5.2.02




Presente do pretérito

Eu estava procurando um link de gatos que publiquei nos primórdios do internETC. e, percorrendo os arquivos antigos, me dei conta de que, pela primeira vez na vida, consigo manter um diário que vai além das primeiras páginas dos caderninhos bonitos que passei a vida comprando. A questão é que, apesar de não resistir a cadernos bonitos e a toda sorte de material de papelaria, nunca fui muito de escrever para mim mesma, mas sim para os outros; com o blog, entretanto, as duas coisas se misturam, e estou descobrindo como é interessante a gente voltar a certos sentimentos intactos, congelados no seu próprio tempo.

Reler o que escrevi no dia 11 de setembro do ano passado, por exemplo, foi uma experiência muito estranha, mais ou menos como me ver novamente naquele dia, só que, agora, do lado de fora. Weird!

Um dos meus posts do dia foi um poema de Yehuda Amichai traduzido pelo Millôr. Merece ser publicado novamente:

Eu, que eu possa descansar em paz


Eu, que eu possa descansar em paz
Eu, que ainda estou vivo, digo;
Que eu possa ter paz no que tenho de vida.
Eu quero paz agora mesmo, enquanto ainda estou vivo.
Não quero esperar como aquele piedoso que almejava
Uma perna do trono de ouro do Paraíso.
Quero uma cadeira de quatro pernas,
Aqui mesmo, uma cadeira simples de madeira.
Quero o resto de minha paz agora.
Vivi minha vida em guerras de toda espécie: batalhas dentro e fora,
Combate cara a cara, a cara sempre a minha mesmo,
Minha cara de amante, minha cara de inimigo
Guerras com velhas armas -- paus e pedras, machado enferrujado, palavras,
Rasgão de faca cega, amor e ódio,
E guerra com armas de último forno metralha, míssil,
Palavras, minas terrestres explodindo, amor e ódio.
Não quero cumprir a profecia de meus pais
De que vida é guerra
Eu quero paz com todo meu corpo e em toda minha alma.
Descansem-me em paz.

Yehuda Amichai (1924-2000)

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