28.4.11

Instagram: mania de foto



Nem tudo que é tecnologia é tecnologia. Para ser mais exata, nem toda tecnologia é apenas tecnologia. No momento em que passa a ser usada e a influenciar o dia a dia das pessoas, a tecnologia, tão necessariamente precisa, perde espaço para toda a sorte de especulação social, e transforma-se em cotidiano, papo de botequim e de cabeleireiro.

A internet e os celulares são apenas os exemplos mais recentes e bem sucedidos dessa mutação. Desenvolver hardware e software continuam sendo as tarefas fundamentais para que o mundo se mantenha nos trilhos dos quais não consegue (e nem quer) mais sair, mas o que ocupa as manchetes e o tempo de todos nós é, sobretudo, o uso que se faz desses elementos. Ainda não vi pesquisa sobre o assunto, mas tenho certeza de que hoje há muito mais páginas escritas sobre o impacto da internet na sociedade do que sobre a internet em si mesma -- de servidores a protocolos, passando por modems, roteadores e tudo o mais que é necessário para que o que eu escrevo no Rio, por exemplo, seja lido, na mesma hora, em qualquer ponto do globo.

E por que tudo isso agora e, especialmente, por que tudo isso no Segundo Caderno? Porque, como eu escrevi lá no primeiro parágrafo, a tecnologia não se faz só de tecnologia. A turma que usa iPhone, iPod Touch e iPad está se esbaldando numa grande caixa de areia chamada Instagram. Quando vi este aplicativo pela primeira vez, achei que era apenas mais um dos muitos brinquedos para fotografia; mas ele é bem mais do que isso. Permitindo a divulgação rápida e simples de fotos pelas várias redes sociais, o Instagram tornou-se, ele mesmo, a mais divertida de todas as redes de divulgação de imagens. Ele reedita, numa escala mais simples e mais portátil, o fenômeno Fotolog, que durante muito tempo manteve usuários de fotografia do mundo inteiro entretidos com troca de mensagens e imagens. Até hoje cultivo amizades feitas na época, e já me hospedei em casas de fotologgers pelo mundo afora.

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O Instagram é gratuito e, por enquanto, só funciona nos gadgets da Apple (o que o torna por enquanto um tanto elitista). Foi lançado em outubro do ano passado e, em três meses, alcançou um milhão de usuários; em fevereiro deste ano, já tinha dois milhões. Neste momento, deve estar se aproximando de dois milhões e meio, já que cresce à razão de 130 mil usuários por semana. Isso é muito, mesmo pelos números estratosféricos em que se mede a rede. Ainda não existe versão Android do aplicativo, e tenho a impressão de que deve demorar – o Instagram mal está dando conta dos usuários que já tem no mundo Apple. 

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O que há de tão diferente do Instragram para, digamos, o Twitter? Simples: o Instagram fala a linguagem universal da imagem, e prescinde da palavra, que pode gerar muitos mal entendidos, especialmente quando estão na linha pessoas que não escrevem bem língua alguma, sequer a própria. Em contrapartida, nada aproxima mais dois seres humanos do que ver que, no fundo, tutto Il mondo è paese, como já diziam os italianos, muito antes da Aldeia Global. Somos diferentes no atacado, mas iguais no varejo. Uma ferramenta de troca de imagens é, essencialmente, uma ferramenta de paz.
As traquitanas da Apple aceitam um aplicativo chamado Emoji, que substitui as letras do alfabeto por figurinhas. Há flores, carinhas cobrindo o escopo das emoções humanas, presentes, bombas, drinks, minúsculas ferramentas de comunicação sem fronteiras. Com elas, o mundo do Instagram se entende, mesmo na ausência do inglês.

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Há mais coisas que tornam o Instagram um brinquedo interessante. Do ponto de vista fotográfico, é curioso como, depois da febre das panorâmicas, voltamos subitamente ao quadrado, tamanho dos negativos 6 x 6 das antigas Rolleiflex. Mesmo para mim, que comecei com Rollei, mas já estava acostumada há décadas ao formato retangular das 135mm, está sendo uma ginástica mental interessante encontrar cortes que se adaptem aos novos tempos.

O Instagram vem com uma série de filtros que modificam as fotos, dando-lhe ora um ar antigo, ora hiper-moderno, ora mais do que detonado. Esses filtros são engraçados e, bem usados, podem transformar a foto mais trivial numa boa imagem. Na esteira, pipocam na Appstore quantidades de outros aplicativos, cuja única finalidade é incrementar ainda mais as figurinhas para o programa.

Já vi fotógrafos profissionais dizendo que têm engulhos quando vêem o que está sendo feito por lá. Pois não deviam. O Instagram está sendo o primeiro passo para interessar muitas e muitas pessoas pela sua arte. Que seja bem-vindo, com todas as suas falhas e virtudes.

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Recomendo “Sonhos Bollywoodianos”, de Beatriz Seigner – a história de três meninas (Paula Braun, Lorena Lobato e Nataly Cabanas) que vão tentar a sorte como atrizes em Bollywood, sem sequer saber direito onde fica a Índia no mapa mundi. O filme é um “mockumentary”, uma ficção com jeito de documentário. Foi feito com pouquíssimos recursos, uma idéia na cabeça, uma câmera na mão e, acima de tudo, muita coragem. Os créditos finais passam voando, coisa raríssima nesses tempos em que qualquer projetinho à toa tem nomes e nomes e nomes a desfilar. Aliás, os créditos são lindos.

“Sonhos Bollywoodianos” é simpático e despretensioso, não leva a Índia nem as aventuras das nossas heroínas excessivamente a sério, e é impossível de encaixar em qualquer categoria de filme que eu me lembre de ter visto por essas bandas. Só por isso já vale o ingresso.


(O Globo, Segundo Caderno, 28.4.2011)


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