23.6.11

As pontas do ano



Terça-feira passada, dia 21 de junho, foi o nosso solstício de inverno. Adoro essa expressão, que traz à mente a imagem de sacerdotes incas amarrando o sol em Machu Pichu ou druidas acendendo fogueiras em Stonhenge, que conheci quando ainda era um monumento solto no meio do campo, sem cordões de isolamento e multidões de turistas. A idade, afinal, serve para algumas coisas, ainda que a maioria delas já tenha acontecido.

O que quer dizer isso, solstício de inverno? Simples: é a noite mais longa do ano, seguida do dia mais curto; a partir dos quais as noites se tornarão mais curtas e os dias mais longos, até chegarmos ao auge do verão, vale dizer o dia mais longo do ano, seguido da noite mais curta: o solstício de verão. O solstício de inverno, no Hemisfério Sul, marca o dia em que o sol mais se afasta em direção ao Norte; o de verão marca aquele em que mais se afasta ao Sul. Isso explica, entre inúmeras coisas, o fato de certos apartamentos pegarem sol de frente alguns meses do ano e sol nenhum outros tantos.

Entre nós, que vivemos numa latitude benigna em que mal se notam as mudanças de estação, pouca gente se preocupa com os solstícios. Para povos climaticamente menos abençoados, porém, eles são pontos cruciais do ano, e remetem a analogias com o eterno ciclo de vida e morte. O solstício de verão do Hemisfério Norte, por exemplo, em que pesem todos aqueles escandinavos semi-pelados esparramados pelas praças aproveitando a hora do almoço para tomar sol, marca o momento em que o planeta inicia a sua marcha inexorável para o gelo e para a morte; de onde começará a emergir, lentamente, após o solstício de inverno, ponto inicial do renascimento da vida.

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Uma das provas de que o mundo está cada vez menos romântico é que hoje é cientificamente incorreto dizer solstício de verão e solstício de inverno. Para desfazer dúvidas geradas pelas diferenças entre os hemisférios do planeta – inverno e verão de onde? – usa-se dizer agora solstício de junho e solstício de dezembro. É mais prático, sem dúvida, mas não sei se Utter Pendragon aprovaria.

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Por falar nele, neste último solstício 18 mil druidas, pagãos e desocupados em geral foram festejar em Stonehenge, na Inglaterra. Este é o único dia do ano, além do solstício de inverno, em que o patrimônio histórico permite visitação livre e irrestrita às pedras. O povo se junta, sobe nas rochas, espera o alvorecer, fuma uns baseados. A polícia intervém e leva embora os escaladores e fumantes mais audaciosos, mas, mesmo assim, no dia seguinte os jornais estão cheios de protestos de pessoas que acham um absurdo que o monumento mais antigo do país seja aberto às massas.

Uns reclamam da motivação religiosa, pois não levam nem druidas nem pagãos a sério; outros argumentam que o monumento não está alinhado com o solstício de verão, e sim com o de inverno, que cai em dezembro – mas esta, como se sabe, é época pouco propícia ao exercício do paganismo ao ar livre. Druidas e pagãos contra-atacam, a discussão rende e, na internet, acaba, como sempre, virando baixaria completa.

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Aqui, na paz da minha sala, com o sol entrando janela adentro, fiquei de olho no sol, esperando para ver onde ele cairia. No momento preciso em que se punha, porém, o celular tocou, e não pude registrar o instante como queria: na foto, como vocês vêem, ele já se foi. Descobri, porém, que tenho um Stonehenge particular para marcar o solstício de inverno (ou, vá lá, de junho): a anteninha isolada do Sumaré. Stonehenge é muito mais antigo, as pedras de Machu Pichu são muito mais caprichadas, mas também não se pode ter tudo ao mesmo tempo agora. Quanto não dariam druidas e incas para apreciar o solstício das margens da Lagoa, esperando uma aparição da capivara e bebendo uma água de coco?

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Odeio filmes em 3D. Acho graça na tecnologia quando assisto a demonstrações de dez minutos, e abri exceção para Avatar por causa da novidade, mas me dá nos nervos (óticos, inclusive) essa febre de fazer tudo em três dimensões. No começo achei que era coisa de quem usa óculos, birra pessoal ou falta de preparo para a modernidade cinematográfica, mas, aos poucos, conversando com amigos, descobri que somos muitos, de todos os gêneros e em todas as faixas de idade.

É com grande satisfação que comunico, portanto, o fim dos nossos problemas. Acabam de chegar ao mercado, nos Estados Unidos, os óculos 2D, revolucionário produto que tem o poder de grudar os filmes 3D à tela, de onde nunca deveriam ter saído. Amplas informações no site www.2d-glasses.com, onde podem ser adquiridos pela módica quantia de US$ 7,99 o par, mais US$ 3 de postagem internacional. Já mandei vir os meus.

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Woody Allen, felizmente, não aderiu à onda. “Meia-noite em Paris”, filmado em magnífico 2D, é uma espécie de “Rosa púrpura do Cairo” ao contrário, a realização das fantasias de todos nós que já sonhamos em viver na Paris dos anos 20. De quebra, é um passeio magnífico pela cidade dos corações de quem já esteve lá e de quem ainda espera ir. A história fica melhor ainda se o espectador souber quem são os personagens com quem Gil, o protagonista, se encontra – Hemingway, Scott e Zelda, os surrealistas, Picasso, Matisse, Gertrude Stein, Cole Porter... Este protagonista é, claro, o alter-ego de Woody Allen, que finalmente encontrou, em Owen Wilson, o ator certo para o seu papel.


(O Globo, Segundo Caderno, 23.6.2011)

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