28.10.04




Carta aberta para Duda


Alguns conselhos para o Grão Marqueteiro


Prezado Duda,

Sou grande admiradora do seu trabalho, assim como são todas as pessoas que viram uma simples troca de óculos transformar o Maluf numa figura respeitável. Para os ignorantes das sutilezas do marketing político, entre os quais me incluo, o que você faz por seus clientes é puro sortilégio, coisa de demiurgo. Que o encantamento do Maluf esteja enfim se quebrando não é, claro, culpa sua. No segundo turno ele trocou seus óculos encantados pela bengala branca que ganhou de presente da Marta e taí, deu no que deu.

Admiro também o seu desprendimento. Qualquer homem menos dedicado a seus empregadores teria tirado um tempinho, ao longo desses anos todos, para dar uma guaribada na própria imagem. Todo mundo sabe que em casa de ferreiro o espeto é de pau, mas também não precisava ser pau de galinheiro, caro Duda! Se você conseguir sair dessa, dê um tempo, esqueça a política, cuide um pouco de si mesmo. E não estou falando só da imagem, não, mas do aspecto físico também, que, como dizem as peruas na intimidade do salão de beleza, está "um lixo". Fora de Brasília e dos sofisticados círculos das rinhas de galo, o seu filme está pra lá de queimado, acredite.

Apesar disso, entendo o seu drama. Não duvido, em momento algum, da sinceridade com que você diz amar os galos, nem da profundidade desse sentimento. O amor pode, no entanto, se manifestar de maneiras perversas, e nem todas são universalmente compreendidas. Veja os espanhóis, por exemplo. Eles acreditam, piamente, que amam os touros, assim como os pedófilos acreditam, do fundo do coração, que amam as crianças. Talvez até a governadora Rosinha Garotinho acredite que ama o povo, quem sabe?

O problema é que há um fosso intransponível entre os que comungam dessas crenças e os que, de forma talvez menos criativa, insistem em associar o amor à ternura, ao respeito ao próximo e aos bons tratos, sentimentos que vocês acham ridículos. É por causa desta maioria de pobres de espírito, incapazes de perceber o que há de sublime na dor (alheia), que certas formas de amor pouco convencionais acabaram fora da lei.

Entendo como isso deve ser chocante (e inesperado!) para você, entendo também como tudo deve-lhe parecer injusto, depois de todos os serviços que você prestou ao país sem fins lucrativos. Mas a verdade é que, para as pessoas comuns, que não compartilham dos seus gostos refinados e não sabem distinguir um Romanée Conti de um Brunello de Montalcino, uma rinha de galos é uma atrocidade. Elas não conseguem entender a sua frase memorável: "Para os galos, é preferível morrer na luta do que acabar na panela". Alegam que os galos não foram consultados, como se isso fosse possível ou relevante; e ficam horrorizadas quando sabem que o público da rinha vibra com cada corte, delira com cada perfuração, vai ao êxtase com cada olho vazado.

Melhorar sua imagem junto a esse bando de frouxos não vai ser fácil, caro Duda, nada fácil. É provável que você nem esteja interessado no que gente tão pouco distinta pensa ou deixa de pensar a seu respeito, mas não se esqueça que, a cada dois anos, esses zés manés -- que sequer têm acesso direto a ministros -- transformam-se em votantes. E o diabo é que já começa a se espalhar, entre os amantes de bichos, a idéia idiota de que não se deve comprar produtos ou votar em candidatos que contratem os serviços de quem goza com o sofrimento de animais.

Algumas criaturas politicamente corretas têm confrontado esses eleitores e lhes perguntado se é assim que se faz, se é pelo marqueteiro (que palavrão, Duda) que escolhem seus candidatos. Tolinhos! Você, melhor que ninguém, sabe que, nos últimos tempos, é justamente assim que se tem escolhido, ou não se poderia sustentar a nobre linhagem dos seus tantos e tão ricos galos de briga.

Mas o cerne da questão não é este. É que, para os que gostam de bichos, empresas ou candidatos que se relacionam com quem promove a tortura ilegal de animais indefesos não são dignos de confiança.

Sinceramente? Quer saber? Estão feias as coisas para o seu lado. Horríveis, mesmo. Mas, talentoso como é, você pode dar a volta por cima. Quem sabe não convence as pessoas de que, ao contrário do que imaginam, você a-d-o-r-a animais? Faça alguma coisa por eles, pode ser um primeiro passo! Digo mais: tendo contato com bichos em circunstâncias normais, você pode até vir a descobrir algo novo, como aquele afeto que surgiu entre Humphrey Bogart e Claude Rains no fim de "Casablanca" -- o começo de uma bela amizade.

Estude o caso da Suipa, por exemplo, a sociedade protetora que não pode acolher os seus galos por falta de condições adequadas. Lá, um grupo de voluntários trabalha, exaustivamente, para garantir um mínimo de bem-estar a quadrúpedes que o mundo desprezou. Ora, quem cuida de quadrúpedes com amor bem pode cuidar dos seus bípedes. Procure a Suipa, Duda, com o coração -- e a carteira -- abertos.

Os 6.500 cães, 850 gatos e sei lá quantos outros bichos abrigados pela sociedade sobrevivem de doações feitas por particulares. Os problemas são gravíssimos, e as dívidas, enormes -- mas, ainda assim, correspondentes a apenas um terço dos R$ 1,7 milhão que circulavam em apostas no seu Clube Privê.

Imagine, Duda Mendonça, que oportunidade extraordinária! Pelo módico preço de uma dúzia de galos de briga, pelo equivalente a oito caixas de vinho, você tira a Suipa do vermelho, salva a vida de uns 7.500 animais e dá aquela melhorada na imagem. Só tem um porém: é tudo rigorosamente dentro da lei.

Para adiantar a sua vida, aqui vão os dados da conta da Suipa:

Banco Itaú, Agência 0584, CC 45500-0, CNPJ 00.108.055/0001-10.

Não há de quê.

PS: Por favor, ajudem a Suipa! A situação é desesperadora. Qualquer depósito, por pequeno que seja, será de grande valia.


(O Globo, Segundo Caderno, 28.10.2004)

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