18.11.03



A Biblioteca Nacional recupera a altivez

Nas mãos de Pedro Corrêa do Lago, a velha casa torna-se fonte geradora de cultura e de idéias


Ver Pedro Corrêa do Lago entre as imponentes estantes da Biblioteca Nacional é ver uma pessoa perfeitamente integrada ao seu elemento. É o homem certo no lugar certo. Bibliófilo, livreiro, editor e um dos mais importantes colecionadores de documentos raros do país, ele reúne as qualidades necessárias para pôr a Biblioteca no centro da vida cultural do país: ama livros profundamente, tem uma cultura vastíssima, um círculo de relacionamentos inestimável, uma curiosidade insaciável a respeito de papéis e imagens. E, last but not least, é um homem de ação, acostumado a correr atrás dos seus sonhos — e dos patrocinadores para torná-los realidade.

A revista “Nossa História” é só a primeira amostra do vendaval de novas idéias que, desde a posse do novo presidente, varre a outrora calma biblioteca. Até porque, com a reforma administrativa do Ministério da Cultura, que passou à sua esfera as atribuições da Secretaria Nacional do Livro — brevemente exercida por Waly Salomão até sua morte prematura, em maio passado — a Biblioteca Nacional tornou-se o centro da política do livro no país. Isso significa que tudo passa por lá, da divulgação do livro brasileiro no exterior à criação de bibliotecas públicas nos cerca de mil municípios onde elas ainda não existem.

— Herdei do meu antecessor Eduardo Portella duas obras extraordinárias, o auditório e o portal internet, — diz Pedro. — Agora, quero dar maior relevância à atuação da Biblioteca no país; afinal, como o nome diz, ela é nacional. Precisa ter pelo menos um pé em São Paulo e outro em Brasília, centros mais óbvios de extensão. Ao mesmo tempo, vamos trabalhar para que tenha maior interação com o Rio: a Biblioteca tem tudo para entrar no roteiro turístico da cidade.

Ao contrário do que muita gente supõe, a Biblioteca Nacional não é uma biblioteca onde se podem pegar livros emprestados. Ela funciona como guardiã dos livros e da memória nacional, e boa parte de suas instalações é fechada ao público. O que é uma pena: o prédio é uma das mais lindas construções do Centro. Para mudar isso um pouco, Pedro Corrêa do Lago vai transformar as galerias do quarto andar, onde hoje funcionam órgãos da diretoria, em área de exposição permanente dos Tesouros da Biblioteca.

Naturalmente, já tem patrocinador para o projeto, assim como tem patrocinador para o programa de bolsas para pesquisadores: um time de trinta profissionais, produzindo tão ativamente que, para o ano que vem, já estão programados cerca de 50 brochuras e oito livros de arte. Todos ligados, primordialmente, ao acervo da Biblioteca, com temas variados, que vão da obra de fotógrafos contemporâneos a documentos sobre a escravidão.

— A Lei Rouanet é muito favorável a uma instituição como a nossa, — diz ele. — Vamos usá-la ao máximo em benefício das nossas publicações. A Biblioteca vai deixar de ser apenas um repositório de idéias. É muito importante que seja, também, um centro de criação, uma instituição geradora de pensamento.

Como colecionador, por um lado, e editor, por outro, ele tem perfeita noção do valor do patrimônio da BN — e está disposto a cuidar para que esse valor dê retorno à casa. Hoje, além de cobrar royalties por suas imagens, a Biblioteca Nacional se reserva o direito de ser co-editora de qualquer livro em que mais de 30% do material iconográfico tenha saído de seu acervo.

— Não que a gente vá, necessariamente, invocar esse direito, — explica Pedro. — Mas também ninguém quer que isso aqui vire a Biblioteca da Mãe Joana, né?

Os fiéis escudeiros de Pedro Corrêa do Lago no grande projeto de revitalização da Biblioteca Nacional são o diretor executivo Luiz Eduardo Conde, o diretor de administração Carlos Eduardo Tavares e seu chefe de gabinete João Luiz Bocayuva. Curiosamente, todos têm 45 anos, com diferenças de meses de um para outro. Todos têm, também, a mesma disposição de ir à luta. Para Pedro, contudo, nada seria possível sem a mulher Bia, filha do escritor Rubem Fonseca, e sua incansável parceira de negócios. Ele só aceitou a presidência da Biblioteca porque ela, por sua vez, se dispôs a tocar sozinha as livrarias do casal e a sua editora — que atende pelo charmoso nome de Capivara.

(O Globo, Segundo Caderno, 17.11.2003)

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