12.3.02



Dia da lembrança

A menos que haja um "Dia do Banqueiro" ou um "Dia do Homem Branco" e eu ainda não esteja sabendo, acho uma empulhação essas efemérides (gostaram?) tipo "Dia da Mulher", "Dia do Índio", "Dia do Jornalista"... tudo uma espécie de cala-boca cívico/social para as categorias, gêneros, espécies, profissões ou que mais divisões a sociedade não esteja tratando como deve -- se é que a "sociedade", essa coisa abstrata, trata alguém, ainda por cima como deve.


A única vantagem que vejo nesses dias é que, aqui e ali, alguém faz um gesto bonito, ou traz à tona uma memória, uma lembrança esquecida. Agora mesmo eu estava ali no blog da Paula (que por acaso tem a mesma opinião que eu tenho a respeito do assunto), e encontrei este poema da Adélia Prado. É um lindo poema mas, para mim, o que ele tem de especial é a lembrança da Fernanda Montenegro dizendo os seus versos no "Dona Doida", naquele notável jeito Fernanda de ser:

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, acredito em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
(Adélia Prado)

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