3.2.02




Big Brother USA

Acabo de ler no Washington Post que o departamento de aviação civil americano, aerolíneas e empresas de tecnologia começam a dar os primeiros passos para testar protótipos de programas de segurança aérea que, em segundos, analisarão todas as informações existentes sobre qualquer cidadão, em qualquer dos incontáveis sistemas governamentais e/ou comerciais existentes no planeta, à cata de informações comprometedoras. Com base nessas informações, o embarque de suspeitos poderá ser impedido, no ato.

O exemplo óbvio dado pelas autoridades é o do sujeito desempregado ou sem fonte conhecida de renda que compra uma passagem só de ida na primeira classe; ou o do homem que paga, no mesmo cartão de crédito, passagens para outros quatro, sentados em diferentes pontos do avião. Diante de comportamentos tão bizarros, as companhias aéreas poderão tomar providências contra esses elementos, antes que eles venham a pôr em risco a vida de inocentes.

Aplicado a uma viagem aérea nesses tempos perigosos, um sistema assim pode, de início, parecer uma precaução razoável. A médio e a longo prazos, porém, corre o risco (eu diria: a certeza) de se tornar um dos maiores casos de invasão de privacidade jamais vistos desde a invenção da privacidade, e uma arma sem igual para controle dos cidadãos por parte de governos não confiáveis. Como não existem governos confiáveis, estamos, mais uma vez, diante do ovo da serpente – ovo este que o governo Bush (talvez o menos confiável de todos os governos, e certamente o mais perigoso) vai, em nome de uma vaga “segurança nacional”, chocar com todo o carinho. Lembrem-se de que o mesmo sistema que hoje filtra terroristas, amanhã poderá filtrar dissidentes, usuários de drogas, democratas ou, sei lá, fumantes de cigarros de cravo de Bali.

Tecnologicamente, a proposta é perfeitamente exeqüível. Pensem numa espécie de malha fina em que, além dos dados de viagem do passageiro – nacionalidade, sexo, idade, de onde veio, para onde vai, quantas vezes viaja por ano e para onde, onde se hospeda, quanto tempo passa em cada destino, etc. – sejam usados também dados bancários, médicos, de repartições públicas, seguradoras...
Quem já fez seguro de automóvel sabe que, para garantir o seu modesto investimento, tem que fornecer à seguradora mais informações sobre os seus hábitos do que ao se registrar numa clínica para fazer check-up.

Obviamente, ainda existem entraves técnicos, financeiros e legais a serem superados para que esse esquema monstruoso entre em ação. Mas eles serão superados, não duvidem.

O Globo, 4.02.02

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