9.8.04

Pequenas felicidades quadrúpedes





Pequenas felicidades quadrúpedes

Minha casa é uma casa temática. Há fotos de gatos em porta retratos, esculturinhas de gatos dos mais variados tamanhos feitas em todos os materiais imagináveis, uma coleção de maneki nekos, gatos diversos pintados em louças, enfeites e no colo de cada uma das matrioskas que eu trouxe de Moscou. Há naturalmente um gato de porcelana, como no tango, e um gato de bronze, placidamente deitado sobre uns livros, para prender a porta. Há também uma prateleira inteira numa das estantes, exclusivamente dedicada a livros sobre gatos. Da última vez que contei, eram mais de cem.

É lógico que não decidi que a minha casa ia ser assim. Todos esses gatos decorativos e imaginários foram se juntando aos poucos ao meu redor, mais ou menos como se juntaram os sete gatos de pelo e osso que hoje me dão o prazer da sua companhia. Muitos chegaram como presentes de Natal ou de aniversário, outros vieram de lembrança na bagagem dos amigos, alguns me conquistaram em viagens ou na lojinha da esquina. Gatos têm disso, mesmo quando não são de verdade.

De todas essas coisas felinas, grandes ou pequenas, poesia ou prosa, a que mais gosto, disparado, é um verso do Neruda:

“Tudo é imundo para o imaculado pé do gato.”

Nesta frase está, para mim, a essência da sua elegância. Nada está, jamais, à altura dos seus pés delicados, das patas que tudo testam antes de pousar, cheias de cuidados – da grama do jardim ao mármore da mesa, do tapete oriental de 600 nós por centímetro quadrado ao capacho da entrada, passando pelo sofá (bege), pelas almofadas (brancas) e, lógico, pela cama recém-arrumada que se dignam a dividir com a gente.

Às vezes, porque nem eles conseguem ser perfeitos, toda esta precisão acaba numa cena cômica. Poucas criaturas têm tanto senso do ridículo quanto os gatos, e é muito engraçado ver como tentam se convencer – e nos convencer – de que nada demais aconteceu. Conviver com eles é uma constante lição de observação e um encanto permanente; é, também, um aprendizado de bem querer, em que o grande segredo é o respeito às diferenças individuais.

Ao contrário do que imaginam as pessoas que não os conhecem, os gatos são extremamente amorosos e dedicados. Apenas não são subservientes -- no que, aliás, estão cobertos de razão. Subserviência não é uma boa base para nenhuma relação.

Adoro a sua companhia, e me sinto honrada por me distinguirem com seu carinho, sua amizade e sua fenomenal intuição: estou convencida de que aqueles bigodes todos são antenas para captar vibrações. Quando percebem que estou triste, juntam-se ao meu redor e fazem o que podem para me alegrar; quando acham que já dei atenção demais ao computador, plantam-se em frente à tela ou dão pequenos puxões na minha roupa, para que eu me lembre de que há coisas mais importantes para se olhar na casa. E há mesmo.

O melhor é que, apesar de lindos (e vaidosos), eles sabem que beleza não é fundamental; fundamental mesmo é delicadeza, essa qualidade tão em falta na vida humana.

(Revista Cláudia, agosto de 2004)

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