11.11.02



Futuro do pretérito

Arrumando as gavetas metafóricas da máquina, achei este texto, escrito em fevereiro passado, para uma edição especial da Revista, da Takano, sobre os anos 50.



Foram anos estranhos, aqueles. Saído da mais terrível e extenuante das guerras, o mundo recomeçava a respirar; mas tudo estava mudado. Rádios zumbiam incessantemente, todas as casas bem equipadas tinham geladeira e máquina de lavar e, lá pela metade da década, a televisão saiu do âmbito da ficção científica e transformou-se em membro da família. A humanidade começava o seu longo caso de amor e ódio com os eletro-eletrônicos.

O futuro deste passado era muito estranho. No ano 2000, a Terra seria um planeta irreconhecível, vítima de levas sucessivas de extra-terrestres mal-intencionados que ou pretendiam acabar com a raça humana, ou apossavam-se de seus corpos sorrateiramente. Discos voadores cortariam os céus, automóveis e aviões seriam relíquias de um tempo primitivo e viajaríamos, corriqueiramente, ao passado ou ao futuro, em práticas máquinas do tempo. Num plano mais modesto, os robôs resolveriam, para sempre, os eternos problemas da vida doméstica.

A imaginação dos autores de livros, roteiros e histórias em quadrinhos não conhecia limites. Um breve passeio pelo passado mostra as bizarras possibilidades que se inventavam, então, para os nossos tempos. Mas o que ninguém previu – ao lado das já prosaicas e, cá entre nós, ultrapassadas, máquinas de fax – foi a Internet.

É compreensível. Foguetes individuais e carros voadores eram mais fáceis de aceitar, naqueles dias, do que a presença de um cérebro eletrônico em cada lar: o Univac, da Remington Rand, primeiro computador comercialmente disponível, nasceu em 1951. O número um foi entregue ao Census Bureau, secretária de recenseamento do governo americano. Pesava umas sete toneladas e tinha mais de cinco mil válvulas. O que diabos alguém poderia querer com um monstro daqueles em casa?! Ele destoava completamente de qualquer esquema de decoração da época.

Não passou pela cabeça de ninguém que, no ano 2000, ainda usando basicamente os mesmos carros e aviões dos anos 50, as pessoas carregariam consigo máquinas levíssimas, indizivelmente mais poderosas do que aquelas; e, muito menos, que essas máquinas estariam todas conectadas entre si, formando uma teia do tamanho do mundo.

Foi durante a década de 50, no entanto, que se desenvolveram o transistor (uma invenção de 1948 que deu, em 1956, o Nobel de Física a seus autores, três cientistas do Bell Labs) e o circuito integrado (1959), responsáveis pela mudança tecnológica mais radical de que se tem notícia. O mundo deixava para trás a velha casca da Revolução Industrial, e dava seus primeiros passos em direção à Era da Informação.

Graças ao que ninguém conseguiu imaginar então é que podemos, porém, ter uma idéia tão viva daqueles tempos. Com a crescente quantidade de informações da rede, eu até arriscaria dizer que o passado nunca teve tanto futuro.

Digitando “Anos 50” no Google obtenho, em 0.09 segundos, 88.900 itens. E isso porque estamos no modesto universo da Internet latina, em português e espanhol. Digitando “The Fifties”, descubro, em tempo recorde (0.07 segundos) mais de 135 mil páginas, que me trazem, em poucos cliques de mouse, a história, os sons e as imagens daquela época.

Se isso não é uma máquina do tempo, não sei o que é.

Máquina do tempo, eu disse?

Que coisa.

Não é que eles não estavam assim tão enganados?

Nenhum comentário: