(Des)amor aos animais
Tom Taborda
(Especial para o internETC.)
Sim, sabemos que o amor aos animais, sobretudo aos bichinhos de estimação, faz um enorme bem à saúde física e psicológica dos seus donos. Sim, sabemos que demonstrar amor pelos demais seres vivos é prova e prática de melhor estado de espírito e de uma alma mais elevada, capaz de amar.
No entanto, preparem-se: afirmo que a maioria -? repito -- a maioria dos que possuem animais de estimação amam na verdade a projeção de si próprios nos bichinhos. Não amam os animais pelo que são e suas necessidades, mas pelo que projetam neles.
Nada me deixava mais desconcertado, quando levava meus gatos aos veterinários, que perceber o indisfarçado e tateante empenho do profissional em tentar adivinhar quais as minhas carências e expectativas. Ou seja, o que me satisfaria no tratamento. Muitas vezes, tive que deixar bem claro que fizesse seja lá o que fosse necessário para tratar o animal. Nem que receitasse, por exemplo, uma dieta de baratas, por mais revoltante que me parecesse: não era para mim, mas para meu gato.
Pense bem: a maioria dos produtos das pet shops é desenhada justamente para suprir as necessidades e prioridades dos donos dos animais e não destes. Assim, temos snacks sabor artificial bacon, pois o bípede que o compra provavelmente saliva ao pensar no toucinho, independente do fato que bacon não seria nada saudável para um cão. É quase como se os bípedes pensassem, dissessem e agissem: ?amo você, meu gatinho, contanto que não seja um gato, mas o quê eu quero que seja?. E tasca um vestidinho, real ou simulado, em cima.
Se ração para gatos fosse realmente para gatos, teríamos nos sabores ?camundongo?, ?barata? ou ?pombo?. Todos os bons manuais de donos de gatos descrevem o correto procedimento quando um gato nos trouxer um rato ou inseto morto: aceite com deferência e jogue fora depois, disfarçadamente. Nunca demonstre nojo ou, muito menos, brigue com o animal. Afinal de contas, ele é um felino, com todos os seus instintos. No entanto, no minúsculo universo de amantes de gatos que freqüentam o blog da Cora, a maioria posicionou-se revoltada com tais ?presentinhos?. Não amam um gato sendo... gato.
Amar de verdade os animais, a rigor, seria amar pelo que são, cuidando das necessidades e prioridades deles. Mas na prática, como eu disse, a maioria dos donos de animais projeta neles suas necessidades e prioridades. Suas carências.
Pensando bem, esta é uma (má) característica generalizada do ser humano: pouquíssimos pais, mães, parentes, irmãos, amigos e colegas sabem apreciar e valorizar aquilo que é ?felicidade? para o outro. Poucos amigos e amigas sabem compartilhar a felicidade quando o outro está amando, por exemplo, ou contente com uma mudança de cidade.
A grande maioria pensa em si mesmo, ou projeta -- ou impõe (dependendo da hierarquia) -- aquilo que acredita ser o melhor para o outro. Não amamos o outro ou o animal pelo que é, mas pelo que gostaríamos que fosse. Amar de verdade, no entanto, seria intuir e desfrutar o bem-estar do outro.
Os pobres animais de estimação apenas melhor se encaixam, sem revoltas ou bate-boca, no papel de alvo-de-projeção das carências dos seus bípedes. Coisa que filhos ou amigos nem sempre aceitam passivamente. No final das contas, não deixa de ser comovente o grau de abnegação e sacrifício dos bichinhos em nosso benefício: muitas vezes sacrificam sua própria animalidade (para não dizer saúde), só para que tenhamos a ilusão de saber amar, e durmamos tranqüilos, psicologicamente auto-reconfortados.
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