22.12.04



Matou a pau

Ninguém escreve em jornal com a competência, o conhecimento, o bom senso e a clareza de idéias da Dora Kramer. Quando eu crescer, quero ser como ela:
Um claro acerto de contas

A punição de três policiais federais que participaram da prisão do publicitário Duda Mendonça há dois meses numa rinha de galos no Rio de Janeiro não é mera coincidência. Trata-se de um claro acerto de contas, cujo efeito mais evidente é a sinalização de que o espírito "republicano" proclamado pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, como norte das ações da Polícia Federal, tem seus limites.

De agora em diante, os policiais que integrarem equipes de investigação e prisão de gente com estreitas ligações no centro do poder ficam sabendo de uma coisa: suas ações podem gerar reações de vingança e, portanto, talvez seja conveniente pensar duas vezes antes de agir.


O ministro Thomaz Bastos e o superintendente-geral da PF, Paulo Lacerda, sempre ciosos na defesa da corporação ante suspeitas de ingerências políticas em suas ações, ficaram calados quando os agentes Luiz Amado e Marcelo Guimarães foram transferidos de seus postos, mês passado, e assim permaneceram agora em relação ao afastamento do delegado Antônio Carlos Rayol.

Rayol comandou a operação da qual participaram Amado e Guimarães, e foi ele quem recebeu de Duda Mendonça, no momento da prisão, a valiosa informação de que estava diante de um "assessor do presidente".

"Pensei que fosse assessor do presidente do clube", diria o delegado depois, referindo-se à agremiação clandestina objeto da operação e desmoralizando o "sabe com quem está falando".

Na ocasião, doutor Márcio Thomaz Bastos também reagiu, como ele gosta de dizer, com "espírito republicano". Chamado por Duda ao telefone na frente dos policiais, orientou que ele procurasse um advogado.

Muito se especulou a respeito da ligação entre a prisão e a proximidade do segundo turno da eleição em São Paulo -- a PF teria feito de propósito, só para prejudicar a candidatura de Marta Suplicy ?, mas o governo ficou impassível, como de resto tem ficado em relação às complicações de seus amigos e aliados com a polícia.

Por isso mesmo a retaliação nesse caso destoa do comportamento geral. Bem como o silêncio do ministro e do superintendente não combina com a loquacidade habitual quando se trata de capitalizar as ações da PF como exemplo da eficiência governamental.

Talvez ambos pensem que assim, lidando com o assunto com a naturalidade reservada aos atos de rotina, a vindita passe despercebida. Como se fosse a coisa mais normal do mundo a transferência repentina de três agentes integrantes de uma mesma operação que flagrou em ato ilegal um "assessor do presidente". Da República, bem entendido.

Além do quê, o afastamento dos policiais deu-se até agora sem explicações de caráter funcional, e irregularidades na prisão dos sócios do clube de brigas de galo não houve, pois a Justiça aceitou a denúncia contra os acusados.

Enquanto não forem expostos os motivos das punições e as cúpulas da PF e do Ministério da Justiça continuarem achando desnecessário dar uma satisfação ao discernimento alheio, fica patente a represália.

Como dizem lá na Ucrânia, I rest my case.

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