25.2.03



Criminalizando a rede

Foi apresentado à Câmara dos Deputados na última terça-feira o primeiro projeto de lei relativo à internet da nova legislatura — que, sob este aspecto, começou mal, muito mal. A deputada Iara Bernardi (PT-SP) pretende, pura e simplesmente, acabar com o anonimato na internet BR, obrigando provedores e hospedeiros a manter registros públicos com completa identificação de responsáveis por páginas e endereços eletrônicos, sob pena de multa entre R$ 10 mil e R$ 100 mil. Quer dizer: seremos todos culpados até prova em contrário, obrigados, todos, a ter nossas “digitais” virtuais registradas junto às autoridades.

Se conseguisse realizar esta proeza — felizmente impossível ou, no mínimo, contornável — a deputada estaria realizando o sonho de todos os governos totalitários do planeta, dos EUA à China. Como todo mundo que pretende controlar a rede, a deputada também apela para os suspeitos de costume: pedofilia, estelionato, tráfico de drogas e a nova palavra mágica das ditaduras em geral: terrorismo.

— Entendemos que um grande passo será dado no sentido de coibir a criminalidade no Brasil com a aprovação do projeto — diz ela. — Outros países poderão seguir o exemplo, tornando a rede mundial mais segura para todos.

Não conheço a deputada. Na sua homepage descobri que é professora e que atua nas áreas da educação e dos direitos da mulher. Com todo respeito, devia ater-se a elas. Para ficar apenas no âmbito da criminalidade, que tanto a preocupa, acabar com o anonimato na rede — se isso em algum momento fosse possível — equivaleria a tornar o disque-denúncia ilegal.

Para agir criminosamente ninguém precisa de anonimato, nem na rede, nem fora dela: para não ir muito longe, aí está o Congresso Nacional que não me deixa mentir. Para denunciar crimes e abusos, porém, o anonimato é, muitas vezes, a única saída.

Se este projeto insensato for aprovado, não terá efeito nenhum a não ser prejudicar os mais inocentes, os mais pobres, os menos escolados. Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento de inglês e de internet abrirá sua página alhures e arranjará um endereço lá fora. Simples assim.

Na verdade, deputada, o anonimato é, muitas vezes, a defesa que resta ao indivíduo diante do governo, da igreja, das corporações, da sociedade em geral. Entre num grupo de discussão sobre a Aids, por exemplo, e veja se encontra, lá, alguém apresentando carteira de identidade. Essas pessoas, que precisam demais conversar entre si, precisam igualmente do anonimato como proteção contra o preconceito.

Outra sugestão: já que a senhora é tão ligada aos direitos da mulher, entre num chat sobre aborto. A deputada acha justo obrigar alguém ali a se identificar? Não, não precisa responder. Apenas tente se informar melhor antes de apresentar seu próximo projeto.

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