6.4.05



Feeding frenzy

Escrevi um comentário enorme ao post anterior; aí, quando ele estava prontinho, a Keaton pulou em cima da mesa e mandou tudo pro espaço...

* sigh *

Agora vou escrever aqui, que é à prova de gato.

"Feeding frenzy" é a expressão que se usa para definir a maluquice que dá nos tubarões quando sentem sangue na água; eles ficam ensandecidos e desandam a devorar tudo o que vêem pela frente, inclusive uns aos outros.

Às vezes se usa em relação à mídia.

Pois acho que estamos assistindo ao maior feeding frenzy de todos os tempos.

Uma série de fatores leva a isso e, de todos, a fé talvez seja o menos importante.

Para início de conversa, morreu o rosto mais conhecido do planeta -- que era, simultaneamente, o líder espiritual de uma parcela considerável do mundo ocidental, e o chefe de um estado com prática milenar na organização de Grandes Eventos.

Nem a Coroa Britânica consegue fazer melhor. Não só o Vaticano é insuperável no cerimonial, como tem um cenário imbatível, o que é elemento fundamental em termos de mídia.

De modo que TODAS as grandes emissoras de TV mandaram para Roma seus principais correspondentes; que, uma vez lá, precisam justificar o dispendioso deslocamento produzindo o máximo possível de material.

Nenhuma emissora quer, ou pode, correr o risco de não dar algo que outra tenha dado; nenhuma quer, ou pode, perder a chance de mostrar aos telespectadores como é ágil, dinâmica e antenada com os acontecimentos e sentimentos do mundo.

Quanto mais gente vai para o Vaticano, mais se justifica a cobertura monstruosa -- que mostra, sem parar, quanta gente está chegando.

Ora, quanto mais gente a TV mostra, mais gente quer ir.

Ninguém quer ficar de fora da festa -- porque no fundo é isso, uma tremenda festa. Não duvido nada que logo apareçam ambulantes vendendo camisetas-souvenir do enterro do papa, se é que já não apareceram.

Primeiro se falava em um milhão de fiéis velando o papa; depois, em dois milhões; agora, já se fala em quatro milhões.

Também não há chefe de estado que não queira aproveitar essa magnífica oportunidade de aparecer sem precisar dizer nada além de banalidades. É prestigioso estar lá, ao lado dos demais chefes de estado. Igualmente envaidecidos por estarem lá, entre outros chefes de estado.

E aí a cobertura aumenta, porque cada emissora mostra não só a chegada do seu chefe de estado particular e de sua comitiva, como a dos grandes líderes mundiais.

Para não falar nas autoridades de maior ou menor escalão, nos severinos, nos diplomatas, nos príncipes da igreja, nas celebridades ou nas freirinhas a caráter que dão aquele toque tão característico à cerimônia.

Ou, Deus nos livre, do atentado terrorista que todos temem mas que tantos, secretamente, esperam -- mais ou menos como os espectadores de Fórmula 1 que assistem as corridas esperando pelo desastre que vai render tantas imagens, vistas de todos os ângulos, em todos os telejornais.

É uma ocasião verdadeiramente única.

Nunca se viu nada igual, até porque, quando o outro papa morreu, o mundo foi pego de surpresa -- e a era das celebridades ainda não tinha começado.

Ao mesmo tempo, o papa é talvez a única super-celebridade a respeito de quem a mídia pode criar todo este auê sem ser acusada de futilidade -- ou sem, honesta e sinceramente, se sentir fútil.

Há católicos espalhados pelo mundo todo; e mesmo não católicos têm sido triturados, com competência, pelas gigantescas engrenagens do marketing da piedade a bom mercado.

Vejam quantos líderes espirituais de outras religiões já não se manifestaram; e pensem em quantos mais não estão loucos para se manifestar, para fazer coro com o mundo e, assim, confirmarem que são pessoas de prestígio, cuja voz é digna de ser ouvida em tão grave momento.

Quanto mais a onda cresce, mas cresce a onda.

A morte de Lady Di, em que a mídia alimentava os populares que alimentavam a mídia, foi uma pequena amostra do que nos espera.

E, naquela ocasião, ainda havia uma ou duas vozes de bom senso para lembrar que, afinal, o mundo continuava girando.

Agora, percam as esperanças; o mundo enguiçou de vez.

É um ótimo momento para dar um tempo na televisão e por os livros e os filmes em dia.

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