30.6.08

Darth Vader 2.0

O lado negro da força


Bill Gates, um dos três homens mais ricos do mundo, está, hoje, acima do bem e do mal. Os produtos da Microsoft rodam em praticamente todas as máquinas do planeta, a Fundação Bill e Melinda Gates gasta bilhões em caridade e distribui toneladas de vacinas nos países africanos e pronto, vamos em frente porque a fila anda, o tempo não pára e a memória é curta.

Quando alguém com a memória um pouquinho menos curta puxa um fio da meada do passado, todos em volta reviram os olhos: "Meu Deus, lá vem você com esse papo novamente... Ninguém merece!", mais ou menos como a gente fazia quando era jovem e os anciãos da tribo se punham a discorrer sobre os podres de Rui Barbosa.

A memória menos curta, ultimamente, anda sendo a minha — o que diz muito sobre a capacidade de esquecimento das pessoas, em particular, e do mundo, em geral. É que eu sou do tempo em que Bill Gates pegava a ponte aérea para a Comdex em Las Vegas na classe econômica, e se cobria da cabeça aos pés para dormir. Viajei algumas vezes no mesmo vôo, e o casulo embrulhado na manta da companhia aérea não chegava a alvoroçar ninguém: era só o dono da Microsoft. No máximo um ou outro nerd a bordo se perguntava por que diabos ele não ia na executiva.

* * *

Bill Gates construiu um império. Convém não esquecer que é impossível construir um império sem quebrar uns ovos. Para chegar ao topo da lista da Forbes, Gates não poupou pessoas nem empresas, e deixou, atrás de si, um inacreditável rastro de destruição. No começo, pode fazer isso porque entrou no jogo quando as regras ainda não estavam bem definidas; depois, porque já tinha tanto dinheiro, que as regras não se aplicavam mais a ele.

A única coisa verdadeiramente original que a Microsoft jamais desenvolveu foi a sua tática de guerra, a alma de rolo compressor que esmagou, ao longo dos anos, incontáveis empreendimentos menores e mais criativos, muito promissores em seus nichos de atuação. O resto foi comprado, copiado e, em alguns casos, é verdade, até melhorado.

* * *

Não há dúvida de que é muito prático encontrar a mesma interface em qualquer computador que se use, do Brasil à Hungria, da Grécia às Filipinas. Já me garanti até em cybercafés russos graças à interface do Windows, e à posição familiar dos comandos.

É impossível imaginar o que seria o mundo de hoje sem a Microsoft. Isso não é um elogio, apenas uma constatação — no fundo, melancólica. Eu, pessoalmente, gostava mais dos velhos tempos, em que o ecossistema digital era rico e diversificado, com enorme variedade de visões de como usar a tecnologia. Felizmente, a Microsoft perdeu o bonde da internet num momento crucial e, com ele, a chance de dominá-la. Saímos ganhando.


(O Globo, Revista Digital, 30.6.2008)