30.6.11

Livros, táxis, capivaras



Namorar intelectual, em geral, não conduz a nada de bom. Vejam por exemplo Sofia, em pleno carnaval, debaixo de uma canícula desgraçada, dirigindo de volta para casa com um pote no banco do carona. No pote estão as cinzas de Theo, com quem namorou, rompeu, tornou a namorar e assim por diante. Se essa situação não fosse por si só bastante desagradável, o ex-indivíduo que leva consigo passará a lhe dar uma série de incumbências pós-tumulo (pós-pó?). Sim, o escritor planejou a sua morte e o que, em tese, lhe aconteceria na sequência. Para isso, contava como certa a colaboração de Sofia que, a partir do momento em que o encontra morto em casa, torna-se refém mais ou menos voluntária dos seus planos.

Vai a Paris espalhar as suas cinzas no cemitério de Montparnasse e encarrega-se de entregar o conteúdo de uma pasta de papéis diversos a Enrique Vila-Matas, escritor espanhol que o falecido julgava seu duplo. Namorada de sujeito de respeito não passa por esses micos; mas aí, o que seria de “Se um de nós dois morrer” (Editora Alfaguarra, 117 páginas), de Paulo Roberto Pires?

O livrinho é pequeno, mas tem conteúdo e simpatia para conquistar o leitor. Tem começo, meio e fim, embora começo, meio e fim não signifiquem, no caso, uma narrativa linear. Na verdade, considerando o conteúdo da pasta a ser entregue a Vila-Matas, e que compõe boa parte do romance, eu diria que tem começo, meios e fim. A leitura vai fazer a alegria de quem quer que goste de livros e de autores.

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O lançamento de “Se um de nós dois morrer” foi na segunda passada, a partir das 19h00. Às 19h30, conferindo o Instagram antes de sair de casa, vi a foto da capa no stream do Nelson Vasconcelos, traça literária em cujo bom-gosto se pode confiar. “Tu já tá aí?!” perguntei. E o Nelson: “Fui num pe voltei noutro ja to lendo quase no fim bom pracaray...”

Espero que os puristas não fiquem muito chocados com o tratamento dispensado ao idioma por duas criaturas que dele, literalmente, se alimentam; essa foi uma conversa teclada em iPhones, que não se prestam bem a acentos, frases longas, finismos.

Comprei o livro, peguei meu autógrafo, subi duas fotos do lançamento para o Instagram e saí da Livraria Argumento (lotada) às dez da noite. Tinha que jantar, adiantar trabalho, responder a emails, dar telefonemas. Comecei a ler no taxi e jantei mergulhada na leitura, que terminei à meia-noite no sofá, cercada de gatos. O Nelson, como sempre, tinha razão.

Em tempo: “stream” é como se chama, na internet, a sequência de fotos que os usuários sobem para as suas redes sociais.

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Nunca consegui escrever bem sobre poesia. Entendo que críticas e estudos acadêmicos têm seu lugar e podem ser necessários, mas, como a música, acho que ela dispensa intermediários – a poesia é ou não é, bate ou não bate com o que somos e com o que sentimos. É uma questão de pele da alma, digamos assim. Por isso, deixo quieto: foro íntimo.

Mas chegaram às livrarias cinco novos livros de poemas tão bonitos, e feitos com tanto capricho, que não posso deixar de registrar o meu encanto com eles. Juntos, compõem uma coleção, “Canto do bem-te-vi”, e têm por trás a mão experiente de Sebastião Lacerda, que sabe tudo e mais alguma coisa a respeito de livros. A editora é a Bem-te-vi.

Dêem uma olhada quando estiverem numa livraria, e deixem-se seduzir por aquele que lhes fizer a cabeça. Eu, pessoalmente, gosto de vê-los todos juntos, tão coloridos e semelhantes quando fechados, mas tão diferentes um do outro quando lidos: “Mateus”, de Priscila Figueiredo, “XX Sonetos”, de Maria Lúcia Alvim, “A viagem”, um inédito de Walmir Ayala, “Entre árvores”, de Sylvio Fraga Neto, “De onde voltamos o rio desce”, de Vera Pedrosa.

Afinal, é preciso um pouco de poesia quando o dia-a-dia anda tão precário.

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E, por falar em precariedade: concordo com o leitor Thomaz Landau, que escreve reclamando que no Rio todas as soluções ficam pela metade. Aquela prática luzinha que se acende no topo do carro quando o táxi fica vazio (e que, me explica o Landau, chama-se bigorrilho) só funciona à noite, já que é invisível durante o dia. Passei a semana prestando atenção nisso, e é fato. Impossível distinguir táxi vazio de táxi com passageiro, ainda por cima com o insulfilm escuro que todos usam nas janelas.

Em Londres e Paris, para citar só duas cidades que não brincam no quesito transporte, o bigorrilho é visível de dia ou de noite, assim como, aqui no Rio, são visíveis os letreiros dos ônibus. Landau sugere que se adote um novo tipo de bigorrilho, compatível com os tempos e as tecnologias modernas.

A única coisa ruim dessa idéia é que, mais uma vez, vai sobrar para os taxistas, que já foram obrigados a gastar um dinheirão com a tecnologia burra e ultrapassada que lhes foi imposta.

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A  nova capivara da Lagoa está cada vez mais saidinha. Ainda não tive a alegria de encontrá-la pessoalmente, mas venho recebendo notícias e fotos cada vez mais constantes. A melhor até agora foi da minha amiga de Facebook Paula Andrade: “Fui passear de bicicleta na Lagoa e adivinha quem encontrei por lá?! A capivara!!! Nunca a tinha visto pessoalmente, foi a maior felicidade. Não tinha como não mandar essa mensagem para você!”

Pois eu, de minha parte, não tinha como não dividir com vocês essa maravilhosa foto da Paula..


(O Globo, Segundo Caderno, 30.6.2011)

2 comentários:

Layla disse...

De vez em quando faço minha caminhada em volta da Lagoa e ficaria super-feliz se encontrasse esta maravilhosa capivara!

Cássia disse...

Linda foto!
O esfumaçado que eu via deviam ser nos meus zóios... rsrsrsrsrs