9.6.05




Pagando mico

O secretário Fasano viaja para São Francisco


Isto foi ouvido lá em São Francisco, onde, certo dia, brilhou Oscar Wilde:

"Conclusion (!): A dificuldade de acesso a Florestas como as da região da Amazônia, as Africanas Equatoriais, aquelas localizadas no Sudeste da Ásia, Australasia, Papua New Guine, etc. tendem em inibir o acesso de pessoas comuns a essas magníficas áreas.

Levando em consideração que a Floresta da Tijuca e os ecossistemas do seu entorno localizam-se no centro do Rio de Janeiro, quase dividindo-o em dois, eles são de fato vizinhos muito próximos e simpáticos dos habitantes da cidade.

Com a definição legal das futuras fronteiras do Parque e de suas diversas áreas, pretendemos triplicar o seu tamanho atual, fazendo com que as pessoas abracem qualquer causa que os eduque e ajude a amar a área.

O fato da Estátua do Cristo Redentor e o Pão de Açúcar ficarem há apenas 15 minutos de distância de qualquer Hotel na beira das famosas praias de Copacabana e Ipanema.

Essa enorme biodiversidade explica a urgência de tornar aplicáveis os documentos da Agenda 21, de acordo com a Convenção da Diversidade Biológica."

Samba do ecologista doido? Pesquisa escolar? Pegadinha da internet? Nada disso. É a conclusão (conclusion) da apresentação feita por Victor Fasano, secretário municipal de Promoção e Defesa dos Animais (!), em encontro organizado pela ONU para comemorar o Dia Internacional do Meio-Ambiente. O congresso, que reuniu prefeitos de cem diferentes cidades, teve, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura do Rio, "o objetivo de promover e estimular o conhecimento de programas e projetos referentes à utilização e preservação do Meio-Ambiente, como também definir políticas e ações públicas". Para nossa desgraça,Victor Fasano, representante do Rio de Janeiro (!), levou uma versão da apresentação em inglês. Rubra de vergonha, nem vou comenta-la. Ou melhor, comento.

Depois de ter feito duas colunas sobre o trabalho (?) de Fasano à frente da Sepda, eu planejava, sinceramente, esquecer. Mas como acontece com toda a ação pública deste país, basta que se levante uma pontinha do tapete, para descobrir que embaixo do tapete tem outro tapete, numa tapeçaria sem fim de mutretas e mesquinharias. Por isso, na minha cabeça, a cada dia há novas perguntas que não querem calar. Vamos lá.

Para início de conversa:

1) Quanto custou isso aos cofres públicos?

2) Se o congresso era importante (e era!), por que o secretário municipal de Meio-Ambiente, Ayrton Xerez, não foi nos representar?

3) Se o congresso não era importante, por que gastar o rico dinheirinho dos contribuintes?

4) Se o prefeito César Maia considera que Ayrton Xerez não tem competência nem para representar a cidade no exterior, por que o conserva na pasta?

5) Se acha que tem, por que mandou para nos representar (leia-se envergonhar) em São Francisco o senhor Victor Fasano, que entende tão pouco de meio-ambiente quanto de animais sem plumas?

O congresso de São Francisco, realizado com as melhores intenções e a maior seriedade, não merecia isso. O Rio de Janeiro, que quase só se salva pela paisagem e pelo privilegiado ecossistema que tem, também não merecia. Quer dizer: de uma penada só, o prefeito mostrou o seu desprezo pela ONU, pela cidade que administra, pelo meio-ambiente e por nós, que o elegemos. Otários, pois não?

* * *

Tudo isso pode parecer pinimba boba diante da #$%@!#&* do país; afinal, que importância tem um secretário municipal a mais ou a menos, ou uma viagem sem razão de ser, diante da jeffersonalha que nos cerca? Que importância tem o mau português e o pior raciocínio do senhor Fasano diante do raciocínio, numa língua sub-paleológica, do nosso presidente? Quando a manada inteira vai para o brejo, que diferença faz mais uma vaca que se afoga?

Na anedota, nenhuma. Em nossa vida, toda. Não podemos perder nossa
cidadania junto com a nossa indignação. Democracia não é só ir na escolinha em dia de votação. É a "eterna vigilância" do dia a dia, de olho nas "otoridades", cobrando o que fazem ou deixam de fazer. Para o bem ou para o mal, somos responsáveis por quem elegemos.

No momento, lamentavelmente, não podemos cobrar tudo de todos, ou não faremos outra coisa na vida. Mas podemos, pelo menos, olhar o que está mais perto de nós, e avisar, ou gritar, que ali tem algo podre.

A democracia não mora em Brasília; mora em toda a parte. Devemos estar atentos a isso, antes que Ela seja despejada.

* * *

Confesso: votei em César Maia. Amigo de Victor Fasano. Inimigo dos animais. Sinto muito, de verdade, e peço sinceras desculpas. Como o homem ganhou no primeiro turno, nem vou perguntar em quem você votou. Só posso pedir a todos que prestem atenção ao que está acontecendo com os bichos de rua do Rio, e que registrem o vexame que demos na convenção de São Francisco. Pensemos nas próximas eleições.

(O Globo, Segundo Caderno, 9.6.2005)

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