Paixão à primeira vista
Se as fotinhas que mandei não deixaram suficientemente claro, repito: estou encantada com o Acre! A natureza da Região Norte sempre me surpreende e fascina, mas no Acre há mais do que isso -- há um amor pela terra que se manifesta nas centenas de bandeiras do estado que tremulam em mastros oficiais, se mostram nas lojas e nas casas e percorrem as ruas como adesivos de automóveis, motos e bicicletas. Isso quando não vão coladas ao peito dos acreanos, como estampas de camisetas.Aliás, em nenhum outro lugar do mundo vi tanta gente usando camisetas com símbolos locais.
Faz um bem danado à alma da gente ver isso.
Depois, há, por toda parte, paredes pintadas nas cores mais lindas. Achei que fosse coisa da capital, privilegiada por administrações recentes de matar qualquer carioca de inveja, mas não. Percorrendo mais de 200 quilômetros de estrada até a fronteira com a Bolívia, onde quer que se pare há uma janela vermelha, uma porta azul, uma fachada verde.
Esse gosto pelo colorido se vê igualmente nas roupas estendidas para secar: qualquer varal humilde perdido no interior parece adereço cenográfico. Isso, aliás, criou um interessante paradoxo para a equipe de filmagem que faz "Amazônia", que acabou deixando de lado muitas locações importantes porque, simplesmente, pareceriam bonitas demais, limpas demais para ser verdade.
A limpeza das cidades que vi também me surpreendeu. Em Rio Branco, cheguei a pensar que as ruas tão limpinhas fossem um esforço ocasional para transmitir uma boa imagem com a visibilidade proporcionada pela minissérie; mas em Epitaciolandia e Brasiléia (onde estou), há o mesmo cuidado com os espaços públicos. As cidades não são ricas, em alguns lugares as ruas estão esburacadas por causa das chuvas, mas quase não se vê lixo nas ruas ou pixações nas paredes.
Confesso que, diante dessa pobreza digna e asseada, me envergonhei pelo estado lastimável em que se encontra o Rio. Como todo carioca, estou cansada de saber que não há turista americano ou europeu que não fique chocado diante de tanta sujeira e falta de manutenção; agora sei, por constatação própria, que, neste quesito, fazemos feio também diante dos acreanos.
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Percorrer este interior, que o pessoal gosta de definir como "Brasil profundo", sempre me comove. Entra-se em outra dimensão do tempo, num mundo mais simples, menos consumista, mais apegado aos valores da terra.Vejo as casinhas modestas de madeira, de um ou dois cômodos, limpinhas e aconchegantes, onde as pessoas vivem com tão pouco, e me assusta o contraste com as cidades grandes, onde cada vez juntamos mais coisas inúteis à nossa volta.
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É claro que há também o reverso da medalha. Tenho uma tendência natural a buscar o lado bom do que me cerca, mas é impossível ignorar a devastação pela qual passou este estado ao atravessar quilômetros e pastos, pastos e mais pastos.A paisagem é linda e bucólica -- mas ali, onde pasta o gado, houve um dia uma floresta inteira que veio abaixo.
Isso corta o coração.
Passeando ontem com o Jorge Viana, ex-prefeito e ex-governador, também era impossível ignorar a presença ultra-discreta dos guarda-costas, que não estão lá como símbolos de um eventual poder, mas como necessidade fundamental de sobrevivência de um homem que teve coragem de desafiar os bandidos que controlavam o estado.
Quem lê jornal sabe que esta é uma região em que as desavenças políticas costumam ser resolvidas a bala.
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O Acre não é um destino turístico como Manaus ou Belém, mas deveria ser. Não tem teatros mirabolantes plantados na selva (quase não tem mais selva, a bem da verdade) mas, entre seus defeitos e qualidades, entre as tragédias do passado e o gigantesco esforço de recuperação da auto-estima do presente, reúne uma quantidade única de lições de Brasil.Cheguei há três dias, vou embora logo, mas tenho, desde já, duas certezas: a de que esta foi uma das mais extraordinárias viagens da minha vida, e a de que este é um recanto do meu país que levarei sempre no coração.
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