Nem tudo em família
Os ânimos andam exaltados no mundo da TI. A tentativa de acordo da Microsoft com o DoJ ainda estava dando panos pras mangas (e continuará dando, agora que a primeira audiência com os nove estados dissidentes foi oficialmente marcada para março) quando o caso HP+ Compaq, que tantas críticas recebeu na época do anúncio da fusão, voltou às folhas com carga total.Acontece que, na terça-feira, às dez da manhã, Walter Hewlett deu um rápido telefonema para Carly Fiorina, CEO da HP, dizendo que ele e sua família se manifestariam publicamente contrários ao casamento com a Compaq. Meia hora depois, ele distribuiu um press release urbi et orbi, deixando à cúpula da HP a tarefa de correr atrás do prejuízo.
No meio da tarde, David PackardJr. distribuiu um outro comunicado, em que manifestava seu descontentamento com a fusão e o seu total apoio a Walter Hewlett.
Walter e David Jr. são filhos de Bill Hewlett e Dave Packard, os fundadores da HP. Normalmente figuras discretas, pouco dadas a demonstrações públicas, os dois jogaram água na fervura de um takeover de US$ 20 bilhões — que, em sendo levado a termo, seria a maior fusão jamais vista na história da tecnologia de informação.
Segundo o Wall Street Journal, um dos grandes erros estratégicos da atual administração da HP foi não avaliar corretamente o peso das famílias Hewlett e Packard no negócio e, principalmente, não tentar convencê-las com suficiente eloqüência do acerto da compra da Compaq.
Eu, pessoalmente, acho que isso não foi um erro estratégico; foi uma tremenda grosseria, mesmo. Erro estratégico foi propor esta fusão, em que ambas as companhias saem perdendo.
Walter Hewlett, desenvolvedor de software de 57 anos que ensina música em Stanford, escreve programas de conversão de formatos musicais e tem o excelente hábito de fazer imensas doações financeiras para universidades.
Já David Packard, que tem 61 anos, foi professor de grego clássico na UCLA e, tomado de amores pelo cinema mais antigo de Palo Alto, o Stanford, restaurou-o caprichosamente. Detalhe: o Stanford só passa filmes antigos e, em fins de semana, a fila para entrar dá voltas no quarteirão.
Obviamente Bill Hewlett e Dave Packard souberam educar muito bem os filhos, que se tornaram pessoas interessantes e estimadas. A tal ponto que, quando ambos anunciaram estar contra a fusão com a Compaq, as ações da HP subiram 17%. Este, aliás, deve ser uma espécie de número mágico nessa história: as famílias Hewlett e Packard, mais as fundações a elas ligadas, detém exatos 17% das ações da empresa. Para a maioria dos analistas do mercado, com as duas famílias manifestando seu desagrado, a fusão já era.
Na Compaq, tudo como dantes. As ações nem subiram nem desceram. Seus oito diretores assinaram juntos uma declaração de que continuam dando apoio integral à proposta de fusão; a atual administração da HP fez a mesma coisa, mas digamos que, neste momento, Carly Fiorina não está no emprego mais seguro do mundo ocidental.
(O Globo, 12.11.01)
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