Sonhos engarrafados
O frasco da foto é uma preciosidade: um Lalique não documentado, feito possivelmente para um perfume de Forvil, entre 1922 e 1924. Foi vendido por U$ 100.500,00 (cem mil e quinhentos dólares, para que não restem dúvidas) no último leilão Art & Fragrances, realizado na Suiça em novembro do ano passado. Este leilão é a Meca dos colecionadores de perfumes, o evento mais importante do ano para um bando de malucos que se dedicam a garimpar antiquärios e brechós atrás de garrafas velhas. O catálogo do leilão, apresentado por Christie Mayer Lefkowith, uma das maiores autoridades mundiais em perfumes antigos, é referência básica para cotações de preços de frascos e apresentações importantes.Como é que eu sei disso? Ora, porque, durante algum tempo, colecionei miniaturas de perfume avidamente -- e tudo o que diz respeito a perfumes me interessava muitíssimo. Li o que havia para ler, troquei centenas de emails com outros colecionadores, comprei, vendi, fiz barganha e amizade com gente do mundo inteiro, como Janice Holton, que mantém este ótimo site; depois cansei, mas até hoje adoro a minha coleção, que é bem interessante.
A peça de que mais gosto é uma caixa de papelão com 20 garrafinhas vazias de Jet, de Corday, que alguém descobriu entocadas no sótão de uma farmácia numa cidade qualquer do interior dos EUA. Durante a Segunda Guerra, com a dificuldade de transporte, alguns perfumes franceses (sobretudo miniaturas) deixaram de ser exportados engarrafados, e passaram a seguir em galões para o seu destino. As minhas garrafinhas ficaram, obviamente, esperando um conteúdo que se perdeu pelo caminho.
Não tenho vontade de aumentar a coleção, mas não passa pela minha cabeça me desfazer dela. Gosto das miniaturinhas, do seu jeito bonito e delicado e, sobretudo, da idéia dos cheiros. Idéia, mesmo: há poucas coisas mais fedorentas no mundo do que um perfume antigo -- mas, obviamente, não é ele que atrai os colecionadores, e sim o que representa.
Este é um universo maluco, em que quanto mais intocada estiver uma embalagem, melhor. Já vi verdadeiras fortunas sendo pagas por caixas que estão fechadas há mais de oitenta anos, e que assim, provavelmente, ficarão até o fim dos tempos. Nunca entendi isso muito bem, e tenho pena dos perfumes que não cumpriram o seu destino -- muito parecidos, aliás, com os bonecos de coleção do Toy Story 2.
Eu gosto de abrir as minhas miniaturas novas, aquelas em que o perfume ainda está vivo, e viajar nos cheiros que eles têm. Às vezes até uso umas gotinhas, mas o Rio -- como qualquer cidade quente -- é um péssimo lugar para perfumes. De resto, acho que os cheiros -- quaisquer cheiros -- têm hora.
Há coisa mais abominável do que uma pessoa que chega a um lugar depois do perfume que está usando? Ou que vai embora e deixa o cheiro solto, no elevador?
Argh: AR!
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