20.11.01





Meu problema com Harry Potter


Confissão: eu adoro Harry Potter! Descobri a série quando o segundo volume saiu, e foi recebido com vivas e urros pela crítica inglesa que mencionava, en passant, a quantidade de exemplares vendidos do primeiro livro. Não era esta barbaridade que estamos vendo hoje, mas já era muita coisa. Fiquei curiosíssima, e mandei vir os dois (ainda em capa dura) da Amazon.com.

Comecei a ler -- e aí foi um problema, porque enquanto não acabei o "Sorcerer's Stone" e o "Chamber of Secrets", não quis saber de outra coisa. Eu ia trabalhar, andava pela Lagoa, saía com os amigos... mas a cabeça estava em casa, com o Harry Potter. Ainda por cima, os diabos dos livros eram grandes demais para carregar na bolsa. Me inscrevi para comprar antecipadamente o número três ("The Prisoner of Azkaban"), que a Amazon pontualmente me mandou assim que saiu e, no quarto, caí na besteira de me deixar seduzir pela Barnes and Noble, que roubou a lista de pré-encomendas da Amazon.com e me ofereceu 30% de desconto. A troca de livrarias foi uma péssima shopping experience e voltei correndo pros braços da Amazon.com, mas isso é outra história -- e um belo case de e-business.

Acho o segundo livro o mais fraco da série, e o quarto ("The Goblet of Fire"), o melhor, até agora. É um livro denso e envolvente, muito forte do ponto de vista emocional -- não pela morte de um dos meninos, mas pelas reflexões que desperta acerca da maldade intrínseca dos seres humanos. Fiquei tão abalada com a leitura que acabei chorando nos capítulos finais; e não riam, vocês aí que não leram o livro...!

Pequeno parênteses sobre o tema: provocar o choro de leitores e/ou espectadores não chega a ser marca de Grande Arte; na verdade, é uma manipulação de sentimentos bem mais simples do que provocar o riso. Vide "A Cor Púrpura", abominável filme do Spielberg, produzido com o específico propósito de fazer a platéia cair no berreiro; terminada a sessão, a gente assoa o nariz, vai para casa e nunca mais pensa no assunto. Barra pesada mesmo é "Kaos", dos irmãos Taviani, em que a gente se acaba no cinema, passa o jantar deprimida e dorme aos prantos, torcendo (em vão) para não se lembrar, no dia seguinte, do "Colóquio com a Mãe", o mais comovente dos cinco episódios do filme. Até hoje fico perturbada quando penso nesta obra-prima. Fecha parênteses.

De uns tempos para cá, no entanto, estou perdendo o encanto por Harry Potter. Não é culpa dos livros; afinal, o quinto volume ainda nem saiu, e os quatro que tenho aqui até já reli, com prazer. O problema é que, sinceramente, não agüento mais a blitzkrieg publicitária cada vez mais massacrante a que somos submetidos a pretexto do lançamento de qualquer "produto cultural"; a massa de quinquilharias inúteis e desnecessárias que Hollywood nos empurra goela abaixo na carona de qualquer fime de quinta é de dar engulhos. Para dizer o mínimo.

E é aí que a coisa pega. Harry Potter não é um produto de quinta. Os livros são de primeira; o filme pode ter seus problemas, mas certamente é uma produção bem cuidada que decolaria sozinha, levada pela simples curiosidade dos leitores. Será que precisava mesmo dessa corrupção malsã?

Mal comparando, é feito certas meninas tão bonitinhas e inteligentes que a gente vê por aí, e se admira: mas precisavam mesmo ser putas?

(A charge é uma cortesia involuntária da Slate.)

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