Info etc., 4.4.2005)

Nenhum comentário: