26.6.08


A voz da Varig


“Sou um dos “400 pilotos” que, na verdade, acredito já devam agora passar de 500 ou 600, exilados pela destruição do patrimônio Varig. Gostaria de agradecer suas palavras derramadas com tanto jeito e lucidez sobre a Varig, mais uma jóia brasileira sendo reduzida a lixo pelos responsáveis pelo Brasil, sociedade e governo! Aqui de longe, depois de 26,5 anos cortando os céus com a nossa estrela, gostaria ao menos de sentir que nosso infortúnio tivesse servido para melhorar as coisas no Brasil... Mas, para meu desespero e mágoa, não é o que vejo. O setor aeroviário brasileiro está ainda muito pior do que você imagina. A mediocridade na qual chafurdamos não só destruiu a Transbrasil, a Vasp e em seguida a Varig, como transformou toda a estrutura reguladora do setor num gigantesco “Detran”! Um mostrengo “pulitico” que não só entregou o mercado para as empresas estrangeiras, mas que vem matando impunemente os próprios usuários, ao permitir a operação do sistema em condições de precariedade africana.” (Comandante Peter, Etihad Airways, Emirados Árabes)

“Trabalhei 28 anos como comissária de vôo, 14 deles na Primeira Classe. Lembro que todos os exilados, mundo afora, procuravam a Varig para matar as saudades do Brasil através de jornais, revistas ou um simples bate-papo com os funcionários. Eles, naturalmente, não freqüentavam as nossas embaixadas, pelo medo de serem localizados. Muitos de nós, comissários e comissárias, arriscamos mais do que nossos empregos levando e trazendo cartas, pacotes e fotografias entre eles e suas famílias. Aí eu pergunto: cadê esses exilados que viveram lá fora, voltaram e agora estão riquíssimos, seja como políticos, seja como anistiados? Nenhum nos deu qualquer apoio, não se ouviu de nenhum deles uma palavra sequer em defesa da Varig ou dos seus funcionários. Vivo da ajuda de amigos e parentes, tendo pago uma seguridade cara por muitos e muitos anos. Não quero nada de ninguém, só quero o que é meu de direito, não é justo desgraçarem assim as nossas vidas!” (Nilza Maria)

“Minha vida e a de meu irmão foram construídas pelas asas da Varig. Meu pai, atualmente com 78 anos, foi comandante da Varig; minha mãe, hoje com 64 anos, também trabalhou lá. Ambos do Aerus. Ver quem nos deu a vida, a formação, a ética e o carinho de uma vida inteira passar necessidades, sobretudo quando mais precisam, é muito difícil e doloroso.” (Rogério)


“Não vou falar pelo meu marido, ontem co-piloto do Boeing 777 da Varig, hoje comandante do Boeing 757 da Varig-log. Não posso falar pelo meu marido, pois só ele sabe o que é perder uma das coisas das quais mais se orgulhava. (....) O que vai acontecer se não conseguirem um sócio brasileiro para tornar legitima a compra da Varig-log? Meu marido ficará novamente desempregado? Terei que me mudar com meus filhos? Tirá-los da escola? Deixar o meu país?” (Andrea)

“Meu genro Clark era piloto da Varig. Hoje ele e muitos outros pilotos da Varig trabalham para a Emirates em Dubai, têm uma vida com muito conforto e qualidade, e creio que nunca foram tão bem pagos. Estive lá duas vezes e encontrei pilotos estudiosos e responsáveis, da melhor qualidade, mas "viúvos" da "nossa empresa", que é como se referem à Varig. Se tivessem tido apenas um sinal no fim do túnel, com certeza estariam aqui apoiando a Varig, mesmo que com sacrifícios.” (Eliane)

“Tenho 70 anos, 35 dos quais trabalhando na Varig. Comecei como engenheiro em 1965 e me aposentei em maio de 2000. Tive e tenho um imenso orgulho de ter contribuído com uma pequena parcela para a grandeza daquela que foi a maior e melhor empresa aérea da America Latina. Nos últimos anos, vi com muita tristeza um verdadeiro massacre da mídia em cima da Varig, esquecendo tudo o que ela havia realizado ao longo de quase oito décadas.” (Ivan)

“O governo parece que não se deu conta de como é duro para esses funcionários que trabalharam honestamente e com um amor incomensurável pela sua Varig verem seus direitos usurpados. Quem vai pagar essa conta? Aposentados com 40 anos de Varig, que contavam com a tão sonhada velhice digna e tranqüila... Trabalharam bravamente para isso, contribuíram mensalmente para essa aposentadoria e, ainda, com aquela competência citada por você. Que orgulho mesmo ver nossos aviões por todos os cantos do país e do mundo! E que profissionais! Estou viúva há 11 meses de um engenheiro de vôo. Ele amava o que fazia, cada vôo era como se fosse o primeiro... Faleceu prematuramente aos 63 anos, triste, deprimido e revoltado. Agora estou eu, que fui casada por 20 anos, sentindo ainda mais essa maldade na pele, além da dor doída da perda do marido e companheiro.” (Lucia)

“Voávamos pelo mundo com segurança e orgulho,lembra? Qual empresa faz hoje Zurique, Amsterdam, Copenhaguem, Roma, Milão, Lisboa, OPorto, Frankfurt, Munique, Madrid, Barcelona, Paris,Toquio, Los Angeles, México,Toronto, Montreal, Chigago, Nova Iorque, Miami, Atlanta, Londres, Santiago? As estrangeiras fazem... morrendo de rir da nossa burrice. Ví (e vejo) meus colegas enfartarem e ficarem deprimidos por tudo o que aconteceu conosco. Muito triste! Ah, Cora, queria que isto não tivesse passado de um pesadelo. Queria minha aposentadoria de volta. Queria que o filho comandante de nosso antropólogo Roberto DaMatta não tivesse sucumbido a toda essa dor... como tantos outros mais.” (Comandante Alcides)


(O Globo, Segundo Caderno, 26.6.2008)

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