21.4.11

O Rio no cinema



Linda noite de lua cheia e temperatura agradável. O Cinepolis Lagoon estava cheio de gente. Gente muito grande. Tão grande que o Lucas, que tem quase dois metros de altura, reparou. Ficamos matutando sobre o fenômeno.

-- Será por causa do filme?

Não me parecia provável. A seguir essa lógica, numa pré-estréia dos Smurfs predominariam as pessoas azuis. Sim, estávamos na badalada pré-estréia mundial de “Velozes e furiosos 5” e se vocês me perguntarem o que raios eu estava fazendo lá terão feito uma boa pergunta, porque nem eu mesma sei a resposta.

O Lucas, que conhece todo mundo, era a minha bóia de salvação.

-- Está vendo aquele cara grandão ali?

Só havia caras grandões para onde ele apontava.

-- O careca.

Só havia carecas.

-- O careca grandão entre os dois grandões carecas.

Ah, agora sim.

-- É o astro do filme. Vin Diesel.

Descobri, a partir disso, que todo careca grandão entre dois grandões carecas era alguma coisa no filme. Os grandões nas laterais eram seguranças. Uma fauna curiosa, que não costumo ver todo dia. Moças enormes também, com saltos vertiginosos. Eu estava me sentindo um cogumelo que entrou na receita errada. A sensação continuou quando fomos para a sala de projeção: caímos, ou mais provavelmente fomos gentilmente colocados pela produção do evento, na sala onde se reunia o elenco e a equipe do filme. Quando Vin Diesel fez o tradicional discurso de abertura, e perguntou se havia brasileiros na sala, se uma dúzia de mãos se levantou foi muita coisa.

-- Tudo bem, galera! – gritou o gigante gentil, sendo muito aplaudido por todos. A luz apagou-se e fomos ao filme.

* * *

Dia desses, Sérgio Sá Leitão, da RioFilme, escreveu um artigo na página de Opinião explicando porque a realização de um filme como “Velozes e furiosos 5” é importante para o Rio. Disse quanto dinheiro a cidade ganhou e quantos empregos foram gerados. Ora, quando o CEO de uma distribuidora municipal que promove a cidade no exterior se vê obrigado a dar este tipo de explicação, ninguém precisa assistir ao filme em questão para saber que lá vem chumbo.

Dito e feito. “VF5” perpetua todos os clichês dos quais a cidade tenta, a duras penas, se livrar. Ele começa com uma fuga espetacular nos Estados Unidos, depois da qual imagens de jornais televisivos mostram âncoras se perguntando onde estará o meliante. Corta. Linda aérea do Rio, com o Cristo em primeiro plano e todos aqueles etceteras que a gente já conhece. Na sequência, o bandido chega a uma favela onde todos andam armados e têm sotaque espanhol.

Claro: “VF5” foi filmado em Porto Rico. O elenco passou quatro dias apenas no Rio, só para dar um clima, mas para qualquer brasileiro em geral, e carioca em particular, a ambientação é mais falsa do que uma nota de três. Ao contrário de “Bossa Nova”, onde todo mundo tinha vista para a praia de Ipanema, mesmo quando morava no Flamengo, em “VF5” todo mundo tem vista para a favela, mesmo quando mora no Leblon. Tirando as famigeradas aéreas e algumas cenas de favela, nada mais é reconhecível como Rio, a começar pelos veículos da polícia, uns carrões lindos, mas perfeitamente ridículos, diante da realidade.

O suposto dono da cidade é o ator português Joaquim de Almeida, fazendo o papel de um tipo chamado Hernan Reyes (!), sempre vestido de mafioso italiano de filme B. Hernan Reyes fala “Tudo bom” em vez de “tudo bem” e luta tanto contra o seu sotaque luso que consegue o prodígio de soar ainda pior em “carioquês” do que os porto-riquenhos com quem contracena.

* * *

Não entendo isso. Gastam-se milhões de dólares para fazer um filme como “VF5”. Que diferença faria contratar um consultor brasileiro, e meia dúzia de atores locais? Aliás, já que estamos falando em dinheiro, eu gostaria que o Sérgio Sá Leitão me explicasse qual é a vantagem que um filme desses traz ao Rio, já que o grosso da grana fica em Porto Rico? Não seria melhor fazer ao contrário, filmar aqui e esculhambar com San Juan?

* * *

“Velozes e furiosos 5” é absolutamente idiota como dramaturgia, e não resiste a um mínimo de análise lógica. Sei que o público de filmes desse gênero não vai ao cinema para encontrar um bom roteiro, mas o que me espanta é que com os mesmos elementos se poderia fazer algo bem menos tosco. Os bandidos, que na verdade são os mocinhos da fita, moram mal e mal têm o que comer, mas isso não impede que convoquem comparsas do mundo inteiro, que consigam carros tunados, cofres que custam  milhões e equipamento de rastreamento de última geração.


O tom da narrativa segue o clássico estilo “Me Tarzan you Jane” com que Hollywood trata o resto do mundo. Tudo é primário e acintoso, quando não ridículo. A polícia brasileira, mirrada e corrupta até o último homem, está toda no bolso do tal Hernan Reyes. Este, moço precavido que é, só faz negócios em dinheiro, para não deixar rastros. E quando suas bocas são estouradas, qual é a moeda que aparece? Dólar, naturalmente. Para que o espectador dos Estados Unidos, imagino, entenda que aquilo é dinheiro. Argh!

* * *

Todo mundo já disse, eu sei – mas “Rio”, em compensação, é o filme mais lindo e engraçadinho dos últimos tempos. As ararinhas e demais bichos são ótimos personagens, a cidade é tratada com carinho – quem é que não gosta disso, de vez em quando? – o roteiro é simpático, competente e bem escrito. Mesmo que vocês não tenham crianças em casa como desculpa para ver filme de animação, não deixem de assistir. Poucas vezes o custo de um ingresso pagou tanta felicidade.
  

(O Globo, SEgundo Caderno, 21.4.2011)

Nenhum comentário: