23.11.01




Black Peru Is Beautiful

Ivan Lessa

(Gente, eu sei, a idéia básica da rede é linkar, mas achei o Ivan Lessa de hoje tão bom, mas tão bom, que não resisti e... acabei transcrevendo tudo aqui para vocês lerem...)

Eu estou há quase um mês tentando entrar em contato com vários amigos e entidades brasileiras. Estão todos acometidos de feriadão. Isso começou com o tal de Raloím, que não tinha no meu tempo: a gente simplesmente ia na Biblioteca Thomas Jefferson, ali na Avenida Atlântica, e, na seção de não-ficção, dentro de um livro de John Steinbeck, deixava o nome dos amigos e amigas que, segundo nossa avaliação, poderiam ser membros do Partido Comunista ou simpatizantes. No fim do ano, vinha a passagem de ida e volta para Nova York pela Pan American - e taca cinema, teatro e compra de disco. Era um frila, como tantos outros, e, que eu saiba, nunca deu bolo, a não ser da vez em que um colega (Carlos da Motta Barcellos, Rua Sarmento Neves, 26, apt. 202, Laranjeiras) ''entregou'' (verbinho maroto), por despeito, os pais de uma namorada (Ana Lúcia Avellar, Rua Major Diego Barbosa, 127, casa b, Jardim Botânico) que o deixara por outro (Paulo ''Demônio Louro'' Winters, Rua Casimiro Duarte, 35, apt. 701, Urca). O sr. e a sra. Avellar desapareceram da face do Jardim Botânico como que por encanto. Era um Rio de Janeiro muito diferente. Um Rio de Janeiro muito mais gente.

Alguns de nós, com ginásio e científico, tinham acesso direto à Embaixada Americana, onde se entendiam diretamente com o cônsul encarregado desses troços. Esses, os de estudo superior, iam fazer curso de literatura comparada em universidades de fina estirpe, embora no Sul.

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Não tinha, enfim, Raloím, essas abobrinhas. Nem na Biblioteca Thomas Jefferson nem na casa do cônsul. Era uma época mais urbana. Importava-se e exportava-se com discrição. Chamávamos de intercâmbio cultural e quem quisesse criticar que tomasse cuidado: o Comando de Caça aos Comunistas gozava de prestígio e boa verba, uma bobeada e - babau! - seu papai e sua mamãe podiam sumir do mapa do Distrito Federal como se tragados por disco voador.

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O que eu quero dizer é o seguinte: parem de comemorar bobagem. Já tem dia do papai, da mamãe, do vovô, da secretária, da madame, de quem vocês quiserem. Vão e gastem seu rico dinheirinho e não chateiem com festa que inexiste. Não querem trabalhar, se mandem para Búzios, Angra, Guaracy, e deixem o país com um mínimo de dignidade, que, afinal, muito mais que isso já não tem mais.

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Esta semana foi o Dia do Zumbi dos Palmares, cognominado o Espártaco Negro. Dizem-nos historiadores de real valor que Zumbi, aliás batizado como Francisco, nome bastante sem sal, conhecia português, latim e bota de soldado português no rabo, tendo por este último motivo imperado em Palmares e comandado a resistência contra as tropas lusas até que, em 20 de novembro de l695, foi denunciado por um antigo companheiro (freqüentador da Biblioteca Camões, também ali na antiga Avenida Atlântica?), localizado pelas legítimas (e não eram?) autoridades, preso e degolado diante de todo mundo, inclusive seus escravos. Claro, Zumbi tinha escravos. Nisso está a picardia toda do esquema. É o famoso Paradoxo de Zumbi, quase tão conhecido quanto o de Zeno, aquele da flecha. Não tocaremos na controvertida questão de Ganga Zumba, Herói ou Traidor?, conforme tese que defendemos em vários bares que hoje não existem mais.

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Que fique claro: sou a favor de um Dia do Zumbi. Da mesma forma que os americanos têm o dia do Dr. Martin Luther King Jr. O fato deste usar gravata, e o nosso não, deve permanecer à margem de uma discussão esclarecida sobre os méritos da questão. O que tanto nós quanto americanos estamos dizendo é que Black is Beautiful, Bro e que, através de sua cultura, afro-americanos e afro-brasileiros contribuíram de forma notável para a culinária e as artes musicais do Novo Continente. DJs e gangsta rappers são hoje, tanto em terras do Tio Sam quanto do Negrinho do Pastoreio, verdadeiros ícones e motivos de orgulho para as nações ditas black.

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Mas agora bateu quinta-feira e os americanos observaram o seu Thanksgiving Day, data familiar que só perde para o Natal, em matéria de -- serei brutalmente franco -- babaquice. Suas origens se perdem nas brumas do tempo, ou seja, foi lá por volta da segunda década do século 17 -- coincidentalmente o mesmo de Zumbi -- que os peregrinos ingleses deixaram Plymouth, na Inglaterra, procurando outras terras onde perseguir aqueles que não concordavam com suas chatices e crendices religiosas. Os peregrinos eram uma espécie de Talibã da época: intolerantes e mal vestidos paca. Mandaram bala, pedra e o que houvesse à mão em índio (hoje conhecidos como Nativos Americanos) e peru. Sentaram-se para comer, não lavaram antes as mãos, e agradeceram a Deus pelo que haviam matado, degolado e cozinhado mal paca.

Foi só em 1789, assustado com a Revolução Francesa, que George Washington proclamou que, daquele ano em diante, a primeira quinta-feira de novembro seria feriado dedicado a dar graças por tudo que não era ligado à monarquia francesa ou a índio bêbado.

Lincoln, em 1863, por ser muito alto, usar barba e chapéu ridículo, vingou-se de todo mundo - Guerra Civil inclusive - e disse que não era nada disso, que o negócio era a última quinta-feira de novembro e que todos deveriam ir às ruas e assustar o maior número de pessoas possível fazendo Bu! e dando com uma abóbora na cabeça delas.

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Aí então, como os americanos não são muito inteligentes, confundiram tudo: nunca acertam com a quinta-feira certa, atravessam o país inteiro (agora, de avião tá difícil, né?) para ir chorar e cobrar psicologismos baratos dos pais, enquanto a criançada, com suas fantasias e modos sedutores, vai para as ruas atormentar pedófilos. O presidente da República, também seguindo uma tradição, perdoa de público no jardim da Casa Branca um -- peru. Quer dizer, peru lá, safa-se, o resto é como afegão: pau neles.

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Bush aumentou para US$ 25 milhões o prêmio pela captura de Osama. Osama, que não é de perdoar sequer peru, cobriu a aposta: ofereceu 50 milhões pela cabeça de Bush. Pra mim esse jogo não acaba em 1 a 1.


(Não está o máximo?! Estou ou não perdoada pela transcrição?)

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